Reduzida pena de mandante da morte da deputada Ceci Cunha de 103 para 92 anos

Reduzida pena de mandante da morte da deputada Ceci Cunha de 103 para 92 anos

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a avaliação do comportamento da vítima para reduzir a condenação imposta ao ex-deputado federal Pedro Talvane Albuquerque Neto pelo assassinato da deputada Ceci Cunha e de três integrantes de sua família. Para o colegiado, o fato de o comportamento da vítima não ter contribuído para o crime não pode ser utilizado para agravar a pena – entendimento já consolidado na jurisprudência da corte. 

Por unanimidade, a turma julgadora também considerou desproporcional o aumento adotado pelas instâncias ordinárias na primeira fase do cálculo da pena, relativamente a três dos quatro homicídios, e reduziu o total da condenação de 103 anos e quatro meses de prisão para 92 anos, nove meses e 27 dias.

Talvane Albuquerque era suplente de deputado e foi condenado por mandar assassinar a deputada para tomar posse em seu lugar na Câmara. O crime ficou conhecido como Chacina da Gruta de Lourdes, em referência ao bairro onde a deputada residia, em Maceió. Ela foi morta na varanda de casa, com o marido e mais dois familiares, na mesma noite em que foi diplomada deputada federal, em 1998.

Neutra ou favorável

A sentença condenatória avaliou de forma negativa para o réu a circunstância judicial relativa ao comportamento da vítima, por entender que a pena deveria refletir o fato de que Ceci Cunha – "afora a inofensiva e lícita diplomação como deputada federal" – nada fez que pudesse instigar no mandante do crime um sentimento capaz de tornar sua conduta menos censurável ou, ao menos, compreensível.

No entanto, a ministra Laurita Vaz, relatora do habeas corpus impetrado pela defesa no STJ, afirmou que, segundo o entendimento predominante na jurisprudência, o comportamento da vítima é circunstância judicial que deve ser necessariamente neutra ou favorável ao réu, sendo descabida sua utilização para aumentar a pena-base.

Citando precedentes (HC 541.177, REsp 1.711.709), a magistrada esclareceu que tal circunstância judicial nunca poderá ser avaliada em desfavor do réu. Em vez disso, servirá para reduzir a pena (quando ficar demonstrado que a vítima contribuiu para a ocorrência do crime) ou terá avaliação neutra (se o comportamento da vítima não houver influenciado nos fatos).

Diante disso, a relatora entendeu que "deve ser afastada a negativação da circunstância judicial do comportamento da vítima".

Sem justificativa

Segundo Laurita Vaz, ao individualizar a pena, o julgador deve examinar os fatos para aplicar, de forma justa e fundamentada, a reprimenda proporcional e suficiente para a reprovação do crime (artigo 59 do Código Penal).

Ela explicou que o tempo de acréscimo na pena-base, em decorrência da avaliação negativa das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, fica restrito ao arbítrio do juiz, não se vinculando a critérios matemáticos.

No entanto, a ministra deu razão à defesa quanto a não haver motivo para que a pena-base relativa a cada um dos outros homicídios tivesse um aumento igual ao que foi fixado para o crime contra Ceci Cunha.

Isso porque, de acordo com a relatora, ao analisar o crime contra a deputada, o juízo de primeiro grau considerou desfavoráveis sete circunstâncias judiciais e fixou a pena-base em 20 anos de reclusão (oito anos acima da pena mínima para homicídio qualificado). Nos outros três crimes, a partir de fundamentos idênticos, foram avaliadas negativamente seis circunstâncias, ficando a pena-base para cada delito também em 20 anos.

"Nenhuma justificativa foi apresentada para a fixação da mesma pena-base para os quatro homicídios, a despeito da diferença no número de circunstâncias judiciais desfavoráveis (sete para o primeiro delito e seis para os outros três)", destacou a relatora.

Com esse entendimento, a magistrada aplicou aos outros três crimes o mesmo patamar adotado pelo juízo para o caso da deputada, que corresponde a um ano, um mês e 21 dias de aumento para cada circunstância negativa.

HABEAS CORPUS Nº 621.348 - AL (2020/0278209-4)
RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ
IMPETRANTE : JOAO MARCOS BRAGA DE MELO
ADVOGADO : JOÃO MARCOS BRAGA DE MELO - DF050360
IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5A REGIAO
PACIENTE : PEDRO TALVANE LUIS GAMA DE ALBUQUERQUE NETO
(PRESO)
EMENTA
HABEAS CORPUS. PENAL. CRIMES TIPIFICADOS NO ART. 121,
§ 2.º, INCISOS I E IV (UMA VEZ), E NO ART. 121, § 2.º, INCISOS I, IV E V
(TRÊS VEZES) DO CÓDIGO PENAL. DOSIMETRIA. PENA-BASE.
COMPORTAMENTO DA VÍTIMA. VALORAÇÃO EM DESFAVOR DO
CONDENADO. NÃO CABIMENTO. DEMAIS CIRCUNSTÂNCIAS
JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.
QUANTUM DE AUMENTO OPERADO NA PRIMEIRA FASE DA
DOSIMETRIA. DISCRICIONARIEDADE VINCULADA DO
MAGISTRADO. DIMINUIÇÃO APENAS EM RELAÇÃO A TRÊS DOS
HOMICÍDIOS PRATICADOS. PLEITO DE APLICAÇÃO DA
CONTINUIDADE DELITIVA AOS QUATRO HOMICÍDIOS OU APENAS
A TRÊS DELES. QUESTÃO ANTERIORMENTE SUBMETIDA A ESTA
CORTE SUPERIOR. MERA REITERAÇÃO. TEMA JÁ
EXAUSTIVAMENTE DISCUTIDO. WRIT NÃO CONHECIDO NO PONTO.
ORDEM CONHECIDA EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO,
PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. O julgador, quando considerar desfavoráveis as circunstâncias
judiciais, deve declinar, motivadamente, as suas razões, pois a inobservância dessa
regra ofende o preceito contido no art. 93, inciso IX, da Constituição da
República.
2. O valor negativo da personalidade do Paciente foi devidamente
constatado a partir de provas produzidas no curso da instrução criminal, as quais
demonstram extrema frieza e a menor sensibilidade ético-moral, haja vista a
notícia de que o Acusado sempre se referiu à prática de homicídios com
excepcional naturalidade, mostrando-se indiferente à morte de seus companheiros
de coligação partidária; além disso, o Magistrado singular também assinalou que o
Réu teria ameaçado matar qualquer de seus assessores cujo comportamento
fosse considerado inadequado aos seus interesses.
3. Consoante orientação desta Corte Superior, a valoração negativa da
personalidade não reclama a existência de laudo técnico especializado, podendo
ser aferida a partir de elementos probatórios dos autos, o que efetivamente
ocorreu na hipótese.
4. A conduta social compreende o comportamento do Agente no
convívio social, familiar e laboral, perante a coletividade em que está inserido.
Dessa forma, os relatos de que o Acusado teria tentado cooptar uma testemunha,
oferecendo o valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) para que alterasse suas
declarações, utilizando-se de seu advogado e presos como intermediários, bem
como teria custeado a fuga de outro réu, como forma de impedir a revelação dos
nomes dos compradores das armas utilizadas, denotam prática social inadequada
e amparam a avaliação desfavorável dessa vetorial
5. Ao negativar a circunstância judicial das consequências do crime, o
Juízo singular ressaltou a perda de vários integrantes de um mesmo grupo familiar,
que foram dizimados no mesmo instante, sendo uma das vítimas integrante do
Poder Legislativo Federal, ou seja, o crime bárbaro em questão a impediu de
exercer o cargo público para o qual foi eleita. Percebe-se que o mal causado
pelos crimes transcendeu o resultado típico do delito de homicídio, sendo, de
maneira adequada, valorada negativamente pelas instâncias ordinárias.
6. Inexiste, no caso, o bis in idem suscitado pela Defesa. A vetorial
atinente às circunstâncias do delito foi negativada em razão da brutalidade
empregada contra as Vítimas (invasão da residência onde estavam os Ofendidos
por vários homens armados) e da desproporção entre a violência empregada e a
agressão estritamente necessária à obtenção do resultado pretendido, o que
justificou a exasperação da pena-base. A qualificadora prevista no art. 121, § 2.º,
inciso IV, do Código Penal foi sopesada para qualificar os delitos. Foram
mencionadas, assim, circunstâncias diversas nas diferentes fases da dosimetria.
De outra parte, os motivos do crime só foram valorados na primeira fase da
dosimetria do homicídio praticado contra Ceci Cunha.
7. É assente o entendimento de que "o comportamento da vítima é
circunstância judicial ligada à vitimologia, que deve ser necessariamente
neutra ou favorável ao réu, sendo descabida sua utilização para
incrementar a pena-base. Com efeito, se não restar evidente a interferência
da vítima no desdobramento causal, como ocorreu na hipótese em análise,
essa circunstância deve ser considerada neutra" (HC 541.177/AC, Rel.
Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe
12/02/2020).
8. O quantum de aumento na pena-base, a ser implementado em
decorrência do reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis, fica
adstrito ao prudente arbítrio do Juiz, não vinculado ao objetivado critério
matemático. Contudo, nenhuma justificativa foi apresentada para a fixação da
mesma pena-base para os quatro homicídios, a despeito da diferença no número
de circunstâncias judiciais desfavoráveis (sete para o primeiro delito e seis para os
outros três). Desse modo, o patamar adotado pelo próprio Juízo singular no
primeiro delito deve ser aplicado nos outros três, ou seja, para cada circunstância
negativa, a pena deve ser majorada em 1 (um) ano, 1 (um) mês e 21 (vinte e um)
dias de reclusão.
9. A possibilidade de reconhecimento da continuidade delitiva em relação
aos quatro homicídios praticados contra Ceci Cunha, Juvenal, Iran e Ítala (ou
apenas quanto aos últimos três) já foi exaustivamente debatida pela Sexta Turma
desta Corte Superior no REsp n. 1.449.981/AL. Constata-se a evidente intenção
da Defesa de conferir outra solução à questão minuciosamente examinada nos
autos do apelo nobre, o que não tem espaço nesta via. Portanto, nesse ponto, o
writ não pode ser conhecido, pois se trata de mera reiteração de pedido já
formulado e devidamente refutado em acórdão desta Corte Superior.
10. Ordem de habeas corpus conhecida em parte e, nessa extensão,
parcialmente concedida para, reformando o acórdão impugnado, afastar a
negativação do comportamento da vítima (quanto aos quatro homicídios) e reduzir
o quantum de aumento de pena aplicado na primeira fase da dosimetria dos
homicídios praticados contra Juvenal, Iran e Ítala, ficando a pena total
quantificada em 92 (noventa e dois) anos, 9 (nove) meses e 27 (vinte e sete) dias
de reclusão.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma
do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por
unanimidade, conhecer parcialmente do pedido e, nessa extensão, conceder parcialmente a
ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior,
Rogerio Schietti Cruz, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e
Antonio Saldanha Palheiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Dr. JOÃO MARCOS BRAGA DE MELO, pela parte PACIENTE: PEDRO
TALVANE LUIS GAMA DE ALBUQUERQUE NETO
SUBPROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA MOACIR MENDES
SOUSA, pelo MPF
Brasília (DF), 13 de abril de 2021(Data do Julgamento)
MINISTRA LAURITA VAZ
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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