STJ considera ilegal indenização antecipada por rescisão unilateral de representação comercial

STJ considera ilegal indenização antecipada por rescisão unilateral de representação comercial

A indenização devida ao representante comercial nos casos de rescisão unilateral imotivada do contrato de representação, prevista no artigo 27, alínea "j", da Lei 4.886/1965, não pode ser paga de forma antecipada, antes do encerramento da relação contratual, ainda que exista cláusula com essa previsão explícita.

O entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento por maioria, levou em consideração a posição típica de fragilidade do representante comercial em relação à empresa representada e o sentido legal do pagamento da verba indenizatória, que pressupõe a ocorrência da rescisão para que haja o direito ao seu recebimento.

"A obrigação de reparar o dano somente surge após a prática do ato que lhe dá causa (por imperativo lógico), de modo que, antes da existência de um prejuízo concreto passível de ser reparado – que, na espécie, é o rompimento imotivado da avença –, não se pode falar em indenização", apontou a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi.

Rescisão unilateral

No processo de indenização que deu origem ao recurso, a empresa de representação comercial narrou que representou uma fornecedora de pincéis durante 13 anos, até que o contrato foi encerrado pela sociedade representada de forma unilateral.

Questionada sobre a indenização pela rescisão imotivada, a empresa ré informou que a verba, conforme previsão contratual, havia sido paga antecipadamente, de modo integral, juntamente com as comissões recebidas ao longo da execução do contrato.

Em primeiro e segundo graus, o pedido de indenização foi julgado improcedente. Segundo o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), o pagamento antecipado foi livremente pactuado e, durante o curso da relação contratual, nunca houve contestação por parte da representante comercial quanto à forma de indenização.

Para o TJPR, a legislação não impediria o adiantamento dos valores da indenização e, além disso, o acolhimento do pedido da autora da ação implicaria pagamento em dobro da verba indenizatória.

Desequilíbrio

A ministra Nancy Andrighi lembrou que ao representante comercial é garantida tutela jurídica especial, especialmente pela constatação de que o representado, como regra, tem posição dominante em relação à outra parte da relação.

Nesse sentido, afirmou a relatora, o desequilíbrio entre os sujeitos contratantes contribui para facilitar a adoção de comportamentos antijurídicos pela parte mais forte do negócio, como o locupletamento ilícito.

Segundo a ministra, no intuito de garantir equilíbrio contratual é que foi estabelecida a regra de que todo contrato deve conter, obrigatoriamente, a previsão de indenização mínima a ser paga em hipóteses de rescisão sem justo motivo por iniciativa do representado.

Caráter compensatório

Essa cláusula de indenização, ressaltou a ministra, possui caráter compensatório, de forma que seu pagamento antecipado configura burla à Lei 4.886/1965. Para Nancy Andrighi, caso a sociedade representada quisesse evitar o pagamento em parcela única, deveria ter efetuado o depósito dos valores em conta vinculada de sua titularidade, mantida para esse fim específico.

"O pagamento antecipado da indenização poderia, ademais, gerar a inusitada e indesejada situação de, na hipótese de rescisão que não impõe dever de indenizar (fora do alcance do artigo 27, "j" da Lei 4.886/1965, portanto), a parte que mereceu proteção especial do legislador – o representante comercial – se ver obrigada a, ao término do contrato, ter de restituir o montante recebido a título compensatório, circunstância que, a toda evidência, não se coaduna com os objetivos da norma legal" – concluiu a ministra ao declarar nula a cláusula que previa o pagamento antecipado e condenar a empresa representada ao pagamento da indenização.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.831.947 - PR (2019/0239968-7)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : LEKE REPRESENTACOES COMERCIAIS LTDA
ADVOGADOS : STELA MARLENE SCHWERZ E OUTRO(S) - PR018802
SILVIA ELISABETH NAIME ELIAS - PR017121
ANDRÉ LUIZ RAMOS DE CAMARGO - PR029192
CAMILA DA COSTA ALBUQUERQUE - PR053422
RECORRIDO : PINCEIS ATLAS SA
ADVOGADOS : ÂNGELA MAGALI DA SILVA - RS040955
JENNY LETICIA ATZ SAN MARTIN E OUTRO(S) - RS050385
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. RESCISÃO
UNILATERAL IMOTIVADA PELA REPRESENTADA. INDENIZAÇÃO. ART. 27, “J”,
DA LEI 4.886/65. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE PREVÊ PAGAMENTO
ANTECIPADO ACRESCIDO ÀS COMISSÕES MENSAIS. ILEGALIDADE. FORMA DE
PAGAMENTO QUE NÃO SE COADUNA COM O CONCEITO DE INDENIZAÇÃO.
1. Ação ajuizada em 4/12/2013. Recurso especial interposto em 5/9/2018.
Conclusão ao Gabinete em 20/8/2019.
2. O propósito recursal é definir se o pagamento antecipado da indenização,
devida ao representante comercial por ocasião da rescisão injustificada do
contrato pelo representado, viola o art. 27, “j”, da Lei 4.886/65.
3. A Lei 4.886/65, em seu art. 27, “j”, estabelece que o representante deve
ser indenizado caso o contrato de representação comercial seja rescindido
sem justo motivo por iniciativa do representado.
4. O pagamento antecipado, em conjunto com a remuneração mensal
devida ao representante comercial, desvirtua a finalidade da indenização
prevista no art. 27, “j”, da Lei 4.886/65, pois o evento, futuro e incerto, que
autoriza sua incidência é a rescisão unilateral imotivada do contrato.
5. Essa forma de pagamento subverte o próprio conceito de indenização.
Como é sabido, o dever de reparar somente se configura a partir da prática
de um ato danoso. No particular, todavia, o evento que desencadeou tal
dever não havia ocorrido – nem era possível saber se, de fato, viria a
ocorrer – ao tempo em que efetuadas as antecipações mensais.
6. O princípio da boa-fé impede que as partes de uma relação contratual
exercitem direitos, ainda que previstos na própria avença de maneira
formalmente lícita, quando, em sua essência, esse exercício representar
deslealdade ou gerar consequências danosas para a contraparte.
7. A cláusula que extrapola o que o ordenamento jurídico estabelece como
padrão mínimo para garantia do equilíbrio entre as partes da relação
contratual deve ser declarada inválida.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr.
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, divergindo do voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi,
por maioria, dar provimento ao recurso especial, com observação, nos termos do voto da
Sra. Ministra Relatora. Vencidos os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura
Ribeiro. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino e Marco Aurélio Bellizze votaram
com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 10 de dezembro de 2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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