No conflito entre execução civil e fiscal, Fazenda tem preferência mesmo com manifestação tardia

No conflito entre execução civil e fiscal, Fazenda tem preferência mesmo com manifestação tardia

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a um recurso do Banco Bamerindus (em liquidação extrajudicial) por entender que, havendo conflito entre execução civil e execução fiscal, com penhora sobre o mesmo bem, a Fazenda Pública tem preferência para receber o produto da alienação, ainda que se manifeste tardiamente no processo, quando já perfectibilizada a arrematação.

O banco conseguiu em primeira instância o levantamento de valores do leilão extrajudicial do imóvel de um devedor, apesar de existir contra este uma execução fiscal, na qual foi decretada a penhora do mesmo bem. Segundo as informações do processo, ao saber desse fato, a Fazenda requereu os valores levantados pelo banco em razão da execução fiscal em curso.

O juiz da execução acatou o pedido da Fazenda, determinando que o banco devolvesse os valores levantados com a venda do imóvel do devedor. O banco recorreu da decisão e afirmou que a União havia perdido o prazo para instalar o concurso de credores, inviabilizando o pedido de restituição.

Manifestação tardia

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão de devolução dos valores, limitado ao montante executado pela Fazenda. No recurso especial, o banco defendeu a tese de que a manifestação tardia da Fazenda quanto à preferência de seu crédito não permite a devolução de valores já levantados, uma vez que atos jurídicos perfeitos e acabados, atingidos pela preclusão, não podem ser desfeitos.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, afirmou que é irrelevante para a solução do caso o fato de o banco ter penhorado antes o imóvel – outra alegação feita pela instituição financeira para justificar a não devolução dos valores. Ela explicou que a preferência dos créditos da Fazenda Pública está prevista nos artigos 186 e 187 do Código Tributário Nacional (CTN).

Segundo a relatora, embora o pedido do banco para levantar os valores tenha sido inicialmente deferido, não houve tempo para manifestação do ente público na questão, mas a instituição financeira tinha ciência da penhora feita pela União sobre o imóvel.

Incompatível com a ética

"Essa circunstância é bastante para ilustrar que a postura adotada pela instituição financeira foi de encontro ao princípio da boa-fé, revelando atitude incompatível com o padrão ético de comportamento (alicerçado na honestidade, lealdade e probidade) que se espera dos sujeitos de uma relação jurídica", afirmou a ministra ao destacar que, mesmo ciente da existência de crédito preferencial, o banco não avisou isso ao juiz quando pleiteou os valores.

Não houve preclusão – de acordo com a relatora – porque a Fazenda não se comportou com desídia e porque não há prazo específico estipulado em lei para que o titular de crédito preferencial reclame participação no produto da arrematação concluída em processo diverso.

"Ao contrário, o que se constata do acórdão recorrido é que, logo depois de ter tomado ciência da excussão do bem, o ente público opôs-se de modo expresso ao levantamento da quantia, protestando pela observação de sua preferência sobre os valores da arrematação do imóvel", destacou Nancy Andrighi.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.661.481 - SP (2016/0088638-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : BANCO BAMERINDUS DO BRASIL S.A. - EM LIQUIDAÇÃO
EXTRAJUDICIAL
ADVOGADOS : RODRIGO DE SÁ DUARTE E OUTRO(S) - SP222643
OTTO STEINER JUNIOR - SP045316
RECORRIDO : SEIVAFERTIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE FERTILIZANTES LTDA
ADVOGADO : SILVIO UTSUNOMIYA - SP217429
RECORRIDO : VANDA GONÇALVES MOREIRA DOS SANTOS
RECORRIDO : CESAR DOS SANTOS
ADVOGADO : TATIANA MAYUME MOREIRA MINOTA E OUTRO(S) - SP276360
RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. BEM
HIPOTECADO EM FAVOR DO EXEQUENTE. HASTA PÚBLICA. LEVANTAMENTO
DOS VALORES. INSURGÊNCIA DA FAZENDA NACIONAL. AUSÊNCIA DE
INTIMAÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL COM PENHORA SOBRE O BEM ALIENADO.
CRÉDITO PREFERENCIAL. RESTITUIÇÃO DEVIDA. AUSÊNCIA DE OBSERVÂNCIA
AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ.
1. Execução ajuizada em 1/6/1994. Recurso especial interposto em
14/5/2014. Autos encaminhados à Relatora em 25/8/2016, redistribuídos em
18/9/2019 e novamente conclusos em 7/2/2020.
2. O propósito recursal é definir se os valores levantados pelo recorrente
devem ser restituídos ao juízo da execução em virtude da existência de
crédito preferencial, cujo titular manifestou-se nos autos depois de
perfectibilizada a arrematação do bem objeto da penhora.
3. O entendimento desta Corte aponta no sentido de que, coexistindo
execução fiscal e execução civil, contra o mesmo devedor, com pluralidade
de penhoras recaindo sobre o mesmo bem, o produto da venda judicial, por
força de lei, deve satisfazer o crédito fiscal em primeiro lugar. Precedente.
4. A postura adotada pela instituição financeira recorrente, que, mesmo
ciente da existência de crédito preferencial em favor de terceiros, deixa de
sinalizar tal fato ao juiz e vem aos autos requerer o levantamento do
montante depositado, revela atitude contrária à boa-fé objetiva.
5. A decisão que deferiu o pedido de levantamento do produto da
arrematação em benefício do credor particular não foi antecedida da
necessária intimação da Fazenda Nacional - titular de crédito preferencial
perseguido em execução fiscal garantida por penhora sobre o bem
arrematado.
6. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a alegação de violação ao art.
6º da LINDB não viabiliza a interposição de recurso especial, pois os
princípios contidos nesse dispositivo – direito adquirido, ato jurídico perfeito
e coisa julgada – apesar de previstos em lei ordinária, são institutos de
índole marcadamente constitucional.
RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso
especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram
com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 10 de março de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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