Ação de responsabilidade transitada em julgado não faz coisa julgada material para terceiros

Ação de responsabilidade transitada em julgado não faz coisa julgada material para terceiros

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), não há coisa julgada material para novo pedido de indenização contra uma empresa concessionária de rodovias em razão de um acidente de trânsito, ainda que outra demanda indenizatória tenha sido movida por terceiro envolvido no mesmo engavetamento, na qual foi afastada a obrigação de indenizar.

O recurso de uma viúva e de seus filhos chegou ao STJ após o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, amparado no reconhecimento do efeito reflexo da coisa julgada, afastar a responsabilidade da concessionária em virtude da improcedência de prévia ação indenizatória relativa ao mesmo acidente.

No recurso, alegaram que o marido e pai dos recorrentes faleceu no engavetamento, o qual foi ocasionado pela grande quantidade de fumaça na pista oriunda de uma queimada que impossibilitou o tráfego em todos os sentidos e levou os veículos a baterem um atrás do outro.

Para eles, a concessionária, responsável por fiscalizar o trecho onde ocorreu o acidente, deveria ter interrompido o trânsito pelo tempo necessário a possibilitar um tráfego seguro. Ao STJ, argumentaram que a conclusão quanto a ausência de culpa em acidente automobilístico, adotada em outra demanda indenizatória, não é extensível a terceiros.

Contraditório

O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, explicou que "a coisa julgada consiste na autoridade da decisão judicial de mérito, proferida em cognição exauriente, que torna imutável e, consequentemente, indiscutível a norma jurídica individualizada contida em sua parte dispositiva".

No entanto, ressaltou que a imutabilidade da norma jurídica concreta, contida no dispositivo da decisão judicial, possui limites subjetivos e objetivos. Ao citar a doutrina sobre o assunto, o relator observou que, apesar de haver exceções, a regra no Código de Processo Civil é de haver coisa julgada inter partes, ou seja, entre àqueles que participaram da demanda, não prejudicando terceiros (artigo 506).

"Segundo o sistema processual brasileiro, ninguém poderá ser atingido pelos efeitos de uma decisão jurisdicional transitada em julgado, sem que se lhe tenha sido garantido o acesso à justiça, com um processo devido, onde se oportunize a participação em contraditório", afirmou.

Para Sanseverino, o caso em análise não se encaixa em nenhuma das hipóteses de extensão da coisa julgada em desfavor de terceiro, pois não se trata de dissolução parcial de sociedade; ou de substituição processual decorrente de alienação de coisa ou direito litigioso; de sucessores; de legitimação concorrente; de credores solidários ou mesmo de direito coletivo em sentido estrito de que tratam o Código de Defesa do Consumidor.

Ao determinar novo exame do processo pelo TJRS, o ministro destacou que, nos termos da jurisprudência do STJ, a sentença e, por conseguinte, o acórdão não poderão prejudicar terceiro, em razão dos limites de eficácia da coisa julgada.

RECURSO ESPECIAL Nº 1766261 - RS (2018/0235482-4)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : ROSEMERI RAMOS BROCHADO
RECORRENTE : LUCIELE RAMOS BROCHADO
RECORRENTE : ROGER RAMOS BROCHADO
ADVOGADOS : ÂNGELA MARIA GONÇALVES DE SOUZA E SILVA -
RS069126
LUCAS JOSÉ PAVANI GARCIA E OUTRO(S) - RS107928
RECORRIDO : EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE RODOVIAS DO SUL
S/A - ECOSUL
ADVOGADOS : THIAGO SQUEFF DE OLIVEIRA - RS052977
RICARDO BARRETTO DE ANDRADE - DF032136
MARIA AUGUSTA ROST - DF037017
MATHEUS UALT VASCONCELOS - RS086544
MARIANA MELLO LOMBARDI E OUTRO(S) - DF053879
RECORRIDO : AXA CORPORATE SOLUTIONS SEGUROS S.A
ADVOGADOS : PAULO ANTONIO MULLER - RS013449
MARCO AURELIO MELLO MOREIRA - RS035572
PAULA BING MÜLLER E OUTRO(S) - RS093218
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. REQUISITOS DE
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL: REVALORAÇÃO DOS
FATOS. CABIMENTO. NÃO INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N.º 7/STJ.
RECURSO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. NÃO INCIDÊNCIA DO
ENUNCIADO N.º 284/STF. INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTO
CONSTITUCIONAL AUTÔNOMO NECESSÁRIO PARA INTERPOSIÇÃO
DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MÉRITO: LIMITES OBJETIVOS E
SUBJETIVOS DA COISA JULGADA. TERCEIRO ALHEIO AO PRÉVIO
PROCESSO INDENIZATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DA
COISA JULGADA FORMADA EM PROCESSO DE QUE NÃO FOI PARTE.
1. Responsabilidade civil por prejuízos resultantes de acidente de trânsito de
empresa concessionária de rodovias que já fora objeto de exame em outra
demanda indenizatória movida por outro motorista envolvido no mesmo
evento danoso (engavetamento de carros por fumaça na rodovia), em
que restara afastada a obrigação de indenizar.
2. Controvérsia em torno da possibilidade de aplicação da teoria dos efeitos
reflexos da coisa julgada e da impossibilidade de reanálise da
responsabilidade civil.
3. Consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível a
revaloração dos fatos reconhecidos pelas instâncias ordinárias, pois essa
requalificação jurídica consiste apenas em atribuir o devido valor jurídico a
matéria fática incontroversa.
4. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o recurso
especial possui natureza vinculada, exigindo, para o seu cabimento, a
imprescindível demonstração do recorrente, de forma clara e precisa, dos
dispositivos apontados como malferidos pela decisão recorrida juntamente
com argumentos suficientes à exata compreensão da controvérsia
estabelecida. Nesse contexto, em razão da suficiente fundamentação do
recurso especial, não há se falar em aplicação do Enunciado n.º 284/STF.
5. Consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não incide o
Enunciado n.º 126/STJ, quando o Tribunal de Justiça analisou a controvérsia
à luz de dispositivos infraconstitucionais e inexistente fundamento
constitucional autônomo que merecesse a interposição de recurso
extraordinário.
6. A coisa julgada "inter partes" é a regra em nosso sistema processual,
inspirado nas garantias constitucionais da inafastabilidade da jurisdição, do
devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
7. No sistema processual brasileiro, ninguém poderá ser atingido pelos
efeitos de uma decisão jurisdicional transitada em julgado, sem que se lhe
tenha sido garantida efetiva participação, mediante o devido processo legal,
assegurado o contraditório e a ampla defesa.
8. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a sentença
não poderá prejudicar terceiro, em razão dos limites subjetivos da eficácia da
coisa julgada. Precedentes específicos do STJ acerca da questão.
9. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a)
Sr(a). Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze,
Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 18 de maio de 2021.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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