Considerada válida cobertura de invalidez vinculada à perda total da autonomia do segurado

Considerada válida cobertura de invalidez vinculada à perda total da autonomia do segurado

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a sistemática dos recursos repetitivos, definiu que não é abusiva a cláusula de contrato de seguro de vida que prevê cobertura para invalidez permanente por doença apenas na hipótese de perda total da autonomia do segurado. O entendimento reafirmou diversos precedentes, tanto da Terceira quanto da Quarta Turma.

A tese fixada no Tema 1.068 dos repetitivos é a seguinte: não é ilegal ou abusiva a cláusula que prevê a cobertura adicional de invalidez funcional permanente total por doença em contrato de seguro de vida em grupo, condicionando o pagamento da indenização securitária à perda da existência independente do segurado, comprovada por declaração médica.

Com o julgamento, podem voltar a tramitar todos os processos individuais ou coletivos que estavam suspensos no país à espera da definição do precedente qualificado.

Novas coberturas com novos conceitos

Em um dos casos selecionados como representativos da controvérsia, o contrato de seguro de vida em grupo previa cobertura adicional para invalidez funcional permanente total por doença. O juízo de primeiro grau isentou a seguradora de pagar a indenização por entender que a incapacidade causada pela doença do segurado o impedia de trabalhar, mas não de exercer outras atividades.

Ao reformar a sentença, o Tribunal de Justiça de São Paulo considerou que o conceito de invalidez previsto na apólice era muito restrito e abusivo, devendo ser entendido apenas como incapacidade para o trabalho. Assim, determinou o pagamento da indenização.

A relatoria dos recursos especiais em julgamento coube ao ministro Villas Bôas Cueva, que apresentou as diferenças entre as coberturas de Invalidez Laborativa Permanente Total por Doença (ILPD) e de Invalidez Funcional Permanente Total por Doença (IFPD) – modalidades criadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) para substituir a antiga cobertura de Invalidez Permanente por Doença (IPD), cujo conceito era pouco claro e gerava muitos conflitos judiciais.

Invalidez funcional e incapacidade profissional

Segundo o relator, na ILPD, há o pagamento de indenização diante de incapacidade para o trabalho principal do segurado, de caráter permanente e total, resultante de doença para a qual não haja recuperação com os recursos terapêuticos disponíveis no momento (artigo 15 da Circular Susep 302/2005).

No caso da IFPD, o magistrado explicou que o pagamento da indenização decorre de invalidez consequente de doença que cause a perda da existência independente do segurado, comprovada quando o quadro clínico incapacitante inviabilizar de forma irreversível o pleno exercício das suas atividades de forma autônoma (artigo 17 da Circular Susep 302/2005).

De acordo com o ministro, a cobertura de invalidez funcional não tem nenhuma vinculação com a incapacidade profissional, podendo, inclusive, ser contratada para garantir ao segurado a antecipação do capital previsto para a hipótese de morte.

Cobertura compatível com o Código do Consumidor

Villas Bôas Cueva acrescentou que, embora a cobertura IFPD (invalidez funcional) seja mais restritiva do que a cobertura ILPD (invalidez profissional), não se pode considerá-la abusiva ou ilegal.

Para o relator, tampouco é possível falar em ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e da equidade, não se constatando, nas hipóteses julgadas, nenhuma vantagem exagerada da seguradora em detrimento do consumidor. "A cobertura IFPD não é incompatível com a legislação consumerista", completou.

O ministro ressaltou, no entanto, que os produtos existentes no mercado securitário devem ser disponibilizados com o devido esclarecimento, ou seja, devem ser oferecidos com informações claras acerca do tipo de cobertura a ser contratada e suas consequências, de modo a não induzir o segurado em erro.

Aposentadoria do INSS não garante pagamento do seguro

Em seu voto, Villas Bôas Cueva também explicou que eventual aposentadoria por invalidez permanente concedida pelo INSS não dá ao segurado o direito automático de receber indenização do seguro contratado com empresa privada.

Segundo ele, a jurisprudência das turmas de direito privado do STJ entende ser imprescindível a realização de perícia médica para atestar tanto a natureza e o grau da incapacidade quanto o correto enquadramento na cobertura contratada (artigo 5º, parágrafo único, da Circular 302/2005).

RECURSO ESPECIAL Nº 1.845.943 - SP (2019/0324319-8)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : ITAÚ VIDA E PREVIDÊNCIA S.A
ADVOGADOS : JOSÉ ARMANDO DA GLÓRIA BATISTA - SP041775
DANIELA BENES SENHORA HIRSCHFELD - SP171674
RECORRIDO : ANTÔNIO BRAZ DE SOUSA
ADVOGADO : ANDERSON ROBERTO GUEDES - SP247024
INTERES. : FENAPREVI-FEDERACAO NACIONAL DE PREVIDENCIA
PRIVADA E VIDA - "AMICUS CURIAE"
ADVOGADOS : GUILHERME VALDETARO MATHIAS - RJ075643
MÁRCIO VIEIRA SOUTO COSTA FERREIRA E OUTRO(S) - RJ059384
LUIS FELIPE FREIRE LISBOA - DF019445
ADVOGADOS : CAROLINA CARDOSO FRANCISCO MOUTINHO - RJ116999
RAFAELA FILGUEIRAS FUCCI - RJ147427
EMENTA
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. CIVIL. SEGURO DE VIDA EM
GRUPO. ADICIONAL DE COBERTURA POR INVALIDEZ
FUNCIONAL PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA - IFPD.
ENFERMIDADE ARTICULAR DO JOELHO DIREITO.
INCAPACIDADE PARA A PROFISSÃO. INVALIDEZ FUNCIONAL.
DEFINIÇÃO PRÓPRIA. LEGALIDADE. ATIVIDADES AUTONÔMICAS
DA VIDA DIÁRIA. DECLARAÇÃO MÉDICA. NECESSIDADE.
INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA INDEVIDA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na
vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados
Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a verificar a legalidade da cláusula que
prevê a cobertura adicional de invalidez funcional permanente total
por doença (IFPD ou IPD-F) em contrato de seguro de vida em
grupo, condicionando o pagamento da indenização securitária à
perda da existência independente do segurado.
3. Na Invalidez Funcional Permanente Total por Doença (IFPD), a
garantia do pagamento da indenização é no caso de invalidez
consequente de doença que cause a perda da existência
independente do segurado, ocorrida quando o quadro clínico
incapacitante inviabilizar de forma irreversível o pleno exercício
das suas relações autonômicas (art. 17 da Circular SUSEP nº 302/2005).
4. Na cobertura de Invalidez Laborativa Permanente Total por
Doença (ILPD), há a garantia do pagamento de indenização em
caso de incapacidade profissional, permanente e total,
consequente de doença para a qual não se pode esperar
recuperação ou reabilitação com os recursos terapêuticos
disponíveis no momento de sua constatação, para a atividade
laborativa principal do segurado (art. 15 da Circular SUSEP nº 302/2005).
5. A garantia de invalidez funcional não tem nenhuma vinculação
com a incapacidade profissional, podendo inclusive ser contratada
como uma antecipação da cobertura básica de morte.
6. Embora a cobertura IFPD (invalidez funcional) seja mais
restritiva que a cobertura ILPD (invalidez profissional ou laboral),
não há falar em sua abusividade ou ilegalidade, tampouco em
ofensa aos princípios da boa-fé objetiva e da equidade, não se
constatando também nenhuma vantagem exagerada da
seguradora em detrimento do consumidor.
7. Eventual aposentadoria por invalidez permanente concedida
pelo INSS não confere ao segurado o direito automático de
receber indenização de seguro contratado com empresa privada,
sendo imprescindível a realização de perícia médica para atestar
tanto a natureza e o grau da incapacidade quanto o correto
enquadramento na cobertura contratada (art. 5º, parágrafo único,
da Circular nº 302/2005). O órgão previdenciário oficial afere
apenas a incapacidade profissional ou laborativa, que não se
confunde com as incapacidades parcial, total, temporária ou funcional.
8. Tese para os fins do art. 1.040 do CPC/2015: Não é ilegal ou
abusiva a cláusula que prevê a cobertura adicional de invalidez
funcional permanente total por doença (IFPD) em contrato de
seguro de vida em grupo, condicionando o pagamento da
indenização securitária à perda da existência independente do
segurado, comprovada por declaração médica.
9. No caso concreto, recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima
indicadas, decide a Segunda Seção, por unanimidade, conhecer do recurso
especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Para os fins repetitivos, restou definida a seguinte tese: "Não é
ilegal ou abusiva a cláusula que prevê a cobertura adicional de invalidez
funcional permanente total por doença (IFPD) em contrato de seguro de vida em
grupo, condicionando o pagamento da indenização securitária à perda da
existência independente do segurado, comprovada por declaração médica." Os
Srs. Ministros Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Luis Felipe
Salomão, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e Maria Isabel Gallotti
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira.
Brasília (DF), 13 de outubro de 2021(Data do Julgamento)
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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