Prazo para pagamento de credores trabalhistas tem início após a concessão da recuperação judicial

Prazo para pagamento de credores trabalhistas tem início após a concessão da recuperação judicial

O prazo de um ano para pagamento dos credores trabalhistas pelo devedor em recuperação judicial – previsto no artigo 54 da Lei 11.101/2005 – tem como marco inicial a data da concessão da recuperação, pois essa é a interpretação lógico-sistemática da legislação especializada em relação ao cumprimento de todas as obrigações previstas no plano de soerguimento. Exceções a esse marco temporal estão previstas na própria Lei de Falência e Recuperação de Empresas (LFRE) –, mas não atingem as obrigações de natureza trabalhista. 

O entendimento foi estabelecido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) segundo o qual o prazo para pagamento dos credores trabalhistas deveria ser contado ou a partir da homologação do plano de recuperação ou logo após o término do prazo de suspensão previsto no artigo 6º, parágrafo 4º, da LFRE – o que ocorrer primeiro.

De acordo com o artigo 6º – conhecido como stay period –, após o deferimento do processamento da recuperação judicial, devem ser suspensos por 180 dias procedimentos como as execuções ajuizadas pelo devedor e eventuais retenções, penhoras ou outras constrições judiciais contra o titular do pedido de recuperação.

Liberdade para negociar, mas com limites

A relatora do recurso especial do devedor, ministra Nancy Andrighi, explicou que a liberdade de acordar prazos de pagamento é orientação que serve de referência à elaboração do plano de recuperação. Entretanto, para evitar abusos, a ministra apontou que a própria LFRE criou limites à deliberação do devedor e dos credores em negociação.

Entre esses limites, prosseguiu a relatora, está exatamente a garantia para pagamento privilegiado dos créditos trabalhistas, tendo em vista a sua natureza alimentar.

Apesar do estabelecimento legal do período de um ano para pagamento desses créditos, Nancy Andrighi reconheceu que a LFRE não fixou um marco inicial para contagem desse prazo, mas a maior parte da doutrina entende que deva ser a data da concessão da recuperação judicial.

Novação dos créditos com a concessão da recuperação

Em reforço dessa posição, a ministra destacou que o início do cumprimento das obrigações previstas no plano de recuperação – entre elas, o pagamento de créditos trabalhistas – está vinculado, em geral, à concessão judicial do soerguimento, a exemplo das previsões trazidas pelos artigos 58 e 61 da LFRE.

Segundo a relatora, quando a lei quis estabelecer que a data de determinada obrigação deveria ser cumprida a partir de outro marco inicial, ela o fez de modo expresso, como no artigo 71, inciso III, da LFRE.

"Acresça-se a isso que a novação dos créditos existentes à época do pedido (artigo 59 da LFRE) apenas se perfectibiliza, para todos os efeitos, com a prolação da decisão que homologa o plano e concede a recuperação, haja vista que, antes disso, verificada uma das situações previstas no artigo 73 da LFRE, o juiz deverá convolar o procedimento recuperacional em falência", completou a ministra.

Garantia de preservação da empresa

De acordo com a relatora, ao concluir que o prazo de pagamento das verbas trabalhistas deveria ter início após o stay period, o TJSP compreendeu que, após esse período de suspensão, estaria autorizada a retomada da busca individual dos créditos contra a empresa em recuperação.

Entretanto, Nancy Andrighi enfatizou que essa orientação não encontra respaldo na jurisprudência do STJ, que possui o entendimento de que o decurso da suspensão não conduz, de maneira automática, à retomada da cobrança dos créditos, tendo em vista que o objetivo da recuperação é garantir a preservação da empresa e a manutenção dos bens essenciais à sua atividade.

"A manutenção da solução conferida pelo acórdão recorrido pode resultar em prejuízo aos próprios credores a quem a lei procurou conferir tratamento especial, haja vista que, diante dos recursos financeiros limitados da recuperanda, poderão eles ser compelidos a aceitar deságios ainda maiores em razão de terem de receber em momento anterior ao início da reorganização da empresa", concluiu a ministra ao reformar o acórdão do TJSP.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.924.164 - SP (2021/0054433-3)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : IBÉRIA INDÚSTRIA DE EMBALAGENS LTDA
RECORRENTE : IBEROS TRANSPORTES LTDA
RECORRENTE : CONTREM PARTICIPACOES LTDA
ADVOGADO : VICENTE ROMANO SOBRINHO - SP083338
INTERES. : WINTHER REBELLO, CAMILOTTI, CASTELLANI, CAMPOS E
CARVALHO DE AGUIAR VALLIM ASSESSORIA EMPRESARIAL
ESPECIALIZADA LTDA - ADMINISTRADOR
OUTRO NOME : R4C ASSESSORIA EMPRESARIAL LTDA
ADVOGADOS : IDA MARIA FALCO - SP150749
LUIZ AUGUSTO WINTHER REBELLO JUNIOR - SP139300
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRAZO PARA PAGAMENTO
DOS CREDORES TRABALHISTAS. MARCO INICIAL. ART. 54 DA LEI 11.101/05.
DATA DA CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. MOMENTO A PARTIR DO
QUAL AS OBRIGAÇÕES DEVEM SER CUMPRIDAS.
1. Recuperação judicial requerida em 15/11/2018. Recurso especial
interposto em 15/10/2020. Autos conclusos à Relatora em 9/3/2021.
2. O propósito recursal consiste em definir o termo inicial da contagem do
prazo para pagamento dos credores trabalhistas no procedimento de
recuperação judicial do devedor.
3. A liberdade de negociar prazos de pagamentos é diretriz que serve de
referência à elaboração do plano de recuperação judicial. Todavia, a fim de
evitar abusos que possam inviabilizar a concretização dos princípios que
regem o processo de soerguimento, a própria Lei 11.101/05 cuidou de impor
limites à deliberação dos envolvidos na negociação. Dentre esses limites,
vislumbra-se aquele estampado em seu art. 54, que garante o pagamento
privilegiado de créditos trabalhistas. Tal privilégio encontra justificativa por
incidir sobre verba de natureza alimentar, titularizada por quem goza de
proteção jurídica especial em virtude de sua maior vulnerabilidade.
4. A par de garantir pagamento especial aos credores trabalhistas no prazo
de um ano, o art. 54 da LFRE não fixou o marco inicial para cumprimento
dessa obrigação.
5. Todavia, decorre da interpretação sistemática desse diploma legal que o
início do cumprimento de quaisquer obrigações previstas no plano de
soerguimento está condicionado à concessão da recuperação judicial (art.
61, caput, c/c o art. 58, caput, da LFRE).
6. Isso porque é apenas a partir da concessão do benefício legal que o
devedor poderá satisfazer seus credores, conforme assentado no plano, sem
que isso implique tratamento preferencial a alguns em detrimento de
outros. Doutrina.
7. Vale observar que, quando a lei pretendeu que determinada obrigação
fosse cumprida a partir de outro marco inicial, ela o declarou de modo
expresso, como ocorreu, a título ilustrativo, na hipótese do inciso III do art.
71 da LFRE (plano especial de recuperação judicial).
8. Acresça-se a isso que a novação dos créditos existentes à época do pedido
(art. 59 da LFRE) apenas se perfectibiliza, para todos os efeitos, com a
prolação da decisão que homologa o plano e concede a recuperação, haja
vista que, antes disso, verificada uma das situações previstas no art. 73 da
LFRE, o juiz deverá convolar o procedimento recuperacional em falência.
9. Nesse norte, não se poderia cogitar que o devedor adimplisse obrigações
antes de ser definido que o procedimento concursal será, de fato, a
recuperação judicial e não a falência. Somente depois de aprovado o plano e
estabelecidas as condições específicas dos pagamentos é que estes podem
ter início. Doutrina.
10. O fundamento que serve de suporte à conclusão do acórdão recorrido –
no sentido de que o pagamento dos créditos trabalhistas deveria ter início
imediatamente após o decurso do prazo suspensivo de 180 dias – decorre da
compreensão de que, findo tal período, estaria autorizada a retomada da
busca individual dos créditos detidos contra a recuperanda. Essa
compreensão, contudo, não encontra respaldo na jurisprudência deste
Tribunal Superior, que possui entendimento consolidado no sentido de que o
decurso do prazo acima indicado não pode conduzir, automaticamente, à
retomada da cobrança dos créditos sujeitos ao processo de soerguimento,
uma vez que o objetivo da recuperação judicial é garantir a preservação da
empresa e a manutenção dos bens de capital essenciais à atividade na posse
da devedora. Precedente.
11. Ademais, a manutenção da solução conferida pelo Tribunal de origem
pode resultar em prejuízo aos próprios credores a quem a Lei 11.101/05
procurou conferir tratamento especial, haja vista que, diante dos recursos
financeiros limitados da recuperanda, poderão eles ser compelidos a aceitar
deságios ainda maiores em razão de terem de receber em momento
anterior ao início da reorganização da empresa.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial
nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram
com a Sra. Ministra Relatora.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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