Cláusula de eleição de foro prevalece em ação proposta por concessionária em recuperação contra montadora

Cláusula de eleição de foro prevalece em ação proposta por concessionária em recuperação contra montadora

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) para determinar que uma ação ajuizada por concessionária em recuperação judicial, com o objetivo de discutir o contrato de concessão comercial firmado com a montadora de veículos, seja julgada no juízo designado pelas partes na cláusula de eleição de foro.

Para o colegiado, no caso dos autos, não estão presentes as hipóteses estipuladas pela Lei 11.101/2005 para a submissão do processo ao juízo da recuperação judicial. Ainda segundo a turma, a diferença econômica entre a concessionária e a montadora – circunstância considerada pelo TJBA para fixar a competência da vara de recuperação – não é motivo suficiente para o afastamento do foro competente escolhido pelas próprias contratantes. 

"Seja porque a presente ação não foi movida em face da recorrida [a empresa em recuperação], mas sim por ela; seja porque, ainda que figurasse no polo passivo, o juízo da recuperação não possui força atrativa para dela conhecer e julgar, não pode subsistir o entendimento constante do acórdão recorrido", afirmou a relatora do recurso da montadora, ministra Nancy Andrighi.

Impacto no patrimônio

Ao julgar incidente de exceção de incompetência ajuizado pela montadora nos autos da ação proposta pela concessionária, o magistrado de primeira instância definiu a competência do juízo em que se processa a recuperação para julgar processo que discute cláusulas de contrato de concessão de venda de veículos.

A decisão foi mantida pelo TJBA. De acordo com a corte baiana, embora o processo não discuta a prática de atos de constrição patrimonial, mas sim a rescisão do contrato de venda de veículos celebrado entre as partes, eventual decisão que resolva o conflito poderá impactar diretamente no patrimônio da concessionária, tendo em vista a possibilidade de serem deixadas pendências resultantes do término da relação contratual, o que afetaria o plano de recuperação.

Ainda segundo o tribunal da Bahia, a concessionária, por possuir menor porte econômico que a montadora, não poderia ser submetida à observância da cláusula de eleição de foro prevista no contrato firmado entre as partes.

Suspensão

A ministra Nancy Andrighi lembrou que a Lei 11.101/2005 dispõe, em seu artigo 6º, que o deferimento do processamento da recuperação judicial determina a suspensão, no juízo em que estiverem tramitando, das ações que tenham como ré a sociedade recuperanda.

Segundo a ministra, a única hipótese de prevenção do juízo da recuperação prevista na legislação é o ajuizamento de outro pedido de recuperação judicial ou de falência, relativo ao mesmo devedor.

A ministra também destacou que a formação de um juízo universal com competência para julgar todas as ações sobre bens, interesses e negócios do devedor foi prevista pela Lei 11.101/2005 apenas nas situações de falência, sem que haja regra semelhante para os casos de recuperação.

Penhora e expropriação

Ainda de acordo com a relatora, mesmo em situações sensíveis, como nas reclamações trabalhistas, ou nas ações de despejo e de consumo, o STJ tem o entendimento de que não é possível cogitar a competência do juízo da recuperação para o julgamento de tais demandas, devendo ser submetidos a ele apenas atos de penhora e expropriação eventualmente incidentes sobre os bens da empresa em soerguimento.

"A recuperanda figura como autora da presente ação (a qual, vale lembrar, ostenta natureza acautelatória), de modo que sequer poderia ser aventada, por mera inferência de lógica processual, a prática de atos executórios sobre seu patrimônio", afirmou a ministra.

Porte econômico

Em seu voto, Nancy Andrighi também citou jurisprudência do STJ no sentido de que a mera desigualdade de porte econômico entre a montadora de veículos e a respectiva concessionária não é capaz de caracterizar a hipossuficiência econômica que justifica o afastamento da cláusula contratual de eleição de foro, ressalvada a possibilidade de demonstração do caráter abusivo do contrato nesse ponto.

"Diante disso, haja vista que o único elemento que serviu de fundamento ao tribunal de origem para o reconhecimento da abusividade da cláusula de eleição de foro foi a diferença de porte econômico entre as sociedades empresárias litigantes – em contrariedade ao entendimento firmado pelo STJ –, deve ser mantida a validade da disposição contratual em questão" – concluiu a ministra ao reformar a decisão do TJBA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.868.182 - BA (2019/0187968-9)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : RENAULT DO BRASIL COMÉRCIO E PARTICIPAÇÕES LTDA
RECORRENTE : RENAULT DO BRASIL S/A
ADVOGADOS : RENATO ALBERTO DOS HUMILDES OLIVEIRA - BA014422
MARCO DELUIGGI - SP220938
ADVOGADOS : MANUELA BASTOS DE MATOS BRITTO - BA017595
RAFAEL FERNANDES DE MELO LOPES - BA018323
ADVOGADOS : DANÚBIA SOUTO DE FARIA COSTA - DF029843
PEDRO HENRIQUE SILI VILHENA VIEIRA - RJ166578
GUILHERME GUIDI LEITE - SP328861
ADVOGADOS : ISABELA DE OLIVEIRA ALVES - DF046172
BIANCA ROLDAN MUSSOLINO - SP384726
LORENA LOSCHER ROCHA - SP409213
ANTONIO VITOR OLIVEIRA BORGES - BA044788
RECORRIDO : BRUNE VEICULOS LTDA
ADVOGADOS : FABIO CANDIDO PEREIRA - SP164691
SANDRA QUESIA DE SOUZA COSTA PORTO - BA019872
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. AÇÃO EM QUE SE
DISCUTE A VALIDADE DE CLÁUSULAS DE CONTRATO DE CONCESSÃO
COMERCIAL. VENDA DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. AUTORA DA AÇÃO EM
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. VIS ATTRACTIVA
DO JUÍZO RECUPERACIONAL. INEXISTÊNCIA. PREVALÊNCIA DO FORO ELEITO.
PRECEDENTES.
1. Exceção de incompetência apresentada em 25/7/2014. Recurso especial
interposto em 9/5/2018 e concluso ao Gabinete em 4/11/2019.
2. O propósito recursal é definir o juízo competente para julgamento de ação – movida por sociedade empresária em recuperação judicial – que tem como objeto
questões concernentes a contrato de concessão de venda de veículos automotores.
3. A Lei 11.101/05 dispõe, em seu art. 6º, §§ 1º e 3º, que o deferimento do
processamento da recuperação judicial tem como efeito, sobre as ações ajuizadas
em face do devedor, a suspensão de seus processamentos nos juízos onde estejam
tramitando, inclusive aquelas que envolvam discussão sobre o pagamento de
quantias ilíquidas. Nesses casos, o juízo competente poderá determinar a reserva
das importâncias que estimar devidas no processo de soerguimento, sendo o
respetivo crédito incluído na classe própria quando reconhecida a liquidez do
direito.
4. Por outro lado, o julgamento de ações em que a recuperanda figure como autora
ou litisconsorte ativa não compete ao juízo onde tramita a ação de soerguimento.
Precedente da Terceira Turma.
5. Ainda que assim não fosse, a formação de um juízo universal e indivisível, dotado
de competência para conhecer de todas as ações sobre bens, interesses e negócios
do devedor, somente foi prevista na LFRE para as hipóteses de falência (art. 76),
não havendo regra semelhante incidindo sobre os casos que envolvam processos
de recuperação judicial.
6. O STJ possui entendimento consolidado no sentido de que a mera desigualdade
de porte econômico entre a montadora de veículos e a respectiva concessionária
não é capaz de caracterizar hipossuficiência econômica e ensejar o afastamento do
dispositivo contratual de eleição de foro.
7. Em contratos dessa espécie, a decretação da invalidade da cláusula de eleição de
foro somente tem cabimento se ficar suficientemente comprovada a abusividade, o
que se caracterizaria na hipótese de sua observância resultar em evidente
inviabilidade ou em dificuldade excessiva de acesso ao Judiciário, circunstâncias não
verificadas no particular.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial
nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram
com a Sra. Ministra Relatora.
Dr(a). DANÚBIA SOUTO DE FARIA COSTA, pela parte RECORRENTE: RENAULT
DO BRASIL S/A
Dr(a). FABIO CANDIDO PEREIRA, pela parte RECORRIDA: BRUNE VEICULOS
LTDA
Brasília (DF), 26 de maio de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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