Sem subordinação reconhecida, médico não obtém vínculo com hospital de Curitiba

Sem subordinação reconhecida, médico não obtém vínculo com hospital de Curitiba

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame do recurso de um anestesiologista contra decisão que afastou o vínculo de emprego entre ele e a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (PR). Segundo o colegiado, não cabe, em recurso de revista, desconstituir a base fática que havia levado a instância anterior a concluir que não ficara caracterizada a subordinação, um dos requisitos da relação de emprego.

Pessoa jurídica

Na ação trabalhista, o anestesiologista disse que prestara serviços, sem registro na carteira, de 2003 a 2016. Até 2007, a remuneração era calculada por produtividade, com base nos atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), de convênios e de consultas particulares e depositada diretamente em sua conta bancária de pessoa física, sem contrato escrito. Nessa época, segundo ele, teve de constituir pessoa jurídica, para continuar prestando os mesmos serviços. 

Autônomo

O vínculo de emprego foi reconhecido pelo juízo de primeiro grau, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) reformou a sentença, por entender que não foram demonstrados os requisitos de vínculo (subordinação jurídica) nem a existência de fraude por meio de “pejotização”. Segundo o TRT, o médico prestara serviços como autônomo, “condição que lhe permitia escolher para qual empresa prestaria seus serviços, no horário e da forma como pretendesse”. 

A decisão registra, ainda, que o médico também trabalhava para outro hospital, como sócio da pessoa jurídica constituída por ele, o que demonstraria que o objetivo não era apenas “camuflar” a relação de emprego com a Santa Casa. 

Subordinação

O relator do agravo com o qual o médico pretendia rediscutir o caso no TST, ministro Evandro Valadão, assinalou que toda a argumentação do recurso se refere à caracterização dos elementos do vínculo de emprego, especialmente a subordinação. Para isso, ele havia interposto embargos de declaração requerendo a transcrição, pelo TRT, de pontos que demonstrariam esse requisito, como a troca de e-mails sobre horários e cobranças e sua atuação como chefe de serviço e coordenador médico do centro cirúrgico.

Limites do TST

Contudo, o ministro explicou que, em razão dos limites de sua atuação, o TST tem a “difícil tarefa de dizer o direito sem poder mergulhar no contexto fático dos autos”. Na sua avaliação, para cada fragmento incompleto de prova testemunhal relatada pelo TRT nos embargos de declaração que, supostamente, confirmariam a tese da subordinação, seria necessário o contraste e a desconstituição do que foi considerado pela instância regional. 

Essa pretensão acabaria por tornar o TST “a terceira instância julgadora de mérito”, descaracterizando sua missão institucional e atraindo a incidência da proibição da Súmula 126 do TST. 

A decisão foi unânime.

Processo: AIRR-11742-53.2016.5.09.0012 

AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA.
ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA
VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. VÍNCULO
DE EMPREGO. MÉDICO ANESTESIOLOGISTA.
SUBORDINAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO.
PEJOTIZAÇÃO. FRAUDE. ARTS. 2, 3º E 9º DA
CLT. TRANSCENDÊNCIA SOCIAL.
RECONHECIMENTO. MATÉRIA FÁTICA.
SÚMULA Nº 126 DO TST.
I. Cabe a esta Corte Superior examinar,
previamente, se a causa oferece
transcendência, sob o prisma de quatro
vetores taxativos (econômico, político, social e
jurídico), que se desdobram em um rol de
indicadores meramente exemplificativo,
referidos nos incisos I a IV do art. 896-A da CLT.
O vocábulo “causa”, a que se refere o art.
896-A, caput, da CLT, não tem o significado
estrito de lide, mas de qualquer questão
federal ou constitucional passível de
apreciação em recurso de revista. O termo
“causa”, portanto, na acepção em referência,
diz respeito a uma questão jurídica, que é a
síntese normativo-material ou o arcabouço
legal de que se vale, em um certo caso
concreto, como instrumento de resolução
satisfatória do problema jurídico. É síntese,
porque resultado de um processo silogístico. É
normativo, por se valer do sistema jurídico
para a captura e criação da norma.
II. No caso, discute-se a configuração de
vínculo de emprego, especialmente a
existência de relação de subordinação a que se
submetia a parte reclamante na prestação dos
serviços de médico anestesiologista, o que
viabilizaria a identificação de fraude sob o
artifício da pejotização, a caracterizar possível
violação dos arts. 2º e 3º da CLT.
III. Observa-se que o tema em apreço oferece
transcendência social, pois a pretensão
recursal da parte reclamante está jungida à
tutela e à preservação de direitos sociais
constitucionalmente assegurados, que
representam bens e valores fundamentais
titularizados pela coletividade, que
supostamente foram violados de maneira
intolerável. Importa registrar que a Sétima
Turma do TST já decidiu que a discussão sobre
vínculo de emprego, de cunho
reconhecidamente social, observada a
proteção constitucional de que lhe é própria
(CRFB, 7º, I), pode alcançar transcendência
social a viabilizar o exame do recurso de
revista. Precedentes.
IV. Com efeito, os termos do acórdão regional
habitam a linha gris entre a área jurisdicional
de atuação ordinária, soberana na apreciação
do contexto fático dos autos, e a possibilidade
de exame das pretensões recursais dentro da
competência primária do TST, nas estritas
balizas da instância extraordinária, fixadas no
art. 896 da CLT. Ao mesmo tempo em que a
conclusão do Tribunal Regional do Trabalho
lastreia-se nas questões fáticas para embasar o
afastamento da identificação do vínculo de
emprego, fundado na tese jurídica do que se
delimitou como subordinação nessa relação
jurídica e que tal fato jurígeno não ocorreu nos
autos, o que viabilizou o reconhecimento do
trabalho autônomo da parte reclamante, há
também as questões apresentadas no recurso
de revista, cujo teor perfilha diversos
elementos contextuais, expressos na própria
decisão regional recorrida (acórdão em
embargos de declaração) que, eventualmente,
ao serem cotejados, induziriam ao
reconhecimento de que a sentença não
mereceria ser reformada.
V. Em regra, ao analisar recurso de revista, não
é permitido a esta Corte Superior Trabalhista
reexaminar o contexto fático dos autos, nos
exatos termos da Súmula 126 do TST. E isso
detém uma abrangência que não se concentra
apenas em proibir que se verifique se outras
provas carreadas pelas partes, ou que foram
produzidas por determinação do juiz,
poderiam alterar o teor da decisão recorrida.
Até mesmo aquele contexto fático registrado
no acórdão regional que a parte recorrente
entende favorável a sua tese não poderá ser
objeto de reinterpretação para atender a
pretensão recursal, principalmente se a
fundamentação do Tribunal a quo encontra-se
lastreada em outras provas válidas dos autos,
ainda que contrárias ao interesse da parte
recorrente. Frise-se, não cabe, em sede de
recurso de revista, desconstituir a base fática
apreciada no acórdão regional e elevar outros
elementos probatórios, ainda que registrados
na decisão recorrida regional, tais como a
transcrição de depoimentos testemunhais no
acórdão proferido em embargos de declaração,
para se modificar a conclusão do
pronunciamento judicial ordinário, objeto do
recurso de natureza extraordinária. Essa
escolha de prioridades de quais dados fáticos
são essenciais, ou não, para se chegar a uma
decisão judicial fundamentada cabe à instância
ordinária, desde que respeitados, claro, o art.
93, IX, da Constituição da República, e o art.
371 do CPC de 2015.
VI. No caso vertente, toda argumentação do
recurso de revista, reiterada no agravo interno,
se refere à configuração dos elementos do
vínculo de emprego, especialmente a
subordinação. Para isso, a parte agravante
interpôs embargos de declaração em face do
acórdão regional, suscitando questões fáticas
que consubstanciariam sua tese. Em que pese
o acórdão regional afirmar que não restaram
configurados nenhum dos elementos do
vínculo de emprego, apenas se concentra a
identificar, mediante o exame de provas
testemunhais, que inexistia subordinação
jurídica entre as partes, concluindo que a parte
reclamante prestou serviços como médico
antestesiologista de forma autônoma por
pouco mais de 13 anos, assim como afasta a
existência de fraude trabalhista por meio de
pejotização.
VII. Constata-se, então, no caso presente, que,
para se considerar os relatos fáticos da decisão
regional em embargos de declaração, ter-se-ia
que desconstituir a avaliação probatória do
Tribunal Regional sobre a matéria. Isto é, para
cada fragmento incompleto de prova
testemunhal relatada no acórdão regional em
embargos de declaração que, supostamente,
confirmariam a tese de que houve
subordinação, exigir-se-ia o contraste e até a
desconstituição do que foi considerado pelo
acórdão regional quando reformou a sentença.
Esse desiderato acaba por tornar o Tribunal
Superior do Trabalho a terceira instância
julgadora de mérito subjetivo,
descaracterizando por completo a missão
institucional que lhe foi conferida, de modo
que incide o óbice da Súmula 126 do TST para
o processamento do recurso de revista.
VIII. Agravo interno de que se conhece e a que
se nega provimento.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (TST - Tribunal Superior do Trabalho) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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