Testemunha convocada por CPI não tem o direito de não comparecer
De acordo com precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), as pessoas convocadas como testemunhas por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) têm o dever de comparecer aos atos para os quais foram chamadas, para que prestem esclarecimentos e contribuam com as investigações. O direito ao não comparecimento está restrito aos investigados, não se estendendo às testemunhas.
Com esse entendimento, a Quinta Turma do STJ manteve, por unanimidade, acórdão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) que confirmou a obrigatoriedade de um homem depor como testemunha em CPI instalada pela Assembleia Legislativa.
Por meio de recurso em habeas corpus, a defesa alegou que a CPI tem o propósito de investigar fatos totalmente diferentes daqueles que motivaram a sua instalação, o que caracterizaria desvio de finalidade. Além disso, argumentou que a verdadeira intenção da CPI seria convocar o depoente como investigado, e não como testemunha – o que justificaria a invocação do seu direito de não comparecer para depor.
Múnus público
Segundo o ministro relator, Ribeiro Dantas, o TJES constatou não haver nos autos elementos que qualifiquem o indivíduo como investigado – condição que, se existisse, teria sido apontada pela própria defesa.
O relator lembrou que as CPIs possuem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, como previsto pelo artigo 58, parágrafo 3º, da Constituição Federal. Ademais, segundo o ministro, entre as provas que podem ser produzidas na instrução criminal, está a indagação de pessoas capazes de contribuir para o esclarecimento dos fatos.
"A essas pessoas dá-se o nome de testemunhas, as quais, nos termos do artigo 206 do Código de Processo Penal, não podem eximir-se da obrigação de depor, ou seja, trata-se de um múnus público", explicou o ministro.
Direito ao silêncio
Em seu voto, o relator observou que o TJES deu à testemunha, mesmo não sendo acusada formalmente, o direito de ficar em silêncio, como também a possibilidade de ser acompanhada por advogado na CPI. Assim, o ministro entendeu não haver ameaça ao princípio constitucional do nemo tenetur se detegere (o direito de não produzir prova contra si mesmo).
Caso, eventualmente, o depoente identifique alguma pergunta que possa comprometê-lo, terá o direito de se abster de responder – concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso em habeas corpus.
AgRg no RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 133.829 - ES (2020/0226567-4)
RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS
AGRAVANTE : ALEXANDRE DE ARAUJO PINHO
ADVOGADOS : GUILHERME ALFREDO DE MORAES NOSTRE - SP130665
MATHEUS GUIMARÃES CURY - SP139614
EDISON VIANA DOS SANTOS - ES007547
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. DEPOIMENTO EM
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO.
DISPENSA DE COMPARECIMENTO. QUALIDADE DE TESTEMUNHA.
DIREITO AO SILÊNCIO. DEVER DE DEPOR. AGRAVO DESPROVIDO.
1. As Comissões Parlamentares de Inquérito possuem poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais, conforme previsão constitucional (art. 58, §3º,
da CF).
2. Na instrução criminal, dentre as provas passíveis de produção está a inquirição
de pessoas que, de algum modo, possam contribuir para a elucidação dos fatos. A
essas pessoas dá-se o nome de testemunhas, as quais, nos termos do art. 206 do
CPP, não podem eximir-se da obrigação de depor. Ou seja, trata-se de um múnus
público.
3. No caso concreto, mesmo sem ostentar a qualidade de acusado, o Tribunal de
Justiça estadual reconheceu ao ora agravante expressamente o direito ao silêncio,
desdobramento do princípio nemo tenetur se detegere. 4. Conforme precedentes
deste Superior Tribunal de Justiça, bem como da
Suprema Corte, o direito de não comparecer para prestar esclarecimentos
relacionados a ilícitos restringe-se aos acusados, não podendo ser estendido às
testemunhas.
5. Agravo desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar
provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Felix Fischer, João
Otávio de Noronha e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 09 de março de 2021 (data do julgamento)
MINISTRO RIBEIRO DANTAS
Relator