Não cabe condenação em honorários em incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Não cabe condenação em honorários em incidente de desconsideração da personalidade jurídica

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que não é cabível a condenação em honorários advocatícios nas decisões interlocutórias que resolvem incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

O colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que determinou o pagamento de honorários ao advogado da sócia de uma empresa, em razão da improcedência do pedido de desconsideração da personalidade jurídica formulado pela parte contrária na fase de cumprimento de sentença de uma ação monitória.

Na decisão, o TJSC afirmou que quem pede a desconsideração da personalidade jurídica e não obtém êxito deve arcar com o ônus da sucumbência, devido ao princípio da causalidade, pois o incidente instaurado pode – como no caso dos autos – levar o sócio à contratação de advogado para se defender.

A corte local destacou ainda que, apesar de não estar previsto de forma expressa no rol do artigo 85, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), o incidente de desconsideração da personalidade jurídica em muito se assemelha ao procedimento comum, pois determina a citação do sócio ou da pessoa jurídica para manifestação e requerimento de provas, e fixa a possibilidade de instrução processual.

Previsão expressa

Ao STJ, a empresa que suscitou o incidente alegou que o CPC/2015 é expresso e taxativo ao prever em seu artigo 85, parágrafo 1º, que os honorários somente devem ser fixados na sentença, e esse dispositivo não admitiria interpretação extensiva para incluir decisões interlocutórias que resolvem incidentes processuais.

Em seu voto, o relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, declarou que a jurisprudência do STJ preza pela harmonização dos princípios da sucumbência e da causalidade para distribuir de forma justa os ônus sucumbenciais, especialmente em relação aos honorários advocatícios.

Entretanto, ponderou que, no caso analisado, não há necessidade de fazer tal avaliação, pois o CPC/2015 determinou que, em regra, a condenação nos ônus de sucumbência é vinculada às decisões que tenham natureza jurídica de sentença, podendo, excepcionalmente, ser estendida às decisões previstas de forma expressa no parágrafo 1º do artigo 85.

"No caso concreto, está-se diante de uma decisão que indeferiu o pedido incidente de desconsideração da personalidade jurídica, à qual o legislador atribuiu de forma expressa a natureza de decisão interlocutória, nos termos do artigo 136 do CPC/2015", afirmou o relator para, então, concluir que "afastada a natureza sentencial e não ressalvada a possibilidade de condenação em honorários advocatícios, essa pretensão revela-se juridicamente impossível".

RECURSO ESPECIAL Nº 1.845.536 - SC (2019/0322178-0)
VOTO-VENCEDOR
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Cuida-se de recurso especial interposto por Unimed Chapecó Cooperativa
de Trabalho Médico da Região Oeste Cararinense fundamentado nas alíneas a e c do
permissivo constitucional, no qual impugna acórdão assim ementado (e-STJ, fl. 203):
AGRAVO DE INSTRUMENTO E EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA NÃO FIXADOS.
INSURGÊNCIA DA AGRAVANTE. DESPACHO PROFERIDO NESTE
GRAU RECURSAL. ACLARATÓRIOS OPOSTOS PELA AGRAVANTE.
JULGAMENTO CONJUNTO CABÍVEL. (1) EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. DESPACHO QUE DETERMINOU AO CAUSÍDICO A
COMPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU O PAGAMENTO DE
PREPARO RECURSAL. INTENÇÃO DE MODIFICAÇÃO DO TEOR DO
DESPACHO. AUSÊNCIA DE VÍCIOS PREVISTOS NO ARTIGO 1.022
DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ACLARATÓRIOS REJEITADOS.
NECESSIDADE, ENTRETANTO, DE REVOGAÇÃO DO DESPACHO.
RECURSO QUE NÃO VISA MODIFICAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA,
MAS SIM SUA FIXAÇÃO. ARTIGO 99, § 5° INAPLICÁVEL NA
HIPÓTESE. GRATUIDADE EXTENSÍVEL AO CAUSÍDICO. (2) AGRAVO
DE INSTRUMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE JULGOU
IMPROCEDENTE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA AJUIZADO PELA PARTE ADVERSA.
HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA NÃO FIXADOS. IRRESIGNAÇÃO.
SÓCIA QUE CONTRATOU ADVOGADO E APRESENTOU DEFESA NO
INCIDENTE. PARTE VENCIDA QUE DEVE SER CONDENADA AO
PAGAMENTO DE HONORÁRIOS EM FAVOR DO PATRONO DA
PARTE VENCEDORA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE.
AUSÊNCIA DE PREVISÃO DA HIPÓTESE NO ROL DO ART. 85, § 1°,
DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL QUE NÃO AFASTA O CABIMENTO
DA CONDENAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Nas razões do presente recurso especial, alega-se a violação do art. 85, §
1º, do CPC/2015, ao fundamento de que não seria cabível a condenação em honorários
advocatícios no julgamento de incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Nos termos do voto da relatora Min. Nancy Andrighi, dá-se provimento ao
recurso especial, sob o fundamento central de que o princípio da sucumbência deve ser
aplicado em harmonia com o princípio da causalidade, de modo que o descompasso entre
ambos, em situações concretas, inviabilizaria a imposição do ônus àquele que,
processualmente, sucumbiu.
No caso concreto, concluiu a relatora que seria "teratológico, absurdo,
aberrante impor ao credor que sequer tem atendido seu crédito mais uma penalidade em
decorrência do exercício de seu direito de persegui-lo", acrescentando que o encerramento
irregular da personalidade jurídica é resultado da desídia dos sócios, os quais, assim,
deram causa do pedido incidental de desconsideração.
Com as mais respeitosas vênias da relatora Min. Nancy Andrighi e de seu
laborioso voto, apesar de acompanhá-lo na conclusão, divirjo de seus fundamentos.
De fato, a jurisprudência desta Corte Superior, por reiteradas vezes,
harmoniza os princípios da sucumbência e da causalidade, a fim de distribuir, com justiça,
os ônus sucumbenciais, especialmente no que toca aos honorários advocatícios. Contudo,
na hipótese dos autos, é dispensável a perquirição da causalidade e da sucumbência,
porquanto a decisão de extinção de incidente não está presente no rol do art. 85, caput e §
1º, do CPC/2015.
Nos termos do novo regramento emprestado aos honorários advocatícios
pelo atual Código de Processo Civil, verifica-se que, em regra, a condenação nos ônus de
sucumbência é atrelada às decisões que tenham natureza jurídica de sentença.
Excepcionalmente, estende-se essa condenação àquelas decisões previstas de forma
expressa no § 1º do referido dispositivo legal, in verbis:
§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no
cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução,
resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
No caso concreto, está-se diante de uma decisão que indeferiu o pedido
incidente de desconsideração da personalidade jurídica, à qual o legislador atribuiu de
forma expressa a natureza de decisão interlocutória, nos termos do art. 136 do CPC/2015
(sem destaque no original):
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será
resolvido por decisão interlocutória.
Desse modo, afastada, de forma expressa, a natureza sentencial e não
ressalvada a possibilidade de condenação em honorários advocatícios, essa pretensão
revela-se juridicamente impossível.
Nesse mesmo sentido, a Quarta Turma assim concluiu (sem destaques no
original):
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. VERBA HONORÁRIA. DESCABIMENTO.
AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Conforme entendimento da Corte Especial do STJ, em razão da
ausência de previsão normativa, não é cabível a condenação em
honorários advocatícios em incidente processual, ressalvados
os casos excepcionais. Precedentes.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no REsp 1834210/SP, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, QUARTA
TURMA, DJe 6/12/2019)
Outrossim, ainda que a título de obter dictum também não é razoável se
atribuir ao sócio a responsabilidade pela promoção de incidentes de desconsideração de
personalidade jurídica. Esse incidente é medida excepcional reservado apenas às
hipóteses em que haja desvio de finalidade ou confusão patrimonial (art. 50 do CC/2002).
Desse modo, a movimentação da máquina judiciária para promover o incidente
manifestamente incabível, porque fundado exclusivamente em argumento reiteradamente
rechaçado por esta Corte Superior e não previsto nas hipóteses legais autorizadoras, não
deveria ser imputada à causa do sócio. Aliás, o legislador também foi taxativo em impor ao
requerente a demonstração dos requisitos legais para o cabimento do incidente:
Art.136. [...]
§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos
pressupostos legais específicos para desconsideração da
personalidade jurídica.
No entanto, da forma como proposto pelo voto da relatora, pode-se concluir
que o sócio, ainda que não seja alcançado pela desconsideração, em casos de dissolução
irregular, será sempre o "causador" do incidente.
Ademais, no caso dos autos, a sócia recorrida era menor de idade à época
da constituição da dívida e sócia minoritária, figurando no quadro societário com apenas
1% das cotas sociais. Desse modo, não parece automática a imputação da causa do
incidente ao sócio que se pretende trazer para o processo em curso.
Por todos esses fundamentos, rogando, mais uma vez, as mais respeitosas
vênias à relatora Min. Nancy Andrighi, dou provimento ao recurso especial, para
restabelecer a decisão de primeiro grau (e-STJ, fls. 123-130), reconhecendo o não
cabimento dos honorários advocatícios em decisões interlocutórias que resolvem incidente
de desconsideração de personalidade jurídica.
É como voto.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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