Shopping de Porto Alegre (RS) deve fornecer creche para empregadas das lojas
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão que determinou ao Shopping Center Praia de Belas, em Porto Alegre (RS), o fornecimento de creche destinada aos filhos das empregadas que trabalham no estabelecimento, sob pena de multa diária. Contudo, entendeu que a obrigação pode ser suprida por meio de creches mantidas, diretamente ou mediante convênios, com outras entidades públicas ou privadas, pelas próprias empresas.
Local apropriado
Em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) concluiu que, mesmo não sendo o empregador das comerciárias, contratadas pelas lojas, o shopping deve criar e manter local apropriado para que elas deixem seus filhos no período de amamentação. Segundo o TRT, o estabelecimento é, basicamente, um aglomerado de lojas e se beneficia do trabalho das empregadas de seus inquilinos. Como os lojistas não têm ingerência sobre a destinação das áreas do centro comercial, cabe a este instituir local apropriado para que as trabalhadoras possam deixar seus filhos, sob vigilância e assistência, e, se for o caso, repassar o custo aos lojistas.
O TRT também condenou o shopping ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 500 mil, e de indenização às trabalhadoras lactantes, em valor equivalente ao custo médio dos serviços de uma creche, no período de dois anos de vida dos filhos.
Direito fundamental
O relator do recurso de revista do shopping, ministro Agra Belmonte, assinalou que, de acordo com o artigo 389 da CLT, os estabelecimentos em que trabalhem pelo menos 30 mulheres devem ter local apropriado para seus filhos. A discussão sobre a matéria se dá em torno do conceito de “estabelecimento”, que, para ele, não é apenas o espaço físico em que se desenvolvem as atividades do empregador.
Segundo o ministro, no caso dos shoppings, não se deve considerar a topografia de cada loja, mas a totalidade do empreendimento. “Na prática, é como se os empregados dos lojistas ficassem, de certa forma, segregados: a vida fica ali dentro do shopping”. Para o relator, não há outra solução a não ser reconhecer que o shopping deve promover a criação e a manutenção das creches e, nesse caso, repassar o custo aos lojistas. “É um problema social que precisa ser enfrentado”, afirmou. “As mercadorias vão ficar mais caras por causa disso, é lógico. Mas a proteção à maternidade e à infância é um direito fundamental, a que precisamos dar preponderância, prevalência, preferência”.
Alternativas
A Turma acolheu, porém, o pedido alternativo do Praia de Belas, que fora rejeitado pelo TRT, de cumprir a obrigação por meio de convênios ou da concessão de auxílio-creche negociado pelo sindicato dos empregados em convenção coletiva. Segundo o relator, o parágrafo 2º do artigo 389 da CLT é expresso ao autorizar o cumprimento do comando por meio de creches distritais mantidas, diretamente ou mediante convênios, com outras entidades públicas ou privadas, pelas próprias empresas, em regime comunitário, ou a cargo do Sesi, do Sesc, da LBA ou de entidades sindicais.
Indenizações
A indenização por dano moral coletivo foi mantida pela Turma. Em relação ao dano individual, o relator entendeu que se tratava de duas condenações pela prática do mesmo ato ilícito. Observou, ainda, que a ação civil pública não tinha por objeto o interesse individual de cada empregada, mas o da coletividade de empregadas que, em razão de uma situação comum, com repercussão social, tiveram seus direitos afrontados.
A decisão foi unânime.
Processo: RRAg-21078-62.2015.5.04.0010
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO (PARTE NÃO
ADMITIDA DO RECURSO DE REVISTA). LEI
13.015/2014. PRELIMINARES DE NULIDADE
(PRELIMINARES DE INCOMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA DO TRABALHO, DE ILEGITIMIDADE
ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO
TRABALHO E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD
CAUSAM; NECESSIDADE DE EXPLICITAÇÃO DO
FUNDAMENTO JURÍDICO DA REJEIÇÃO DA
APLICAÇÃO DO § 2° DO ARTIGO 389 DA CLT
E DA PORTARIA Nº 3.296/86 FACE À SÚMULA
VINCULANTE Nº 10 DO EXCELSO STF;
NECESSIDADE DE EXPLICITAÇÃO, À LUZ DOS
ARTIGOS 7º, INCISO XXVI, 8º, INCISO III,
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DA RAZÃO DA
PROIBIÇÃO DA PRÁTICA DO REEMBOLSO
CRECHE E NECESSIDADE DE EXPLICITAÇÃO DA
RAZÃO PELA QUAL A TURMA REGIONAL AFASTOU
APENAS NO PRESENTE CASO TAL
ALTERNATIVA). EFEITO DEVOLUTIVO EM
PROFUNDIDADE EM RELAÇÃO ÀS PRELIMINARES
DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO, DE ILEGITIMIDADE ATIVA AD
CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO
TRABALHO E DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD
CAUSAM. CUMPRIMENTO ALTERNATIVO DA
REGRA DO ARTIGO 389 DA CLT (CONVÊNIOS OU
REEMBOLSO CRECHE). INDENIZAÇÃO POR DANO
MORAL COLETIVO E QUANTUM INDENIZATÓRIO.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL INDIVIDUAL.
Merece reparo o despacho agravado
apenas em relação aos temas
“cumprimento alternativo da regra do
artigo 389 da CLT (convênios ou
reembolso creche)” e “indenização por
danos morais individuais”. Isso porque
a Corte Regional, no tocante ao
CUMPRIMENTO ALTERNATIVO DA REGRA DO
ARTIGO 389 DA CLT, ao encerrar a tese de
que “a situação particular dos autos não
é compatível com a solução pretendida
pelos réus, ora embargantes, mormente
por se tratar de empreendimento com
horário de funcionamento que se estende
muito além dos horários de
funcionamento de creches públicas ou
privadas” (Ac. EDs., pág. 789),
aparenta afrontar o § 2º do artigo 389
da CLT, que é expresso ao autorizar o
cumprimento do comando do § 1º desse
dispositivo consolidado (providenciar
estabelecimento apropriado que
viabilize às mães lactantes a guarda –
sob vigilância e assistência – de seus
filhos) por meio de creches distritais
mantidas, diretamente ou mediante
convênios, com outras entidades
públicas ou privadas, pelas próprias
empresas, em regime comunitário, ou a
cargo do SESI, do SESC, da LBA ou de
entidades sindicais. Da mesma forma,
quanto à condenação do Condomínio ao
pagamento de INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS INDIVIDUAIS, cumulativamente
com a condenação à indenização por danos
morais coletivos, no valor de R$
500.000,00 (quinhentos mil reais), pela
prática do mesmo ato ilícito,
vislumbra-se possível violação do
artigo 5º, II, da CF, notadamente diante
da possibilidade de os danos morais
individuais, na presente situação,
poderem ultrapassar os coletivos e se
tratar de dupla indenização, diferente
dos casos em que cuidam de uma
condenação cominatória (astreintes) e
outra indenizatória. Agravo de
instrumento conhecido e parcialmente
provido.
II - RECURSO DE REVISTA (PARTE
ADMITIDA). RECURSO SOB A ÉGIDE DA LEI
13.015/2014. AÇÃO CIVIL PÚBLICA
(DISPONIBILIZAÇÃO DE LOCAL APROPRIADO
PARA EMPREGADAS DEIXAREM SEUS FILHOS,
SOB VIGILÂNCIA E ASSISTÊNCIA, DURANTE O
PERÍODO DE AMAMENTAÇÃO). TRABALHO DA
MULHER. PROTEÇÃO ESPECIAL. SHOPPING
CENTER E CUMPRIMENTO ALTERNATIVO DA
REGRA DO ARTIGO 389 DA CLT (CONVÊNIOS OU
REEMBOLSO CRECHE). Frise-se,
inicialmente, que os temas em epígrafe
serão analisados concomitantemente por
estarem interligados. Cinge-se a
controvérsia quanto à aplicação do
artigo 389, § 1º, da CLT aos shoppings
centers, em relação à previsão da
destinação de local reservado para
guarda de filhos de todos os
funcionários, sejam seus próprios e os
dos lojistas, em período de
amamentação, sob guarda e vigilância.
Pois bem, o art. 389, § 1º, da CLT
estabelece que toda empresa, nos
estabelecimentos em que trabalharem
pelo menos 30 empregadas mulheres com
mais de 16 anos, deve ter local
apropriado para que seus filhos possam
ficar no período da amamentação. Tal
artigo não pode ser interpretado de
forma literal, levando-se em conta o
termo "estabelecimento" apenas como
sendo o espaço físico em que se
desenvolvem as atividades do
empregador, até porque, quando da
redação do artigo em comento, pelo
Decreto-Lei de 1967, a realidade do
shopping center não correspondia à
noção atual. Devemos ter, sim, uma
interpretação histórica e sistemática,
conjuntamente com os princípios da
proteção à maternidade e à infância.
Portanto, ao meu ver, devemos entender
a realidade do shopping center, como tem
sido dito em decisões desta Corte, como
um "sobre estabelecimento", ou seja,
devemos considerar não a topografia de
cada loja, mas sim a sua totalidade, uma
vez que, ainda que o shopping não seja
o responsável pelas vendas de produtos
ou serviços, ele é o responsável pela
administração, dimensionamento e
disponibilização dos espaços comuns,
daí advindo o seu dever de providenciar
espaços para a guarda e aleitamento de
crianças das empregadas, tanto as suas
quanto as dos seus lojistas. Com efeito,
os empregados que atuam em shopping,
ainda que sejam trabalhadores dos
lojistas, se valem da infraestrutura do
centro comercial, uma vez que a função
principal do shopping é a organização do
espaço de forma coesa, a fim de
potencializar a atividade econômica das
empresas ali instaladas. Diante disso,
as normas que tutelam o meio ambiente do
trabalho devem levar em consideração
tal perspectiva. Assim, como dito
anteriormente, devemos interpretar de
forma consentânea com a atual realidade
o termo estabelecimento, do artigo 389,
§ 1º, da CLT, de modo que se conclua que
a obrigação relativa ao meio ambiente do
trabalho das empregadas que atuam em
lojas instaladas em shopping centers
seja responsabilidade, no que couber,
do próprio shopping, o que afasta, no
caso em concreto, qualquer pretensão de
se aplicar responsabilidade
subsidiária do cumprimento da obrigação
de fazer objeto do citado artigo 389, §
1º, consolidado. A obrigação de fazer
consistente na criação e manutenção de
creches destinadas à amamentação em
espaços de shoppings centers é uma
questão realmente importante, porque o
shopping center não é o empregador, mas
a ele se determina a obrigação de criar
e manter creches destinadas à
amamentação, ou seja, estamos criando
uma obrigação, por meios da Justiça do
Trabalho, que não está relacionada ao
empregador. No entanto, o shopping
center, como é de costume no País, é um
empreendimento pelo qual se aluga os
espaços destinados a dar lucro, que
podem ser de um único empreendedor ou de
um grupo; normalmente é de um grupo.
Constrói-se, então, e os espaços são os
mais variados, não apenas para lojas,
mas também há aquelas ilhas que ficam
ali dentro destinadas ao arrendamento.
Dentro de cada shopping existe uma
associação de lojista que se aliam como
se sindicato fosse, para conseguir com
o empreendedor determinados benefícios
e as reivindicações que entendem
apropriadas. Os shoppings centers
acabam, muitas vezes, ficando fora da
cidade. Ou seja, na prática, é como se
os empregados dos lojistas ficassem, de
certa forma, segregados: a vida fica ali
dentro do shopping. Não há outra solução
a não ser reconhecer que, realmente, o
shopping deve promover essa criação e
manutenção das creches e, nesse caso,
repassar o custo aos lojistas; seria o
mesmo que determinar que os lojistas em
conjunto o fizessem. O resultado é o
mesmo e não há maiores problemas para
que isso seja feito. A partir do
momento da manutenção dessas creches,
que são necessárias, é preciso que se dê
uma solução para esse tipo de problema,
o shopping pode repassar o custo para os
lojistas, por rateio, da mesma forma que
cobra dos lojistas o décimo terceiro
salário de aluguel, que cobra aluguel
por faturamento. Isso vai se refletir no
preço dos produtos? Sim, vai. Mas o que
se pode fazer? É um problema social que
precisa ser enfrentado. As mercadorias
vão ficar mais caras por causa disso, é
lógico. Mas o que se torna mais
importante? É estabelecer creche ou
majorar o preço das mercadorias? São
dois direitos fundamentais, ou pelo
menos um deles é direito fundamental, a
que precisamos dar preponderância,
prevalência, preferência. Por outro
lado, tal medida importa na proteção à
maternidade e aos filhos das
trabalhadoras. Busca-se preservar o
cuidado à criança e ao adolescente, bem
maior de natureza constitucional,
eleito pelo Estado como prioritário.
Precedentes. Ressalte-se que não é um
conflito entre empregado e empregador,
mas é derivado das relações de trabalho
e são várias as questões que decorrem
daí. Os primados da Revolução Francesa:
liberdade, igualdade, solidariedade;
estamos falando do terceiro, exatamente
da solidariedade. As creches visam
atender todas as mulheres que trabalham
em shopping. Então, há, no caso, por
solidariedade, o interesse coletivo. A
matéria é constitucional. Trata-se de
proteção à maternidade, prevista no
art. 6.º da Constituição Federal. É de
conteúdo prestacional. Faz parte até da
Convenção Americana de Direitos
Humanos, ratificada pelo Brasil em
1992, faz parte de todos os protocolos,
inclusive o de San Salvador. Envolve
ainda outra questão, como a aqui
salientada, que é a questão do fomento
ao pleno emprego, que também é matéria
constitucional, a fim de se permitir a
absorção da mão de obra da mulher. Não
há outra forma de concretizar a sua
inclusão no mercado de trabalho em uma
situação como essa, a não ser por meio
do estabelecimento de creches. Nenhum
ônus isso representa para os shoppings
centers, que podem perfeitamente
repassar o custo. É preciso, por outro
lado, quando se constrói um shopping
center, que ele seja dotado de uma
infraestrutura adequada às
necessidades daquele mundo que ali
ocorre. O empreendimento precisa
observar essa necessidade, porque é uma
primeira necessidade. Deveria até ser
exigido da municipalidade a expedição
de alvará já com a previsão de creche
para efeito de funcionamento ou que ela
mantivesse convênios distritais ou com
determinadas entidades próximas, onde
fosse possível que isso ocorresse.
Assim, considerando os precedentes
mencionados, a pretensão do
Condomínio-recorrente EM RELAÇÃO AO
PEDIDO PRINCIPAL, com base em arestos
ditos divergentes, encontra óbice na
Súmula 333/TST e no artigo 896, § 7º, da
CLT, e, considerando, ainda, que a Corte
Regional nada mais fez que dar
efetividade ao comando do artigo 389, §
1º, da CLT, decerto que não se vislumbra
violação de lei ou da Constituição
Federal. NO ENTANTO, QUANTO AO PEDIDO
ALTERNATIVO, referente à efetividade do
§ 2º do artigo 389 da CLT, merece reparo
a decisão regional. Com efeito, a Corte
Regional ao encerrar o entendimento de
que “a situação particular dos autos não
é compatível com a solução pretendida
pelos réus, ora embargantes, mormente
por se tratar de empreendimento com
horário de funcionamento que se estende
muito além dos horários de
funcionamento de creches públicas ou
privadas” (Ac. EDs., pág. 789), afronta
o § 2º do artigo 389 da CLT, que é
expresso ao autorizar o cumprimento do
comando do § 1º desse dispositivo
consolidado (providenciar
estabelecimento apropriado que
viabilize às mães lactantes a guarda –
sob vigilância e assistência – de seus
filhos) por meio de creches distritais
mantidas, diretamente ou mediante
convênios, com outras entidades
públicas ou privadas, pelas próprias
empresas, em regime comunitário, ou a
cargo do SESI, do SESC, da LBA ou de
entidades sindicais. Recurso de revista
conhecido apenas quanto ao pedido
subsidiário, referente ao tema
“cumprimento alternativo da regra do
artigo 389 da CLT (convênios ou
reembolso creche)”, por violação do
artigo 389, § 2º, da CLT e provido para,
mantendo a decisão regional que
determinou ao “Condomínio Civil do
Shopping Center Praia de Belas e Outro”
o cumprimento integral do § 1º do artigo
389 da CLT, poder suprir essa obrigação
de fazer por meio de creches distritais
mantidas, diretamente ou mediante
convênios, com outras entidades
públicas ou privadas, pelas próprias
empresas, em regime comunitário, ou a
cargo do SESI, do SESC, da LBA ou de
entidades sindicais, conforme autoriza
o § 2º do artigo 389 desse dispositivo
consolidado.