Uso simultâneo de imóvel para moradia e comércio não impede usucapião especial urbana

Uso simultâneo de imóvel para moradia e comércio não impede usucapião especial urbana

O exercício simultâneo de pequena atividade comercial em propriedade que também é utilizada como residência não impede o reconhecimento de usucapião especial urbana. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de dois irmãos e reconheceu a usucapião de um imóvel utilizado por eles de forma mista.

O recurso teve origem em ação de usucapião na qual os irmãos alegaram que, por mais de cinco anos, possuíram de boa-fé um imóvel localizado em Palmas. Em primeiro grau, o pedido foi julgado parcialmente procedente para reconhecer a usucapião urbana somente da área destinada à moradia, correspondente a 68,63m² – decisão mantida pelo Tribunal de Justiça do Tocantins.

Segundo os irmãos, a propriedade tem 159,95m², sendo que em 91,32m² funciona uma bicicletaria na qual trabalham com a família. Eles alegaram que, mesmo com a parte maior do imóvel sendo utilizada para fins comerciais, não haveria óbice para o reconhecimento da usucapião de toda a propriedade quando ela também se destina à residência da família.

Requisitos

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que a modalidade de usucapião especial urbana é regulada na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 183, parágrafos 1º ao 3º, e pelo Código Civil, em seu artigo 1.240, parágrafos 1º e 2º, bem como, de forma mais específica, pelo Estatuto da Cidade.

Segundo a ministra, essa modalidade de usucapião tem como requisitos a posse ininterrupta e pacífica, exercida como dono; o decurso do prazo de cinco anos; a dimensão máxima da área (250m² para a modalidade individual e área superior a esta, na forma coletiva); a moradia e o fato de não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Em seu voto, a relatora lembrou que a Terceira Turma já se manifestou pela possibilidade de se declarar a usucapião de área com metragem inferior à estabelecida na legislação infraconstitucional que regula o parcelamento do solo urbano (REsp 1.360.017).

Sustento da família

Nancy Andrighi ressaltou que a exclusividade de uso residencial não é requisito expressamente previsto em nenhum dos dispositivos legais e constitucionais que tratam da usucapião especial urbana. "O uso misto da área a ser adquirida por meio de usucapião especial urbana não impede seu reconhecimento judicial, se a porção utilizada comercialmente é destinada à obtenção do sustento do usucapiente e de sua família", disse.

De acordo com a relatora, há a necessidade de que a área reivindicada seja utilizada para a moradia do requerente ou de sua família, mas não se exige que essa área não seja produtiva, especialmente quando é utilizada para o sustento do próprio recorrente, como na hipótese em julgamento.

"Nesse sentido, o artigo 1.240 do Código Civil não parece se direcionar para a necessidade de destinação exclusiva residencial do bem a ser usucapido. Assim, o exercício simultâneo de pequena atividade comercial pela família domiciliada no imóvel objeto do pleito não inviabiliza a prescrição aquisitiva buscada", afirmou.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.777.404 - TO (2018/0290399-1)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : GERALDO GILMAR RAFAEL
RECORRENTE : MARGARETH BRANDAO DA SILVA RAFAEL
ADVOGADOS : GUSTAVO DE BRITO CASTELO BRANCO - TO004631
JANIO PEREIRA DA SILVA - TO005327
ANA PAULA LEOBAS MARACAIPE - TO008626
RECORRIDO : JOANA BAUM
RECORRIDO : ROMEU BAUM
ADVOGADOS : FERNANDO REZENDE DE CARVALHO - TO001320
MARCIO GONÇALVES MOREIRA - TO002554
LUANNA MAGALHÃES VIEIRA - TO005660
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. REQUISITOS
PREENCHIDOS. UTILIZAÇÃO MISTA, RESIDENCIAL E COMERCIAL. OBJEÇÃO
NÃO EXISTENTE NA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. ANÁLISE PROBATÓRIA.
DESNECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Ação ajuizada em 20/01/2003, recurso especial interposto em
28/06/2018, atribuído a este gabinete em 27/11/2018.
2. O propósito recursal consiste em determinar se, a área de imóvel objeto
de usucapião extraordinária, nos termos do art. 1.240 do CC/2002 e art. 183
da CF/1988, deve ser usada somente para fins residenciais ou, ao contrário,
se é possível usucapir imóvel que, apenas em parte, é destinado para fins
comerciais.
3. A usucapião especial urbana apresenta como requisitos a posse
ininterrupta e pacífica, exercida como dono, o decurso do prazo de cinco
anos, a dimensão da área (250 m² para a modalidade individual e área
superior a esta, na forma coletiva), a moradia e o fato de não ser
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
4. O art. 1.240 do CC/2002 não direciona para a necessidade de destinação
exclusiva residencial do bem a ser usucapido. Assim, o exercício simultâneo
de pequena atividade comercial pela família domiciliada no imóvel objeto
do pleito não inviabiliza a prescrição aquisitiva buscada.
5. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr.
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial
nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram
com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 05 de maio de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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