Separação de fato cessa impedimento para fluência do prazo da usucapião entre cônjuges

Separação de fato cessa impedimento para fluência do prazo da usucapião entre cônjuges

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a separação de fato de um casal é suficiente para fazer cessar a causa impeditiva da fluência do prazo necessário ao reconhecimento da usucapião entre cônjuges.

Com esse entendimento, o colegiado deu provimento ao recurso de uma mulher que ajuizou, em 2014, ação de usucapião do imóvel no qual residia com o marido até a separação de fato, em 2009, quando ele deixou o lar. Segundo o processo, os dois se casaram em 1986 e passaram a morar na propriedade adquirida por ele em 1985.

A autora da ação pediu o reconhecimento da usucapião familiar (artigo 1.240-A do Código Civil) ou, subsidiariamente, da usucapião especial urbana (artigo 1.240 do CC).

Para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a usucapião familiar não seria possível, já que não havia copropriedade do casal sobre o imóvel; e a usucapião especial urbana também não, pois o prazo de cinco anos exigido pelo CC não poderia ser contado a partir da separação de fato, mas apenas da separação judicial ou do divórcio, como previsto expressamente na lei.

No recurso especial, a autora questionou exclusivamente a decisão do TJMG em relação à usucapião especial urbana.

Fluência da prescrição

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que o Código Civil prevê duas espécies distintas de prescrição: a extintiva, relacionada ao escoamento do prazo para pedir em juízo a reparação de um direito violado (artigos 189 a 206), e a aquisitiva, relacionada à forma de aquisição da propriedade pela usucapião.

Com base em ensinamentos doutrinários, a ministra ressaltou que o impedimento ao cômputo da prescrição entre cônjuges – previsto no artigo 197, inciso I, do CC –, embora situado no capítulo das prescrições extintivas, também se aplica à prescrição aquisitiva, ou seja, à usucapião.

Segundo ela, esse impedimento – "constância da sociedade conjugal" – cessa pela separação judicial ou pelo divórcio, como estabelecido nos incisos III e IV do artigo 1.571 do CC. No entanto, a relatora ressaltou que, recentemente, a Terceira Turma reconheceu a possibilidade de se admitir a fluência da prescrição entre cônjuges a partir da separação de fato.

Situações vinculadas

"A regra do artigo 197, I, do CC/2002 está assentada em razões de ordem moral, buscando-se com ela a preservação da confiança, do afeto, da harmonia e da estabilidade do vínculo conjugal, que seriam irremediavelmente abalados na hipótese de ajuizamento de ações judiciais de um cônjuge em face do outro ainda na constância da sociedade conjugal", afirmou a ministra.

Para ela, a separação de fato por longo período, como observado no precedente, produz exatamente o mesmo efeito das formas previstas no CC para o término da sociedade conjugal, "não se podendo impor, pois, tratamento diferenciado para situações que se encontram umbilicalmente vinculadas".

Nancy Andrighi destacou que, na hipótese em análise, a separação de fato do casal ocorreu em 3 de julho de 2009, e a ação de usucapião foi ajuizada pela mulher em 31 de julho de 2014, razão pela qual foi cumprido o requisito do prazo (cinco anos) para a usucapião especial urbana.

A ministra verificou que o TJMG se limitou a afastar a configuração dessa espécie de usucapião ao fundamento de que não teria decorrido o prazo mínimo necessário, deixando de examinar a presença dos demais pressupostos legais previstos no artigo 1.240 do CC.

Dessa forma, o colegiado deu provimento ao recurso para que a corte de segunda instância reexamine o caso em seus outros aspectos, superada a questão relativa ao prazo.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.693.732 - MG (2017/0209737-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : CLEIDE ELENA LUZ REIS
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
RECORRIDO : VEBER LUIZ REIS
ADVOGADO : DINALVES SILVA E OUTRO(S) - MG030961
EMENTA
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. PRESCRIÇÃO
EXTINTIVA. ESCOAMENTO DO PRAZO PARA DEDUÇÃO DE PRETENSÃO.
PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. FORMA DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE.
DISTINÇÕES. CAUSA IMPEDITIVA DE FLUÊNCIA DA PRESCRIÇÃO.
APLICABILIDADE ÀS PRESCRIÇÕES EXTINTIVAS E AQUISITIVAS. CONSTÂNCIA
DA SOCIEDADE CONJUGAL E FLUÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL. CAUSA
IMPEDITIVA DA PRESCRIÇÃO QUE CESSA COM A SEPARAÇÃO JUDICIAL, COM
O DIVÓRCIO E TAMBÉM COM A SEPARAÇÃO DE FATO POR LONGO PERÍODO.
TRATAMENTO ISONÔMICO PARA SITUAÇÕES DEMASIADAMENTE
SEMELHANTES. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA CONFIGURADA. APURAÇÃO DOS
DEMAIS REQUISITOS CONFIGURADORES DA USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA.
NECESSIDADE DE REJULGAMENTO DA APELAÇÃO.
1- Ação distribuída em 31/07/2014. Recurso especial interposto em
31/03/2017 e atribuído à Relatora em 15/09/2017.
2- O propósito recursal consiste em definir se a separação de fato do casal é
suficiente para cessar a causa impeditiva da fluência do prazo prescricional
prevista no art. 197, I, do CC/2002, e, assim, para deflagrar o cômputo do
prazo para a prescrição aquisitiva do imóvel previsto no art. 1.240 do
CC/2002.
3- Duas espécies distintas de prescrição são reguladas pelo CC/2002: a
extintiva, relacionada ao escoamento do lapso temporal para que se deduza
judicialmente pretensão decorrente de violação de direito (arts. 189 a 206)
e a aquisitiva, relacionada a forma de aquisição da propriedade pela
usucapião (arts. 1.238 a 1.244). Precedente.
4- A causa impeditiva de fluência do prazo prescricional prevista no art. 197,
I, do CC/2002, conquanto topologicamente inserida no capítulo da
prescrição extintiva, também se aplica às prescrições aquisitivas, na forma
do art. 1.244 do CC/2002.
5- A constância da sociedade conjugal, exigida para a incidência da causa
impeditiva da prescrição extintiva ou aquisitiva (art. 197, I, do CC/2002),
cessará não apenas nas hipóteses de divórcio ou de separação judicial, mas
também na hipótese de separação de fato por longo período, tendo em vista
que igualmente não subsistem, nessa hipótese, as razões de ordem moral
que justificam a existência da referida norma. Precedente.
6- Sendo incontroverso o transcurso do lapso temporal quinquenal entre a
separação de fato e o ajuizamento da ação de usucapião, mas não tendo
havido a apuração, pelas instâncias ordinárias, acerca da presença dos
demais pressupostos configuradores da usucapião, impõe-se a devolução do
processo para rejulgamento da apelação, afastada a discussão acerca da
prescrição aquisitiva.
7- Recurso especial conhecido e provido, para determinar que seja rejulgada
a apelação e examinada a eventual presença dos demais requisitos da
usucapião especial urbana.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao
recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de
Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Dr(a). DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, pela parte
RECORRENTE: CLEIDE ELENA LUZ REIS
Brasília (DF), 05 de maio de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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