É válida concessão de drawback a empresa que participa de licitação internacional de organização privada

É válida concessão de drawback a empresa que participa de licitação internacional de organização privada

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o regime aduaneiro de drawback pode ser concedido a empresa que participa de licitação internacional realizada por organização privada. Para o colegiado, a definição de licitação internacional compatível com o drawback incidente no fornecimento de bens voltados para o mercado interno é a do artigo 3º da Lei 11.732/2008, afastando-se a regência da Lei 8.666/1993.

O drawback, nas palavras da relatora do caso, ministra Regina Helena Costa, "constitui um regime aduaneiro especial, nas modalidades previstas nos incisos do artigo 78 do Decreto-Lei 37/1966 – isenção, suspensão e restituição de tributos –, podendo ser definido como um incentivo à exportação, consubstanciado na desoneração do processo de produção, com vista a tornar a mercadoria nacional mais competitiva no mercado global".

Benefício anulado

A controvérsia que levou à decisão da Primeira Turma teve origem em processo administrativo instaurado por requisição do Ministério Público da União no âmbito do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – atualmente absorvido pelo Ministério da Economia –, que declarou a nulidade de ato concessório de drawback, em desfavor de consórcio privado.

No ato anulatório, a União alegou que a licitação internacional foi realizada por entidade não sujeita ao regime da Lei 8.666/1993, que não houve divulgação do certame no exterior e que o edital não se manifestou acerca do benefício fiscal, infringindo o disposto nos artigos 44, parágrafo 1º, 55, X, e 65 da Lei 8.666/1993. Houve recurso administrativo, e ficou afastada a apontada carência de publicidade da contratação no exterior, mas o ato anulatório foi mantido com base nas outras questões.

Previsão em edital

O consórcio ajuizou ação anulatória, e o juiz de primeiro grau deferiu medida de urgência para a suspensão do ato administrativo impugnado, a qual foi confirmada pela sentença. A decisão foi mantida em segunda instância, sob o fundamento de que, por se tratar de licitação realizada no âmbito privado e regida por edital elaborado pelo consórcio financiador do projeto, não seria necessária a previsão a respeito do regime aduaneiro diferenciado.

O tribunal entendeu ainda que o amplo conceito de "licitação internacional" previsto no artigo 3º da Lei 11.732/2008, por se tratar de norma expressamente interpretativa, deveria retroagir, nos termos do artigo 106, I, do Código Tributário Nacional (CTN).

Significado e abrangência

No recurso ao STJ, a União alegou que a expressão "licitação internacional" está ligada às licitações públicas realizadas sob a regência da Lei 8.666/1993, não englobando licitações feitas por empresas privadas, de forma que só os procedimentos licitatórios de entidades públicas fariam jus ao regime de drawback.

Afirmou ainda que o significado e a abrangência do termo "licitação" devem ser interpretados de acordo com o direito vigente à época dos fatos, sendo a Lei 11.732/2008, posterior ao ajuizamento da ação em análise, inaplicável ao ato administrativo contestado.

Por fim, asseverou estar equivocada a interpretação do tribunal de origem para a expressão "licitação internacional", pois resulta na impossibilidade de retroação de seus efeitos, prevista no artigo 106, inciso I, do CTN.

Finalidade do benefício

Em seu voto, a relatora na Primeira Turma lembrou que a Lei 8.032/1990, que dispõe sobre a isenção e redução de impostos em importação, disciplinou a aplicação do regime aduaneiro especial especificamente para as operações que envolvam o fornecimento de máquinas e equipamentos para o mercado interno.

Regina Helena Costa destacou que, nos termos da Lei 11.732/2008, licitação internacional é aquela realizada tanto por pessoas jurídicas de direito público quanto por pessoas jurídicas de direito privado do setor público e do setor privado.

Para a ministra, o legislador, ao conceituar o termo na Lei 11.732/2008, foi mais abrangente do que na Lei de Licitações, "encampando, além das licitações realizadas no âmbito da administração pública, os certames promovidos pelo setor privado, o que, por conseguinte, prestigia e reforça a própria finalidade do benefício fiscal em tela".

"A definição de licitação internacional amoldável ao regime aduaneiro do drawback incidente no fornecimento de bens voltados ao mercado interno é aquela estampada no artigo 3º da Lei 11.732/2008, por expressa previsão legal, refutando-se a regência pela Lei 8.666/1993", declarou a relatora.

Paridade

A magistrada ressaltou que adotar conclusão diversa afrontaria o artigo 173, parágrafo 2º, da Constituição, que prevê a paridade entre as empresas estatais e os agentes econômicos particulares. "Caso o regime fiscal especial do artigo 5º da Lei 8.032/1990 se limitasse ao âmbito das licitações públicas, estar-se-ia concedendo benefício exclusivo ao Estado enquanto agente econômico", afirmou.

Quanto à aplicabilidade da lei no tempo, Regina Helena Costa explicou que o padrão do ordenamento pátrio é que as leis projetem seus efeitos para o futuro, excepcionados os casos previstos no artigo 106 do CTN, que em seu inciso I prevê a aplicação da lei a ato ou fato pretérito "em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados".

"O preceito constante do artigo 3º da Lei 11.732/2008 ostenta indiscutível caráter interpretativo, limitando-se a elucidar o sentido e alcance de expressão constante de outra – artigo 5º da Lei 8.032/1990 –, sem impor nenhuma inovação ou modificação no regime especial de tributação nela disciplinado, razão pela qual, em que pese tenha entrado em vigor após o ajuizamento da ação anulatória em tela (15/02/2007), é perfeitamente aplicável à situação concreta ora analisada."

Por fim, a relatora sublinhou que a aplicação retroativa da lei tributária, nas hipóteses do artigo 106 do CTN, ocorre de forma direta, sem necessidade de previsão nesse sentido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.715.820 - RJ (2017/0324376-0)
RELATORA : MINISTRA REGINA HELENA COSTA
RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL
RECORRIDO : CONSÓRCIO LUMMUS ANDRÔMEDA
AGRAVANTE : CONSÓRCIO LUMMUS ANDRÔMEDA
ADVOGADOS : LEONARDO ALFRADIQUE MARTINS E OUTRO(S) - RJ098995
HORACIO VEIGA DE ALMEIDA NETO - RJ124159
GABRIELE MONTEIRO GALDINO - RJ163306
FELIPE SANTOS COSTA - RJ156380
ANA PAULA MAIA SOTO - RJ176268
AGRAVADO : FAZENDA NACIONAL
EMENTA
ADMINISTRATIVO. ADUANEIRO. PROCESSO CIVIL. CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. RECURSO ESPECIAL E
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
VALOR IRRISÓRIO. LEI N. 8.032/1990. DRAWBACK EM OPERAÇÕES
DE FORNECIMENTO DE MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS AO
MERCADO INTERNO. LICITAÇÕES INTERNACIONAIS. CONCEITO
PARA EFEITO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO FISCAL. LEI N.
11.732/2008. INCIDÊNCIA. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA
NO TEMPO. LEI EXPRESSAMENTE INTERPRETATIVA. ART. 106, I, DO
CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. EXCEPCIONAL APLICAÇÃO
RETROATIVA. ANULAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO IMPUGNADO.
I – Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em
09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do
provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo
Civil de 1973.
I – A reavaliação do critério de apreciação equitativa adotada pelo tribunal de
origem para a fixação da verba honorária esbarra no óbice da Súmula 7/STJ,
ressalvadas apenas as hipóteses excepcionais de valor irrisório ou
excessivo.
III – Consideradas as peculiaridades do caso concreto, bem assim os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, irrisória a verba honorária
fixada no acórdão recorrido. Restabelecimento do percentual definido na
sentença.
IV – O drawback constitui um regime aduaneiro especial, nas modalidades
previstas nos incisos do art. 78 do Decreto-lei n. 37/1966 – isenção,
suspensão e restituição de tributos, podendo ser conceituado como incentivo
à exportação, consubstanciado na desoneração do processo de produção,
com vista a tornar a mercadoria nacional mais competitiva no mercado
global.
V – A Lei n 8.032/1990 disciplinou a aplicação do regime de
drawback-suspensão (art. 78, II, do Decreto-Lei n. 37/1966), especificamente
às operações que envolvam o fornecimento de máquinas e equipamentos
para o mercado interno. Por sua vez, a Lei n. 11.732/2008 revela o conceito
de “licitação internacional” lançado no art. 5º da Lei n. 8.032/1990,
subjetivamente mais abrangente do que aquele constante do art. 42 da Lei n.
8.666/1993, encampando, além das licitações realizadas no âmbito da
Administração Pública, os certames promovidos pelo setor privado, o que,
por conseguinte, prestigia e reforça a própria finalidade do benefício fiscal em
comento. Inteligência do art. 173, § 2º, da Constituição da República.
VI – O padrão em nosso ordenamento jurídico é o de que as leis projetem
seus efeitos para o futuro. Não obstante, o art. 106 do CTN estatui as
excepcionais hipóteses nas quais a lei tributária aplica-se ao passado, dentre
elas, quando a lei for expressamente interpretativa.
VII – O art. 3º da Lei n. 11.732/2008 ostenta caráter interpretativo,
limitando-se a elucidar o sentido e alcance de expressão constante de outra –
art. 5º da Lei n. 8.032/1990, sem impor qualquer inovação ou modificação
no regime especial de tributação nela disciplinado, razão pela qual, em que
pese tenha entrado em vigor após o ajuizamento da ação anulatória em tela,
é perfeitamente aplicável à situação concreta ora analisada.
VIII – Agravo do contribuinte conhecido e provido seu recurso especial.
Recurso Especial da União não provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de
Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial da União e
conhecer do agravo da contribuinte para dar provimento ao seu recurso
especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros
Gurgel de Faria (Presidente), Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito
Gonçalves e Sérgio Kukina votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Assistiu ao julgamento o Dr. HORACIO VEIGA DE ALMEIDA
NETO, pela parte RECORRIDA/AGRAVANTE: CONSÓRCIO LUMMUS
ANDRÔMEDA.
Brasília (DF), 10 de março de 2020 (Data do Julgamento)
MINISTRA REGINA HELENA COSTA
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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