Grupo Globo não pagará indenização por vinheta que passou a identificar emissora

Grupo Globo não pagará indenização por vinheta que passou a identificar emissora

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial interposto por um compositor que buscava a condenação da Rádio Globo e da Globo Comunicação e Participações ao pagamento de indenização pelo uso de vinhetas como "Rádio Globooo" e "Fluminenseee", criadas por ele em 1969 e veiculadas permanentemente na programação da emissora.

Ao manter acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o colegiado entendeu que foi reconhecida no processo a existência de contrato entre as partes para a utilização gratuita das vinhetas – o qual foi observado de modo pacífico durante quatro décadas. Assim, para a turma, incide no caso a supressio – instituto que prevê a perda da eficácia de um direito quando ele não é exercido durante longo período, levando a outra parte a alimentar a legítima expectativa de que não será mais exigido.

Segundo o compositor, as vinhetas se tornaram uma espécie de marca sonora corporativa da emissora. Mesmo assim, ele nunca teria recebido remuneração pelo uso de suas criações.

Em primeira instância, o grupo Globo foi condenado a pagar ao compositor valores referentes à utilização dos jingles nos três anos anteriores ao ajuizamento da ação. A sentença foi reformada pelo TJRJ, que aplicou a supressio por concluir que a emissora utilizou as criações durante décadas, sem oposição do autor.

Legítima expectativa

No recurso especial, o compositor alegou que não houve prova da celebração de contrato com a emissora, e que ele preservaria os direitos em relação à sua obra por toda a vida, e ainda os transmitiria pelo prazo de 70 anos após a morte. Para ele, o direito de criação é personalíssimo, indisponível e irrenunciável – o que afastaria a incidência do instituto da supressio.

O ministro Marco Aurélio Bellizze explicou que a boa-fé objetiva exige comportamento condizente com um padrão ético de confiança e lealdade, no qual também se insere o dever de respeitar a legítima expectativa das partes de um contrato ou obrigação. "Essa legítima expectativa é precisamente o objeto de tutela do instituto da suppressio, distinguindo-o dos institutos legais da prescrição e decadência", disse o relator.

De acordo com o ministro, na época da criação das vinhetas, os direitos do autor eram regidos pelo Código Civil de 1916, que já assegurava ao criador a exclusividade sobre sua obra, mas admitia a ampla cessão desses direitos por convenção entre as partes, ainda que não exigisse a formalização de vínculo por escrito.

Conhecimento e consentimento

Em seu voto, Bellizze ressaltou que as vinhetas foram usadas como marca sonora da Rádio Globo desde a sua criação, com conhecimento e consentimento do autor. Essa relação amistosa de utilização da obra protegida é que, segundo o ministro, gerou a expectativa legítima da emissora em aproveitar os jingles na programação – até que, décadas depois, o compositor modificasse sua postura de forma abrupta.

"Com efeito, o que se verifica é que a parte utente agiu sempre de forma condizente com a boa-fé objetiva; seus atos externados e indicados pelo próprio recorrente evidenciam que ela acreditava utilizar a obra de forma gratuita, lícita e contratualmente consentida, tanto que reiteradamente reconhecia a autoria das vinhetas publicamente", concluiu o ministro.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.643.203 - RJ (2016/0326546-5)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : JOAO SENAO ROLON
OUTRO NOME : JOÃO ZENON ROLON
ADVOGADO : LÍGIA VALÉRIA BOMFIM SARAIVA - RJ106045
RECORRIDO : RADIO GLOBO SOCIEDADE ANONIMA
AGRAVANTE : RADIO GLOBO SOCIEDADE ANONIMA
ADVOGADOS : JOSÉ PERDIZ DE JESUS - DF010011
JOÃO CARLOS MIRANDA GARCIA DE SOUSA E OUTRO(S) - RJ075342
AGRAVADO : JOAO SENAO ROLON
ADVOGADO : LÍGIA VALÉRIA BOMFIM SARAIVA E OUTRO(S) - RJ106045
INTERES. : GLOBO COMUNICAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/A
ADVOGADO : SERGIO BERMUDES - RJ017587
EMENTA
DIREITOS AUTORAIS. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. 1. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO REJEITADOS. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 E 535 DO
CPC/1973. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. SUFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. 2. TUTELA DA
BOA-FÉ OBJETIVA. SUPRESSIO. APLICABILIDADE NO ÂMBITO DOS DIREITOS AUTORAIS.
POSSIBILIDADE. COMPATIBILIZAÇÃO COM PRINCÍPIOS E DIREITOS ESPECIAIS. 3.
FORMAÇÃO DE LEGÍTIMA EXPECTATIVA EM RAZÃO DA CONDUTA RECÍPROCA E
REITERADA. 4. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. Não viola os arts. 458 e 535 do CPC/1973 o acórdão que declina, de forma expressa e
coerente, os fundamentos suficientes adotados como razão de decidir, ainda que não se
manifeste sobre cada uma das teses suscitadas pelas partes.
2. O mero inconformismo da parte com o julgamento contrário à sua pretensão não
caracteriza falta de prestação jurisdicional.
3. A suppressio, regra que se desdobra do princípio da boa-fé objetiva, reconhece a perda
da eficácia de um direito, longamente não é exercido ou observado, do qual se extrai uma
legítima expectativa para a contraparte.
4. O caráter subsidiário e complementar da suppressio viabiliza sua aplicação sempre que o
prazo legal de prescrição e decadência for inexistente ou insuficiente para assegurar a
proteção ao princípio da boa-fé objetiva.
5. O exercício de posições jurídicas, mesmo no âmbito dos direitos autorais, encontra-se
limitado pela boa-fé objetiva, impondo-se a todas as partes o dever de conduta ética, leal e
conformada às normas jurídicas impositivas.
6. No caso concreto, foi reconhecida a existência de contrato válido entre as partes acerca
da utilização gratuita de vinhetas protegidas pelos direitos de autor, uma vez que, á época
dos fatos, não havia exigência legal quanto à forma escrita. O acordo foi observado pelas
partes, de modo pacífico e tranquilo, ao longo de mais de 4 (quatro) décadas, com
convivência amistosa entre elas. A modificação de comportamento abrupta por uma das
partes não condiz com a boa-fé objetiva, fazendo incidir a suppressio, a despeito da
vitaliciedade dos direitos autorais.
7. Recurso especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino
(Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 17 de novembro de 2020 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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