Multinacional deve indenização por consultar informações creditícias em processo seletivo

Multinacional deve indenização por consultar informações creditícias em processo seletivo

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho restabeleceu a condenação da Nestlé Brasil Ltda. por dano moral coletivo por realizar consultas prévias a serviços de proteção ao crédito (SPC e Serasa) sobre candidatos a vagas de emprego. Para a Turma,  trata-se de conduta discriminatória, pois a situação creditícia do candidato não tem nenhuma relação com suas qualidades ou habilidades profissionais.

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O processo teve origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), com base em inquérito aberto a partir de denúncia sigilosa. Após comprovada a legitimidade das denúncias, uma representante da empresa alegou, em audiência, que as pesquisas não tinham natureza eliminatória, pois eram feitas apenas em relação aos aos candidatos pré-selecionados, aprovados em entrevista, ao apresentarem os documentos admissionais. 

Para o juízo de primeiro grau, a conduta representou abuso de direito, invasão de privacidade e violação de intimidade dos candidatos, “impondo-se como nítido ato discriminatório”. Reconhecido o dano moral coletivo, a empresa foi condenada ao pagamento de R$ 100 mil, a ser revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). 

Finalidade dos cadastros

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), no entanto, concluiu que, apesar de ser considerado para a contratação, o fato não se colocava como fator de eliminação sumária, tanto que uma testemunha confirmou a contratação de três trabalhadores com restrições financeiras. Para o TRT, não haveria justificativa razoável para condenar a Nestlé pela consulta aos cadastros de órgãos oficiais “criados justamente para este fim”, e a empresa “não se obriga a ser surpreendida por eventuais ilícitos praticados por seus candidatos”. Com isso, afastou o dever de reparação por dano moral coletivo. 

Premissa equivocada

Segundo o relator do recurso de revista do MPT, ministro José Roberto Pimenta, a conduta era discriminatória. “É justamente no momento da procura de colocação no mercado de trabalho que o trabalhador, por muitas vezes, se encontra em situação econômica fragilizada, sem meios de subsistência e de cumprir algumas obrigações financeiras anteriormente assumidas”, observou.

Na sua avaliação, o TRT, ao afastar a condenação, partiu de premissa equivocada, pois os serviços de proteção ao crédito têm por finalidade a proteção dos comerciante e das instituições financeiras e creditícias, entre outros. O objetivo é a avaliação do risco de fornecimento de crédito a pessoas com histórico de não honrar com suas obrigações, “não se destinando à consulta prévia de trabalhador a ser contratado, o que caracteriza conduta claramente discriminatória e reprovável”.

O ministro explicou que, pela relevância social do dano moral coletivo, o pagamento de reparação é “muito mais uma condenação preventiva e inibitória do que propriamente um ressarcimento”. Observou, ainda, que a jurisprudência do TST vem se firmando no sentido de que essa consulta prévia configura conduta ilícita que justifica reparação à coletividade.

A decisão foi unânime.

Processo:  RR-1170-75.2010.5.02.0066 

RECURSO DE REVISTA REGIDO PELO CPC/1973
E INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº
13.015/2014.
PROCESSO SELETIVO. PESQUISA PRÉVIA DE
INFORMAÇÕES CREDITÍCIAS DOS CANDIDATOS
AO EMPREGO. SPC. SERASA. DANO MORAL
COLETIVO.
A Corte regional, referindo-se à
“realização de consulta prévia aos cadastros do SPC e
SERASA”, entendeu que, “não obstante tal fato
seja considerado para a contratação dos candidatos, não
se colocava como fator de eliminação sumária”.
Entretanto, reconheceu que “a empresa
contratante não se obriga a ser surpreendida por
eventuais ilícitos praticados por seus candidatos”.
Concluiu o Tribunal a quo que “não há
justificativa razoável para condenar a reclamada pela
consulta aos cadastros de órgãos oficiais criados
justamente para este fim”, conduta que “não
caracteriza pratica discriminatória, mas mero direito do
empregador na busca de antecedentes de seus pretensos
colaboradores”. Verifica-se, portanto, a
existência de conduta discriminatória
por parte da reclamada, pois a situação
creditícia do candidato não possui
nenhuma relação com as suas qualidades
ou habilidade laborais. Importante
registrar que é justamente no momento da
procura de colocação no mercado de
trabalho que o candidato, por muitas
vezes, encontra-se em situação
econômica fragilizada, sem meios de
subsistência e de cumprir algumas
obrigações financeiras anteriormente
assumidas. Por outro lado, a Corte
regional, ao apontar que “se não há
reprimenda à própria existência dos serviços de
proteção ao crédito, descabida a assertiva da não
legalidade de seu uso”, baseou-se em uma
premissa equivocada. Os citados
serviços tem por finalidade a proteção

dos comerciantes, instituições
financeiras e creditícias, entre
outros, para o fornecimento de crédito
para pessoas com histórico de não honrar
com suas obrigações, independentemente
do motivo que as levou a tanto, não se
destinando à consulta prévia de
candidato ao emprego - conduta
claramente discriminatória e
reprovável. Para a configuração do dano
moral coletivo, basta, como no caso dos
autos, a violação intolerável de
direitos coletivos e difusos, ação ou
omissão reprováveis pelo sistema de
justiça social do ordenamento jurídico,
conduta antijurídica capaz de lesar a
esfera de interesses da coletividade,
cuja essência é tipicamente
extrapatrimonial. O caráter coletivo
decorre da repercussão no meio social,
pela adoção reiterada de um padrão de
conduta por parte do infrator, com
inegável extensão lesiva à
coletividade, de forma a violar o
sistema jurídico de garantias
fundamentais. É por isso que o dano
moral coletivo, em face de suas
características próprias de dano
genérico, enseja muito mais uma
condenação preventiva e inibitória do
que propriamente uma tutela
ressarcitória. Cabe trazer a lume a
lição de Xisto Tiago de Medeiros Neto
sobre a preponderância da função
sancionatória da indenização por dano
moral coletivo, alertando que esta se
afasta da função típica que prevalece no
âmbito dos direitos individuais, onde
se confere maior relevância à
finalidade compensatória da
indenização em favor das vítimas
identificadas, e, apenas em segundo
plano, visualiza-se a função suasória.
Ainda, diante da incontrovérsia dos
fatos relativos à conduta ilícita da
reclamada, o dano moral daí decorrente
é considerado in re ipsa, já que decorre
da própria natureza das coisas,
prescindindo, assim, de prova da sua
ocorrência concreta, em virtude de ele
consistir em ofensa a valores humanos,
bastando a demonstração do ato ilícito
ou antijurídico em função do qual a
parte afirma ter ocorrido a ofensa ao
patrimônio moral. Aplica-se à hipótese
sub judice a tese firmada no
IRR-243000-58.2013.5.13.0023, item
III, in verbis: “A exigência de Certidão de
Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das
justificativas de que trata o item II, supra, caracteriza
dano moral in re ipsa, passível de indenização,
independentemente de o candidato ao emprego ter ou
não sido admitido”. Desse modo, a consulta
prévia dos candidatos aos cadastros do
SPC e SERASA acarretou dano moral
coletivo in re ipsa, o que é suficiente
para a responsabilização da ré, sendo
desnecessária para sua condenação,
prova de prejuízo sofrido pela
coletividade de trabalhadores
(inocorrência da contratação de
candidatos submetidos à consulta). A
prática dos citados atos antijurídicos
e discriminatórios configurou ofensa ao
patrimônio moral coletivo, sendo,
portanto, passível de reparação por
meio da indenização respectiva.
Recurso de revista conhecido e provido.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (TST - Tribunal Superior do Trabalho) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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