Credor fiduciário pode inscrever devedor em cadastro restritivo mesmo sem vender o bem dado em garantia

Credor fiduciário pode inscrever devedor em cadastro restritivo mesmo sem vender o bem dado em garantia

Em caso de inadimplência na alienação fiduciária, o credor não é obrigado a vender o bem dado em garantia antes de promover a inscrição do devedor nos cadastros de proteção ao crédito. Independentemente da forma escolhida para obter o cumprimento da obrigação – recuperação do bem ou ação de execução –, a inscrição nos cadastros restritivos tem relação com o próprio descumprimento do contrato, tratando-se de exercício regular do direito de crédito.

Com esse fundamento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de um avalista que sustentava a necessidade de venda do bem antes da inscrição do seu nome nos cadastros de proteção ao crédito.

Nos autos que deram origem ao recurso, um banco financiou a compra de um caminhão por uma empresa, a qual depois pediu recuperação judicial e deixou de pagar as parcelas do contrato. O banco, então, inscreveu o nome do avalista nos cadastros de proteção ao crédito.

Inscrição legítima

O avalista obteve decisão favorável em primeira instância para que o seu nome não fosse inscrito no cadastro de negativados enquanto o caminhão não tivesse sido vendido pelo banco. A exigência de venda do bem para abatimento ou quitação da dívida, com a entrega de eventual sobra ao devedor, está prevista no artigo 1.364 do Código Civil.

No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) concluiu que a inscrição do devedor foi legítima, uma vez que o débito existia, não tendo havido ato ilícito por parte do banco.

Regramento específico

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora, a propriedade fiduciária é disciplinada não apenas pelo Código Civil, mas também por várias outras leis, e a regra do artigo 1.364, invocada pelo avalista, não é aplicável ao caso.

"Em se tratando de alienação fiduciária de coisa móvel infungível, envolvendo instituição financeira, o regime jurídico aplicável é aquele do Decreto-Lei 911/1969, devendo as disposições gerais do Código Civil incidir apenas em caráter supletivo", explicou.

A relatora ressaltou que a aplicação supletiva do Código Civil não é necessária neste caso, porque o Decreto-Lei 911/1969 contém disposição expressa que faculta ao credor fiduciário, na hipótese de mora ou inadimplemento, optar por recorrer diretamente à ação de execução, caso não queira retomar a posse do bem e vendê-lo a terceiros.

Nancy Andrighi afirmou que, qualquer que seja a escolha feita pelo credor, a inscrição dos nomes dos devedores nos órgãos de proteção ao crédito é o exercício regular de seu direito.

"Independentemente da via eleita pelo credor para a satisfação de seu crédito, não há ilicitude na inscrição do nome do devedor e seu avalista nos órgãos de proteção ao crédito, ante o incontroverso inadimplemento da obrigação", concluiu.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.833.824 - RS (2019/0251597-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : ODANIR BRUNO SARTORI
ADVOGADOS : CÉSAR CAUÊ SCHAEFFER ONGARATTO E OUTRO(S) - RS053943
ROSANA MARIA NICOLINI CHESINI - RS054228
RECORRIDO : BANCO VOLKSWAGEN S.A.
ADVOGADOS : KONSTANTINOS JEAN ANDREOPOULOS - SP131758
NATHÁLIA PORTO FRÓES KASTRUP - RJ155144
RAFAEL BARROSO FONTELLES - SP327331
MARCOS HAUSEN MARCHI E OUTRO(S) - RS090520B
EMENTA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO
DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO COM ALIENAÇÃO
FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. INADIMPLEMENTO. REGIME JURÍDICO APLICÁVEL.
DECRETO-LEI 911/69. INSCRIÇÃO DO NOME DO AVALISTA EM ÓRGÃOS DE
PROTEÇÃO AO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. EXERCÍCIO REGULAR DO
DIREITO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO.
1. Ação ajuizada em 18/04/2016. Recurso especial interposto em 16/05/2019 e
concluso ao Gabinete em 26/08/2019. Julgamento: Aplicação do CPC/2015.
2. O propósito recursal consiste em definir se o credor fiduciário, na hipótese de
inadimplemento do contrato, é obrigado a promover a venda do bem alienado
fiduciariamente, na forma do art. 1.364 do CC/02, antes de proceder à inscrição dos
nomes dos devedores em cadastros de proteção ao crédito.
3. No ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da
propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a
propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário
qualquer pessoa natural ou jurídica; b) o regime jurídico especial, formado por um
conjunto de normas extravagantes, dentre as quais o Decreto-Lei 911/69, que trata
da propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis, além da
cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, restrito o
credor fiduciário à pessoa jurídica instituição financeira.
4. Hipótese dos autos que envolve cédula de crédito bancário com alienação
fiduciária de veículo em garantia firmada com instituição financeira, a atrair o regime
do DL 911/69.
5. Nos termos expressos do art. 5º do DL 911/69, é facultado ao credor fiduciário,
na hipótese de inadimplemento ou mora no cumprimento das obrigações
contratuais pelo devedor, optar pela excussão da garantia ou pela ação de
execução.
6. De todo modo, independentemente da via eleita pelo credor, a inscrição dos
nomes dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, em
razão do incontroverso inadimplemento do contrato, não se reveste de qualquer
ilegalidade, tratando-se de exercício regular do direito de crédito.
7. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração dos honorários
advocatícios.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao
recurso especial, com majoração dos honorários advocatícios, nos termos do voto da Sra.
Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas
Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 05 de maio de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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