Avós de trabalhador morto no rompimento de barragem de Brumadinho receberão indenização

Avós de trabalhador morto no rompimento de barragem de Brumadinho receberão indenização

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a LSI – Administração e Serviços S.A. e a Vale S.A. a pagar indenização, no valor de R$ 500 mil, aos avós de um auxiliar de serviços morto após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). Entre outros aspectos, a condenação levou em conta o convívio próximo entre o auxiliar e seus avós, que já estavam aos cuidados do neto.

Arrimo de família

Na reclamação trabalhista, os avós, ambos com mais de 80 anos, disseram que seu único neto, na época com 34 anos, era arrimo de família e sempre havia morado com eles, acompanhando-os nas tarefas do dia a dia, como consultas médicas.  Eles pleiteavam indenização no valor de R$ 1,15 milhão.

Acordo

Em sua defesa, a LSI sustentou que já havia doado R$ 100 mil à família e pago as despesas com o funeral, como forma de ampará-la. A Vale, por sua vez, admitiu que havia um contrato de prestação de serviços com a LS e que fizera acordo com o pai do trabalhador, com o pagamento de R$ 1,5 milhão.

Dano em ricochete

O juízo da 3ª Vara do Trabalho de Betim (MG) condenou as duas empresas ao dever de indenizar os avós em R$ 500 mil (R$250 mil para cada). Para o juízo, o rompimento da barragem havia causado aos avós e aos demais familiares “profunda angústia pelo soterramento fatal do neto”, com quem tinham estreito e diário convívio e afetividade, caracterizando o chamado dano em ricochete, que transcende a vítima e atinge terceiros, por via reflexa. 

A proximidade entre os avós e o neto foi comprovada com uma apólice de seguro deixada pelo falecido em nome da avó e com o relatório de atendimento produzido pela empresa que relata os cuidados do neto com os avós. A dependência econômica também ficou comprovada, diante da constatação de que eles moravam juntos havia 30 anos no mesmo lote residencial. 

Redução da condenação

O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG), ao julgar recurso ordinário das empresas, reduziu o valor da condenação para R$ 50 mil. Segundo o TRT, no caso de dano em ricochete, é importante delimitar o campo de repercussão da responsabilidade civil, impedindo que se crie uma cadeia infinita de pretendentes à reparação. Nesse ponto, a decisão destaca que, ressalvadas eventuais particularidades, deve ser observada a ordem de vocação hereditária (no caso, parentesco no segundo grau, em linha reta) e considera excessivo o valor fixado pelo primeiro grau.

Relação de parentesco

O relator do recurso de revista dos familiares, ministro Agra Belmonte, assinalou que os casos de dano moral em ricochete não seguem um padrão lógico de incidência ou de gradação, como no direito das sucessões, em que os parentes mais próximos excluem os mais distantes. Assim, o fato de integrantes do núcleo familiar serem atingidos e sofrerem as repercussões de um acidente como o analisado no processo não exclui a possibilidade de que outras pessoas, mesmo sem relação de parentesco, possam ser atingidas pelas mesmas dores ou aflições dos parentes mais próximos. 

Segundo o ministro, os danos morais decorrentes do falecimento de um ente querido podem ser presumidos apenas para os parentes até o terceiro grau nas linhas reta e colateral. A partir daí, somente haverá direito à reparação se demonstrada a relação de intimidade, proximidade, dependência econômica ou apadrinhamento. 

Responsabilidade objetiva

No caso, consta expressamente da decisão do TRT que o empregado falecido tinha descendência em segundo grau, em linha reta, com os avós, autores da ação. Portanto, a lei permite aplicar a teoria da responsabilidade objetiva, segundo a qual existe a obrigação de reparar os prejuízos, independentemente da culpa da empresa, nos casos que a atividade implicar, por sua própria natureza, perigo de dano aos trabalhadores em patamar superior a outras atividades normalmente desenvolvidas no mercado.

Para Agra Belmonte, os rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho, em que as atividades de suporte à mineração são de alto risco, são exemplos “dolorosos e bem ilustrativos” dessa compreensão. 

Pagador-poluidor

Por fim, o ministro ressaltou que, de acordo com o princípio do pagador-poluidor, as pessoas físicas ou jurídicas exploradoras de atividades nocivas ao meio ambiente, inclusive o do trabalho devem responder de forma objetiva e solidária pelos custos e pelos prejuízos sociais diretos ou indiretos provenientes da degradação. 

A decisão foi unânime.

Processo: RRAg-11051-51.2019.5.03.0028

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO DAS
RECLAMADAS EM RECURSO DE REVISTA.
ACÓRDÃO REGIONAL NA VIGÊNCIA DA LEI
13.467/2017. MATÉRIA COMUM.
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS
INDIRETOS OU RICOCHETE. AÇÃO
TRABALHISTA AJUIZADA PELOS AVÓS DA
VÍTIMA.
1.A matéria diz respeito à responsabilidade civil
das reclamadas pelo acidente que resultou na
morte de trabalhador na ocasião do
rompimento da barragem da Mina Córrego do
Feijão, em Brumadinho. Trata-se de ação
trabalhista ajuizada pelos avós da vítima,
pleiteando indenização por dano moral.
2. O col. Tribunal Regional registrou que o
ex-empregado era descendente em segundo
grau do reclamante, bem como que a prova
demonstrou “o convívio próximo dos
reclamantes com a vítima e a existência de laços
afetivos estreitos entre eles, durante todo o
período de vida do de cujus, e, ainda a ocorrência
de danos morais profundos, agravados pela
avançada idade dos autos na data do infortúnio,
que, diga-se, já se encontravam aos cuidados do
neto”. Em seguida, entendeu por configurada a
responsabilidade civil objetiva das reclamadas
pelo acidente ocorrido, em face da natureza de
risco da atividade explorada, inclusive com
fundamento nas NR’s 4 e 22 da Portaria do
Ministério do Trabalho, que, respectivamente,
classifica a extração de minerais metálicos
como de risco “Grau 4” e disciplina a segurança
e a saúde ocupacional na mineração,
objetivando compatibilizar o planejamento e o
desenvolvimento desta com a garantia de
segurança e saúde dos trabalhadores.
3.Embora as reclamadas apontem violação dos
artigos 186, 187 e 927 do Código Civil e 7º,
XXVIII, da CR, sob a alegação de que a
interpretação dada pelo TRT para a
configuração da responsabilidade civil tenha
sido extremamente extensiva, porque não teria
sido apurado o dano sofrido pelos avós da
vítima, bem como que, nos casos de dano
indireto, deve ser apurada a responsabilidade
subjetiva e não objetiva, não se constatam as
alegadas ofensas.
4.Diferentemente do que acontece no direito
das sucessões, em que os parentes mais
próximos normalmente excluem os mais
remotos, os danos morais decorrentes do
falecimento de uma pessoa querida não
seguem um padrão lógico de incidência ou de
gradação. "Se no direito sucessório os parentes
excluem-se gradativamente, o mesmo não ocorre
no caso da ação indenizatória" (PEREIRA, Caio
Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9. ed.,
Forense. p. 329).
5.Evidentemente, presume-se que os membros
do núcleo familiar íntimo (normalmente
integrado pelo cônjuge, pelos filhos e pelos
pais) sejam os que sofram as repercussões
personalíssimas causadas pelo infortúnio e que
este sofrimento se apresente de forma mais
intensa que em outros parentes. Não por outro
motivo, J. M. Carvalho Santos diz que a ordem
natural das afeições familiares obedece a um
padrão em que "o amor primeiro desce , depois
sobe , e em seguida dilata-se " (CARVALHO
SANTOS, J. M. Código Civil Brasileiro
Interpretado. Vol. XXII. 13. ed., Freitas Bastos. p.
247).
6.É verdade que isto não significa que estes ou
mesmo outros indivíduos que sequer tenham
relação de parentesco com aquele que se foi
não possam padecer das mesmas dores ou até
mesmo de aflições mais intensas que as
suportadas pelos familiares. A complexidade
das relações e dos sentimentos humanos não
permite que se chegue a uma conclusão
estanque nesse sentido, embora a estreita via
da legitimação ad causam restrinja
sobremaneira o universo das pessoas com
respaldo jurídico para provocar o Poder
Judiciário a fim de fazer valer o seu direito à
compensação pela ofensa moral em ricochete .
7. Conforme ressaltado alhures, apenas os
parentes em linha reta e os que figuram até o
quarto grau colateral possuem essa
prerrogativa, salvo em situações muito
particulares. A partir do momento em que é
demonstrado o vínculo objetivo de parentesco,
a atenção do juiz deve voltar-se para o
problema da prova do dano de que a parte
alega padecer. A presunção de que a morte
possui a capacidade de desencadear
sentimentos de profunda tristeza, de angústia
e de sofrimento, é natural para os membros do
núcleo familiar e para os parentes mais
próximos.
8.No caso, o col. TRT evidencia de forma
inegável o dano sofrido pelos reclamantes,
uma vez que registra que “o falecido empregado
era descendente em segundo grau, em linha reta,
dos reclamantes”, que “o de cujus e os
reclamantes residiam no mesmo endereço”, que
havia estreita relação afetiva entre eles e que
os avós, inclusive, “já se encontravam aos
cuidados do neto.
9.Além disso, diversamente do que se alega,
não há nenhuma incompatibilidade entre o
reconhecimento da responsabilidade civil
objetiva com o dano indireto ou ricochete. O
art. 927, parágrafo único, do CCB estabelece
que “haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos
de outrem”. Quanto ao art. 7º, XXVIII, da CR, o
próprio Supremo Tribunal Federal, no
julgamento do RE nº 828.040/DF (Tema 932 da
Tabela de Repercussão Geral), fixou a seguinte
tese jurídica: "O artigo 927, parágrafo único, do
Código Civil é compatível com o artigo 7º, XXVIII,
da Constituição Federal, sendo constitucional a
responsabilização objetiva do empregador por
danos decorrentes de acidentes de trabalho, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida, por sua natureza,
apresentar exposição habitual a risco especial,
com potencialidade lesiva e implicar ao
trabalhador ônus maior do que aos demais
membros da coletividade", como no caso.
10.Ou seja, não há nenhuma vedação em lei
para a aplicação da teoria objetiva nos casos de
dano ricochete, de forma que, sempre que a
atividade econômica implicar, por sua própria
natureza, perigo de dano aos trabalhadores em
patamar superior a outras atividades
normalmente desenvolvidas no mercado,
haverá a obrigação de reparação dos prejuízos
decorrentes daquela espécie de infortúnio,
independentemente da existência de culpa do
empresário.
11. Essa é exatamente a hipóteses dos autos,
tendo em vista que as atividades de suporte à
mineração em barragens são de altíssimo risco.
Os rompimentos em Mariana e em
Brumadinho são exemplos dolorosos e bem
ilustrativos desta compreensão. Aliás, pelo
princípio do poluidor-pagador, as pessoas
físicas ou jurídicas exploradoras de atividades
nocivas ao meio ambiente – onde se insere o
meio ambiente de trabalho – devem responder
de forma objetiva e solidária pelos custos e
prejuízos sociais diretos ou indiretos
provenientes da degradação. Essa é a exegese
que se extrai dos artigos 3º, IV, e 14, §1º,
primeira parte, da Lei nº 6.938/1981, ao
assentarem que o poluidor é aquele
"responsável, direta ou indiretamente, por
atividade causadora de degradação ambiental",
sendo este "obrigado, independentemente da
existência de culpa, a indenizar ou reparar os
danos causados ao meio ambiente e a terceiros,
afetados por sua atividade" .
12.Acresça-se não constar do v. acórdão
regional excludente de nexo de causalidade,
notadamente caso fortuito ou força maior e
que, embora o col. Tribunal Regional tenha
fundamentado sua decisão na
responsabilidade civil objetiva, também
evidenciou a responsabilidade civil subjetiva,
ao salientar que o gravíssimo acidente ocorrido
na barragem da Mina do Córrego do Feijão, em
Brumadinho-MG se deu por culpa da
reclamada, por falhas técnicas e ausência de
fiscalização das condições de segurança na
estrutura da barragem.
13.Desta feita, quer pela natureza da atividade
econômica, quer pelo risco do
empreendimento explorado, quer pela conduta
antijurídica na administração dos riscos
inerentes ao ambiente de trabalho, deve ser
mantida a responsabilidade das rés pelos
danos morais sofridos pelos avós do
trabalhador falecido.
13. Ressalte-se que idêntica solução jurídica
fora dada por esta c. 3ª Turma na ocasião do
julgamento do
TST-ARR-11159-20.2017.5.03.0140, em
07/04/2021 (DEJT 09/04/2021), cujo caso
envolvia morte de trabalhador que fora
soterrado pelo rejeito de minério enquanto
dirigia caminhão pipa à jusante da barragem
de Fundão, em Mariana-MG. Agravos de
instrumento conhecidos e desprovidos.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (TST - Tribunal Superior do Trabalho) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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