Omissão de socorro não gera presunção automática de danos morais

Omissão de socorro não gera presunção automática de danos morais

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a omissão de socorro, por si só, não configura dano moral in re ipsa (presumido).

A decisão teve origem em ação de indenização por danos morais e materiais em razão de acidente de trânsito. Na petição inicial, a autora relatou que estava pilotando sua motoneta, quando foi interceptada por um carro que não respeitou a sinalização e provocou o acidente. Segundo ela, o réu deixou o local sem prestar ajuda.

Em primeira instância, o juiz entendeu que o simples fato de o motorista ter deixado o local não gera o dever de indenizar, sobretudo porque a vítima foi socorrida por outras pessoas logo depois. O tribunal de segunda instância, porém, concluiu que o comportamento do motorista, ao fugir do local do acidente sem prestar assistência à vítima, é suficiente para justificar sua condenação ao pagamento de indenização por danos morais.

Conduta grave

Na Quarta Turma do STJ, o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, lembrou que a omissão de socorro é conduta de elevada gravidade social, reprimida tanto pelo Código Penal (CP) quanto pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB).

"Considerando a solidariedade um imperativo de ordem moral, de sua ausência pode decorrer um dever jurídico, como na omissão de socorro. Assim, todos são obrigados a agir para ajudar alguém que se encontre em estado de perigo, na medida de suas possibilidades, ou seja, sem risco pessoal", esclareceu o magistrado.

De acordo com o relator, o dano moral presumido realmente não exige demonstração de sua ocorrência, pois é uma consequência lógica da própria ilicitude do fato. Em tais casos, é desnecessária a comprovação do abalo psicológico suportado pela vítima. "Trata-se de uma presunção de natureza judicial", declarou.

"Determinados atos ilícitos sempre ocasionam dor e sofrimento, dispensando, por conseguinte, a produção de qualquer indício do dano – possibilidade prevista no artigo 375 do Código de Processo Civil de 2015", afirmou o ministro.

Dificuldade para a defesa

Entretanto, Antonio Carlos Ferreira alertou que a presunção judicial, ao afastar a necessidade de demonstração do dano moral, dificulta a defesa do réu; por isso, a dedução lógica da ocorrência do dano deve ficar restrita a casos muito específicos de ofensa a direitos da personalidade. "A regra é a demonstração do dano, até para que seja adequadamente mensurado o valor da condenação, que deve guardar estrita compatibilidade com as lesões efetivamente sofridas, e não com a gravidade da conduta do ofensor", declarou o ministro.

Ele destacou que, para a imputação do dano moral, é necessário traçar previamente o limite entre os meros incômodos da vida em sociedade e os fatos ensejadores da indenização.

Mesmo reconhecendo que a fuga do motorista do local do acidente possa, de fato, ter causado ofensa à integridade física e psicológica da vítima, o relator considerou que também seria possível, no contexto analisado, não haver violação a direito da personalidade, "razão pela qual há relevância em avaliar as particularidades envolvidas".

Para o ministro, o contexto do ato ilícito e suas consequências danosas, assim como o nexo causal, devem ser devidamente avaliados pelo juiz, tendo em consideração as alegações das partes e as provas produzidas, atendendo aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

"Ao examinar a causa de pedir do recurso da autora, é possível perceber que a compensação pelos danos sofridos está relacionada às consequências advindas do acidente de trânsito, não existindo indicação alguma de nexo causal entre o pedido indenizatório e a alegada fuga do réu sem a prévia assistência à vítima", concluiu.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.512.001 - SP (2012/0015869-2)
RELATOR : MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA
RECORRENTE : EDSON ROBERTO FERRUCCIO
ADVOGADO : ANTÔNIO ADALBERTO BEGA E OUTRO(S) - SP054667
RECORRIDO : KARINA CESTARI DE SOUZA
ADVOGADO : FABIO CHEBEL CHIADI - SP200084
EMENTA
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. ATO ILÍCITO. CARACTERIZAÇÃO. FALTA DE
PREQUESTIONAMENTO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. EVASÃO DO LOCAL.
DANO MORAL "IN RE IPSA". INEXISTÊNCIA. PRODUÇÃO PROBATÓRIA.
NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. A simples indicação do dispositivo legal tido por violado, sem que o tema
tenha sido enfrentado pelo acórdão recorrido, obsta o conhecimento do
recurso especial por falta de prequestionamento, a teor das Súmulas n. 282
e 356 do STF.
2. No caso dos autos, o Tribunal de origem condenou o recorrente ao
pagamento de indenização sob o entendimento de que sua evasão do local
do acidente de trânsito configura dano moral in re ipsa, embora tenha sido a
vítima prontamente socorrida por terceiros.
3. Em que pese a alta reprovabilidade da conduta do recorrente, em tese
podendo configurar o crime previsto nos arts. 135 do Código Penal, 304 e
305 do Código de Trânsito Brasileiro, a indenização por danos morais
somente é devida quando, em exame casuístico, o magistrado conclui haver
sido ultrapassado o mero aborrecimento e atingido substancialmente um
dos direitos da personalidade da vítima do evento. A omissão de socorro,
por si, não configura hipótese de dano moral in re ipsa. 4. Recurso especial
provido para julgar improcedente o pedido de
indenização por danos morais.
ACÓRDÃO
A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão (Presidente),
Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi.
Brasília-DF, 27 de abril de 2021 (Data do Julgamento)
Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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