Tráfico perto de igreja não justifica aumento de pena previsto na Lei de Drogas

Tráfico perto de igreja não justifica aumento de pena previsto na Lei de Drogas

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que as igrejas não podem ser equiparadas aos estabelecimentos previstos no artigo 40, inciso III, da Lei 11.343/2006 para efeito de aplicação da causa de aumento de pena quando o tráfico de drogas é praticado em suas dependências ou imediações.

Com esse entendimento unânime, o colegiado concedeu parcialmente habeas corpus para redimensionar a pena de uma mulher condenada em primeira instância a cinco anos de reclusão por tráfico, mas que teve a condenação elevada em mais dez meses após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) aplicar a majorante do artigo 40, em virtude de o crime ter sido praticado nas imediações de duas igrejas de Votuporanga (SP).

"Firme na compreensão de que, no direito penal incriminador, não se admite a analogia in malam partem, não vejo como se inserir no rol das majorantes o fato de a agente haver cometido o delito nas dependências ou nas imediações de igreja. Assim, porque a hipótese dos autos não foi contemplada pelo legislador, deve ser afastada a majorante prevista no inciso III do artigo 40 da Lei de Drogas", afirmou o relator do habeas corpus, ministro Rogerio Schietti Cruz.

Nos termos do dispositivo legal, as penas previstas no artigos 33 a 37 da Lei de Drogas serão aumentadas de um sexto a dois terços se a infração for cometida dentro ou perto de certos estabelecimentos, como presídios, escolas e hospitais.

Movimentação de pessoas

Ao elevar a pena da ré, o TJSP entendeu que, como o local do crime era próximo às igrejas – o que gera maior movimentação de pessoas –, estava configurada a causa de aumento. Segundo o tribunal, a majorante não depende da comprovação de que o tráfico buscava atingir diretamente os frequentadores das igrejas.

O ministro Rogerio Schietti Cruz lembrou que o STJ possui jurisprudência no sentido de que, para a incidência da majorante, é realmente desnecessária a demonstração de que o crime aconteceu dentro dos lugares elencados no inciso III do artigo 40, bastando que tenha ocorrido em locais próximos, em razão da aglomeração de pessoas e de sua exposição ao risco das drogas.

O tráfico em tais lugares costuma ser facilitado – destacou o relator – justamente pelo grande movimento de pessoas; pelo fato de muitas delas, no caso de certos estabelecimentos, estarem em situação de vulnerabilidade, e também pela possibilidade de o traficante passar despercebido.

Reserva legal

Entretanto, o ministro apontou que – por força do princípio da reserva legal – não é permitido em matéria penal, apenas por semelhança, tipificar fatos que se localizam fora do raio de incidência da norma, elevando-os à categoria de crimes.

No mesmo sentido, Schietti disse que, para a doutrina, nas leis penais incriminadoras – nas quais, de alguma forma, sempre há restrição à liberdade do indivíduo –, é inadmissível que o juiz acrescente outras limitações além daquelas previstas pelo legislador.

Na avaliação do ministro, se o legislador quisesse punir de forma mais grave também o fato de o agente cometer o delito nas dependências ou imediações de igreja, teria feito isso expressamente.

HABEAS CORPUS Nº 528.851 - SP (2019/0249970-0)
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
IMPETRANTE : DOUGLAS TEODORO FONTES E OUTROS
ADVOGADOS : DOUGLAS TEODORO FONTES - SP222732
MARCELO LEAL DA SILVA - SP268285
FRANCIELI FAZAN GARCIA - SP394830
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
PACIENTE : IRACY DA SILVA LIMA
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO
EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. MAJORANTE. ANALOGIA IN MALAM
PARTEM. MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI
DE DROGAS. MAUS ANTECEDENTES. REGIME.
FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA E IDÔNEA. ORDEM
PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. As instâncias ordinárias, após toda a análise do conjunto
fático-probatório amealhado aos autos, concluíram pela existência de
elementos concretos e coesos a ensejar a condenação da acusada
pelo crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/2006). Por
essas razões, mostra-se inviável a sua absolvição, sobretudo em se
considerando que, no processo penal, vigora o princípio do livre
convencimento motivado, em que é dado ao julgador decidir pela
condenação do agente, desde que o faça fundamentadamente,
exatamente como verificado nos autos.
2. Uma vez que, no Direito Penal incriminador, não se admite a
analogia in malam partem e porque a hipótese dos autos (tráfico de
drogas cometido em local próximo a igrejas) não foi contemplada
pelo legislador no rol das majorantes previstas no inciso III do art. 40
da Lei n. 11.343/2006, deve ser afastada a causa especial de
aumento de pena em questão.
3. Não há como ser reconhecida a incidência da minorante descrita
no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas aos acusados possuidores de
maus antecedentes.
4. As peculiaridades do caso concreto (maus antecedentes,
quantidade e natureza da droga, bem como circunstâncias em que
praticado o delito) justificam a imposição de regime prisional mais
gravoso do que o cabível em razão da reprimenda aplicada.
5. Ordem parcialmente concedida, para afastar a majorante prevista
no inciso III do art. 40 da Lei de Drogas e, por conseguinte, reduzir a
reprimenda da paciente para 5 anos de reclusão e 500 dias-multa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, conceder
parcialmente a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro, Laurita
Vaz e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 05 de maio de 2020
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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