Fraude em portabilidade de empréstimo impõe responsabilização solidária das instituições envolvidas

Fraude em portabilidade de empréstimo impõe responsabilização solidária das instituições envolvidas

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu parcial provimento ao recurso de um consumidor para reconhecer que, por integrarem a mesma cadeia de fornecimento, todas as instituições financeiras envolvidas são solidariamente responsáveis por reparar o prejuízo decorrente de fraude na portabilidade de empréstimo consignado.

O consumidor era cliente de um banco, com o qual mantinha contrato de empréstimo consignado. Sem a sua anuência, a operação foi transferida a uma empresa prestadora de serviços financeiros, por intermédio de outro banco. Ele ajuizou ação em que pediu a declaração de inexistência do negócio jurídico, além de indenização por danos morais e materiais.

O juízo de primeiro grau reconheceu a fraude na assinatura do contrato e condenou os bancos e a prestadora, solidariamente, ao pagamento de R$ 15 mil por danos morais e à devolução em dobro dos valores debitados indevidamente na conta do consumidor.

No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro afastou os danos morais e decidiu que a devolução dos valores cabia apenas à prestadora de serviços financeiros e, ainda assim, deveria ser feita de forma simples (não dobrada), por ausência de má-fé.

Cadeia de fornecimento

O relator do recurso do consumidor, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que, atualmente, a portabilidade de operações de crédito é regulamentada pela Resolução 4.292/2013 do Conselho Monetário Nacional (CMN), que introduziu novos conceitos para esses contratos bancários.

Segundo o ministro, na época dos fatos, no entanto, essa espécie de transação se sujeitava à regulamentação mais simples da Resolução CMN 3.401/2006, a qual exigia da instituição credora original apenas a garantia da possibilidade de quitação antecipada com recursos financeiros advindos de outras instituições financeiras, além de obrigá-la a compartilhar os dados bancários mediante requerimento e autorização do cliente.

O ministro ressaltou que a nova regulamentação do CMN evidenciou o dever de apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação – que deve ser observada por todas as instituições financeiras envolvidas no compartilhamento de dados bancários.

"Tanto o banco de origem quanto a instituição de destino, ao integrarem uma operação de portabilidade, passam a integrar uma mesma cadeia de fornecimento de produtos/serviços, responsabilizando-se até que a operação se aperfeiçoe com a extinção do contrato original e a formação definitiva do novo contrato", afirmou.

Solidariedade

Para o relator, é desse entendimento que se extrai a solidariedade das instituições financeiras envolvidas num contrato de portabilidade pelos danos decorrentes da falha desse serviço, em conformidade com o artigo 7°, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.

Bellizze ressaltou que constitui dever de toda e qualquer instituição financeira a manutenção de quadro específico para detectar fraudes, em razão da natureza da atividade desenvolvida em mercado, a qual induz a responsabilidade pelo risco do empreendimento – como já foi afirmado reiteradamente pelo STJ, nos termos da Súmula 479.

No caso em análise, o ministro declarou que houve uma grave falha do banco e da prestadora de serviços, caracterizando, a partir dos fatos reconhecidos pelas instâncias ordinárias, hipótese de responsabilidade objetiva decorrente do risco do negócio.

O ministro determinou a recomposição de todos os danos sofridos pelo consumidor, devendo ser restituídos os valores pagos além dos originalmente contratados, uma vez que as prestações foram mantidas ao longo do processo.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.771.984 - RJ (2018/0198451-4)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : PAULO FERNANDO PEREIRA
ADVOGADO : MARCELO MACIEL MARTINS - RJ135560
RECORRIDO : BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.
ADVOGADO : EDMUNDO NOGUEIRA COELHO E OUTRO(S) - RJ021504
RECORRIDO : SABEMI SEGURADORA S/A
ADVOGADOS : JULIANO MARTINS MANSUR - RJ113786
VITOR MOURA VILARINHO E OUTRO(S) - RJ177597
MARIA ELIZABETHY VAZ DO COUTO - RJ199918
RECORRIDO : BANCO CETELEM S.A
ADVOGADOS : LUIZ FLÁVIO VALLE BASTOS - RJ158426
FELIPE GAZOLA VIEIRA MARQUES E OUTRO(S) - RJ183218
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL.
PORTABILIDADE DE OPERAÇÕES DE CRÉDITO. 1. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO
CPC.2015. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA N. 284/STF. 2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
RECURSAIS APLICADOS PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU EM JULGAMENTO DE
ACLARATÓRIOS. AFASTAMENTO PELO ACÓRDÃO DE ORIGEM. PRETENSÃO DE
RESTABELECIMENTO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO.
FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA N. 284/STF. 3. ACÓRDÃO RECORRIDO
FUNDAMENTADO EXCLUSIVAMENTE EM CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICO-PROBATÓRIAS.
REEXAME INVIÁVEL EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA N. 7/STJ. 4. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA DO FORNECEDOR. SOLIDARIEDADE ENTRE OS INTEGRANTES DA CADEIA DE
CONSUMO. FRAUDE RECONHECIDA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. DEFEITO NO
SERVIÇO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS
ENVOLVIDAS NA TRANSFERÊNCIA DA OPERAÇÃO E COMPARTILHAMENTO DE DADOS
DO CONSUMIDOR. 5. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA
EXTENSÃO, PROVIDO.
1. Discute-se a responsabilidade civil das instituições financeiras envolvidas em operação de
portabilidade de empréstimo consignado realizada mediante fraude.
2. É deficiente a fundamentação do recurso especial em que a alegação de violação do art.
1.022 do CPC/2015 se faz de forma genérica, sem a demonstração exata dos pontos pelos
quais o acórdão tornou-se omisso, contraditório ou obscuro; bem como o recurso especial
interposto sem a indicação precisa do dispositivo legal violado. Aplica-se, na hipótese, o
óbice da Súmula n. 284/STF.
3. As questões relativas à responsabilização civil do Banco Cetelem S.A. ao dano moral e ao
caráter protelatório de recurso foram apreciadas pelo Tribunal de origem por meio da
exclusiva análise do contexto fático-probatório dos autos, de modo que a alteração das suas
conclusões não prescinde do vedado reexame de fatos e provas (Súmula n. 7/STJ).
4. O instituto da portabilidade, regulamentado à época dos fatos pela Resolução CMN n.
3.401/2006, estabelecia o dever do credor original de assegurar a possibilidade de quitação
da operação de crédito por outra instituição financeira, bem como com ela compartilhar os
dados bancários necessários à transferência do crédito, mediante requerimento e
autorização do cliente titular.
5. As instituições financeiras envolvidas na operação de portabilidade, ainda que
concorrentes, passam a integrar uma mesma cadeia de fornecimento, impondo-se a ambas o
dever de apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, recaindo
sobre elas a responsabilidade solidária em relação aos danos decorrentes de falha na
prestação do serviço.
6. "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito
interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações
bancárias" (Súmula n. 479/STJ).
7. Reconhecida a fraude na assinatura do contrato que deu ensejo à operação de
portabilidade, impõe-se a restituição do consumidor ao status quo ante, sem, contudo, se
olvidar dos fatos ocorridos ao longo da tramitação processual.
8. No caso concreto, o consumidor manteve o pagamento das prestações mensais no
decorrer do processo, de modo que a dívida originária estaria extinta pelo pagamento. Nessa
hipótese, o restabelecimento do contrato original resulta na transferência para o consumidor
de responsabilidade e encargo, que não lhe pertence, de regularizar a situação financeira
decorrente da própria falha do serviço, o que nem mesmo é objeto da presente demanda.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer
em parte do recurso especial e, nesta parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e
Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Impedida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Brasília, 20 de outubro de 2020 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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