Falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não veda reconhecimento da usucapião

Falta de registro do compromisso de compra e venda de imóvel não veda reconhecimento da usucapião

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que a falta de registro do compromisso de compra e venda não é suficiente para descaracterizar o justo título – requisito necessário ao reconhecimento da usucapião ordinária.

O colegiado deu provimento ao recurso dos herdeiros de um homem que, segundo alegam, ocupava a área em discussão desde 1988, quando teria celebrado escritura pública de cessão de posse com o antigo proprietário. De acordo com o tribunal de origem, em 1990, os dois pactuaram compromisso de compra e venda, que não foi registrado na matrícula do imóvel.

Em 2009, contudo, um casal ajuizou ação reivindicatória a fim de consolidar o suposto direito de propriedade advindo da arrematação do imóvel perante um banco. O juízo de primeiro grau deu provimento ao pedido e fixou indenização pelas benfeitorias realizadas.

Os herdeiros recorreram ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), o qual entendeu que, apesar do decurso do prazo legal, o compromisso de compra e venda do imóvel, por não ser registrado, não seria capaz de configurar a usucapião ordinária. Além disso, para o TJMS, houve a interrupção do prazo da usucapião em virtude da lavratura de boletim de ocorrência e do ajuizamento de uma ação de imissão na posse, em 2004, por um terceiro. A ação transcorreu sem a citação dos ocupantes do imóvel e foi extinta sem o julgamento do mérito.

Documento apto

O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, explicou que o justo título, na usucapião ordinária, pressupõe a existência de uma falha – no caso, a ausência de registro – que o decurso do tempo trata de sanar, se presentes os demais requisitos previstos pelo artigo 551 do Código Civil de 1916 ou 1.242 do Código Civil de 2002.

O ministro citou Pontes de Miranda para dizer que, na usucapião, seria absurdo exigir título justo transcrito e boa-fé, pois o título registrado já transfere a propriedade, sendo desnecessário falar em qualquer forma de usucapião.

A doutrina – acrescentou –, por meio do Enunciado 86 aprovado na I Jornada de Direito Civil, consolidou esse mesmo entendimento ao dispor que a expressão "justo título" do Código Civil "abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro".

Segundo o relator, a jurisprudência também pacificou que "o contrato de promessa de compra e venda constitui justo título apto a ensejar a aquisição da propriedade por usucapião". No tocante, especificamente, ao compromisso de compra e venda não registrado, Villas Bôas Cueva ressaltou que as turmas de direito privado do STJ já se posicionaram no sentido de que esse seria um documento apto a configurar o requisito do justo título para a usucapião ordinária.

Interrupção

Em relação à interrupção do prazo, o ministro ressaltou que o STJ já manifestou entendimento no sentido de que nem toda resistência do proprietário é válida para interromper a prescrição aquisitiva.

Para o relator, o julgamento de improcedência, ou extinção sem resolução de mérito, de ação possessória ou petitória – como ocorreu nos autos – é uma das situações em que não se interrompe o prazo para aquisição do imóvel pela usucapião.

Quanto à lavratura de boletim de ocorrência, o relator afirmou que tampouco é possível considerá-la fato interruptivo da prescrição aquisitiva, uma vez que apenas retrata relato unilateral do comunicante – o qual, embora prestado perante autoridade policial, não credita veracidade inconteste às informações.

"Além do mais, a interrupção somente poderia ocorrer na situação em que o proprietário do imóvel usucapiendo conseguisse reaver a posse para si, o que não se verificou no caso dos autos", disse o magistrado.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.584.447 - MS (2014/0279953-4)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : CLÁUDIA ASTRID GREGORY
RECORRENTE : DENISE GREGORY TRENTIN
RECORRENTE : EVELYN GREGORY MORAES
RECORRENTE : LILIAN GREGORY
RECORRENTE : MARCOS PENTEADO TRENTIN
RECORRENTE : MARCUS VINÍCIUS MORAES
RECORRENTE : REINALDO MELÉM GREGORY
RECORRENTE : SULAMITA GANDIA GREGORY
ADVOGADOS : MANSOUR ELIAS KARMOUCHE E OUTRO(S) - MS005720
MAX LÁZARO TRINDADE NANTES - MS006386
RICARDO ZAMARIOLA JUNIOR - SP224324
LUCIANO DE SOUZA GODOY E OUTRO(S) - DF038681
LEONARDO DIB FREIRE E OUTRO(S) - DF031196
RECORRIDO : ADEMAR CAPUCI
RECORRIDO : NILZA MARIA DA COSTA CAPUCI
ADVOGADOS : MARCO ANTÔNIO CANDIA E OUTRO(S) - MS007697
RICARDO GIRAO D´AVILA - MS008213
MARCO ANTONIO GIRÃO D'ÁVILA E OUTRO(S) - MS007456
INTERES. : BANCO BRADESCO S/A
INTERES. : MADEIREIRA TUPI LTDA
INTERES. : ARNALDO KARAM FARAH
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. IMÓVEL RURAL.
USUCAPIÃO ORDINÁRIA. JUSTO TÍTULO. COMPROMISSO DE COMPRA E
VENDA. REGISTRO. DESNECESSIDADE. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA.
INTERRUPÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. BOLETIM DE OCORRÊNCIA. AÇÃO DE
IMISSÃO NA POSSE. TERCEIRO. CITAÇÃO. FRUSTRADA. EXTINÇÃO SEM
RESOLUÇÃO DO MÉRITO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código
de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. A falta de registro de compromisso de compra e venda não é suficiente para
descaracterizar o justo título como requisito necessário ao reconhecimento da
usucapião ordinária.
3. A interrupção do prazo da prescrição aquisitiva somente é possível na hipótese
em que o proprietário do imóvel usucapiendo consegue reaver a posse para si.
Precedentes.
4. A mera lavratura de boletim de ocorrência, por iniciativa de quem se declara
proprietário de imóvel litigioso, não é capaz de, por si só, interromper a prescrição
aquisitiva.
5. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a
Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e
Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 09 de março de 2021(Data do Julgamento)

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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