Afastada legitimidade de terceiro credor para impugnar penhora de bem de família
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de uma empresa corretora de imóveis que, na condição de terceira interessada em ação de execução, buscava o reconhecimento de sua legitimidade recursal para questionar decisão que indeferiu pedido de declaração da impenhorabilidade de bem de família.
Para o colegiado, a empresa não demonstrou como os seus interesses poderiam ser afetados pela decisão e, portanto, deixou de preencher os requisitos de legitimação exigidos pelo artigo 996, parágrafo único, do Código de Processo Civil.
O recurso teve origem em execução na qual, em primeiro grau, foi efetivada a penhora do imóvel dado como garantia no contrato executado, tendo o magistrado rejeitado a arguição de impenhorabilidade do bem feita pelo devedor, em razão de preclusão.
Na qualidade de terceira interessada, a corretora de imóveis interpôs agravo de instrumento tentando afastar a preclusão e obter o reconhecimento da impenhorabilidade. Alegou que é credora do mesmo bem em decorrência de fiança prestada em contrato de locação – motivo pelo qual teria preferência sobre o imóvel penhorado na ação executiva. Contudo, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) não conheceu do recurso por concluir pela ilegitimidade recursal da empresa.
Condição para recorrer
De acordo com a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, o artigo 996 do Código de Processo Civil exige que o terceiro, para interferir no processo por meio de recurso, demonstre como a decisão sobre a relação jurídica submetida à apreciação judicial pode atingir direito do qual se afirma titular.
"A lei, ao mencionar que deve, ao menos potencialmente, ser atingido 'direito de que se afirme titular o terceiro', em verdade está a dizer que o terceiro prejudicado há de afirmar-se titular ou da mesma relação jurídica discutida ou de uma relação jurídica conexa com aquela deduzida em juízo, ou, ainda, ser um legitimado extraordinário", afirmou a relatora.
Citando doutrina sobre o assunto, a ministra ressaltou que a legitimidade do terceiro poderá ser extraída da consideração de que a solução de mérito do processo repercute juridicamente sobre ele.
Segundo Nancy Andrighi, ao apontar que o imóvel é garantia em fiança de contrato de locação, a corretora sustenta ser detentora de direito decorrente de exceção legal à regra geral de proteção do bem de família (Lei 8.009/1990, artigo 3º, inciso VII) – situação que seria afetada pela decisão que afastou a impenhorabilidade.
Direito ao crédito
Entretanto, a ministra ressaltou que o direito titularizado pela corretora é o direito ao crédito em si – o que, por sua vez, não foi afetado pela penhora do imóvel, pois "outros bens podem existir para satisfazer a pretensão executória".
Além disso, para Nancy Andrighi, não há direito de preferência de penhora sobre o imóvel com base na justificativa de que o crédito incidiria na exceção à regra geral da impenhorabilidade do bem de família — argumento utilizado pela corretora a fim de legitimá-la a recorrer da decisão interlocutória no processo.
Na interpretação da relatora, foi correto o entendimento do TJPR segundo o qual não há, no caso, relação entre a corretora e a garantia descrita no artigo 1º da Lei 8.009/1990, que pudesse configurar sua legitimidade para defender direito alheio em nome próprio. Segundo o tribunal paranaense, só o executado – ou, eventualmente, algum membro da família – poderia recorrer contra a decisão que não reconheceu a impenhorabilidade.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.842.442 - PR (2019/0241854-9)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : COINVALORES CORRET DE CAMBIO E VALS MOBILIARIOS LTDA
ADVOGADOS : MARCOS JUNIOR JAROSZUK E OUTRO(S) - SC014834
GISELIS DARCI KREMER - PR059304
SOC. de ADV. : FURTADO NETO ADVOGADOS ASSOCIADOS
RECORRIDO : NELIO IRINEU DE FREITAS
ADVOGADO : MÁRIO MARCONDES LOBO FILHO E OUTRO(S) - PR017986
RECORRIDO : LUCELENE OLIVEIRA DE FREITAS
ADVOGADOS : JULIANE ZANCANARO BERTASI E OUTRO(S) - PR027052
HENRIQUE STAUT PETROCINI - PR083658
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE AFASTA A
ARGUIÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA. RECURSO
APRESENTADO POR TERCEIRO QUE SE ALEGA PREJUDICADO. AUSÊNCIA DE
LEGITIMIDADE E INTERESSE RECURSAL.
1. Ação de execução de título executivo extrajudicial – instrumento
particular de confissão de dívida.
2. Ação ajuizada em 04/09/2014. Recurso especial concluso ao gabinete em
23/09/2019. Julgamento: CPC/2015.
3. O propósito recursal é definir se a recorrente, na qualidade de terceira
interessada/prejudicada, tem legitimidade para impugnar decisão que
indeferiu o pleito de reconhecimento de impenhorabilidade do bem de
família.
4. Nos termos do art. 996, parágrafo único, do CPC/2015, o terceiro
legitimado a recorrer deve demonstrar a possibilidade de a decisão sobre a
relação jurídica submetida à apreciação judicial atingir direito de que se
afirme titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual.
5. Na específica hipótese dos autos, os argumentos da recorrente – terceira
alegadamente prejudicada e que interpôs o recurso de agravo de
instrumento – fundam-se na afirmação de que a mesma é detentora de
direito expresso em lei – exceção à regra geral de impenhorabilidade do
bem de família – que acaba por ser afetado pela decisão que afastou o
argumento de impenhorabilidade do bem de família apontado pelo
executado no bojo destes autos.
6. Não há que se falar em direito de preferência de penhora sobre o bem,
amparado na justificativa de que seu crédito incidiria na exceção à regra
geral da impenhorabilidade do bem de família, a fim de legitimá-lo a
recorrer de decisão interlocutória nestes autos. Em verdade, o direito
titularizado pela recorrente é o direito ao crédito em si, o que, por sua vez,
não foi afetado pelo reconhecimento da impenhorabilidade do bem de
família neste processo.
7. Recurso especial conhecido e não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao
recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de
Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Dr(a). GISELDA GABRIELLE MACHADO CADAVAL, pela parte RECORRENTE:
COINVALORES CORRET DE CAMBIO E VALS MOBILIARIOS LTDA
Dr(a). JULIANE ZANCANARO BERTASI, pela parte RECORRIDA: LUCELENE
OLIVEIRA DE FREITAS
Brasília (DF), 23 de junho de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora