Encomendar drogas, mesmo sem a entrega efetiva, configura crime de tráfico

Encomendar drogas, mesmo sem a entrega efetiva, configura crime de tráfico

Por se tratar de crime de conteúdo variado, basta a prática de uma das 18 condutas relacionadas no artigo 33 da Lei 11.343/2006 para que haja a consumação do tráfico de drogas.

Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proveu recurso do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) para estabelecer que o delito ocorreu na sua forma consumada no caso de quatro homens processados por tráfico – três que encomendaram entorpecentes para vender no estabelecimento em que estavam presos e um que intermediou a compra.

Denúncia anônima

Eles foram condenados em primeiro grau, após terem adquirido a droga para vendê-la no centro de reeducação de Campo Belo (MG). No entanto, a droga foi apreendida antes da entrega, graças a uma denúncia anônima, segundo a qual um mototáxi levaria a substância acondicionada em produtos de higiene.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) entendeu que os réus não cometeram o crime, pois sua consumação teria sido impedida pela apreensão. Para o TJMG, a intenção, ainda que traduzida em algum ato preparatório, não pode ser punida, pois os detentos e o intermediário da compra não tiveram a posse dos entorpecentes.

No recurso ao STJ, o MPMG argumentou que o simples ajuste de vontades – quando da encomenda da droga pelos três detentos – já constituiu conduta abrangida pelo verbo "adquirir". Quanto ao intermediário, o órgão ministerial alegou que a sua conduta estaria abarcada pelos verbos "oferecer", "fornecer", "preparar" e "remeter", pois também teria sido responsável por acondicionar a substância nas embalagens de produtos de higiene.

Crime unissubsistente

O relator do recurso, ministro Rogerio Schietti Cruz, explicou que o crime descrito no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006 é unissubsistente, "de maneira que a realização da conduta esgota a concretização do delito". Para ele, é inconcebível falar em meros atos preparatórios.

Além disso – acrescentou –, não é necessário, para a configuração do delito, que a substância entorpecente seja encontrada em poder do acusado ou que ela tenha sido efetivamente entregue ao seu destinatário final.

Ao citar precedentes do STJ, o ministro ressaltou que, para haver a consumação do ilícito, basta a prática de uma das 18 condutas relacionadas ao tráfico de drogas: importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer.

Ajuste de vontades

Para Rogerio Schietti, em razão da multiplicidade de verbos nucleares previstos na lei (crime de ação múltipla ou de conteúdo variado), é inequívoca a conclusão de que o delito ocorreu na forma consumada, na modalidade "adquirir" em relação aos acusados que já estavam presos, e nas modalidades "oferecer", "fornecer", "preparar" e "remeter" no caso do intermediário.

O relator lembrou que a fundamentação do MPMG está na mesma linha da jurisprudência do STJ: o simples ajuste de vontades sobre o objeto, quando da encomenda da droga, basta para constituir a conduta abrangida pelo verbo "adquirir".

"Raciocínio semelhante é empregado naqueles casos em que há interceptação da droga que seria remetida do Brasil, pela via postal, para o exterior, hipóteses em que este Superior Tribunal também entende não haver falar em tentativa, mas em crime de tráfico de drogas consumado", afirmou.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.384.292 - MG (2013/0168404-8)
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS
GERAIS
RECORRIDO : WAGNER NAZARÉ FERNANDES (PRESO)
RECORRIDO : PAULO JOSÉ DA SILVA
RECORRIDO : ROGER OLIVEIRA RODRIGUES
RECORRIDO : EMERSON ROMERO DA SILVA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS
GERAIS
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ATOS
MERAMENTE PREPARATÓRIOS. NÃO CONFIGURAÇÃO.
CONSUMAÇÃO DO CRIME. DELITO UNISSUBSISTENTE.
RECURSO PROVIDO.
1. O crime descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 é
unissubsistente, de maneira que a realização da conduta esgota a
concretização do delito. Inconcebível se falar, por isso mesmo, em
meros atos preparatórios.
2. É desnecessária, para a configuração do delito previsto no art. 33,
caput, da Lei n. 11.343/2006, que a substância entorpecentes seja
encontrada em poder do acusado ou que haja a efetiva tradição ou
entrega da substância entorpecente ao seu destinatário final. Basta a
prática de uma das dezoito condutas relacionadas a drogas para que
haja a consumação do ilícito penal. Precedentes.
3. Em razão da multiplicidade de verbos nucleares previstos no art.
33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (crime de ação múltipla ou de
conteúdo variado), inequívoca a conclusão de que o delito ocorreu
em sua forma consumada, na modalidade "adquirir" em relação aos
acusados Wagner, Paulo e Roger e nas modalidades "oferecer",
"fornecer", "preparar" e "remeter" em relação a Emerson. Vale dizer,
antes mesmo da apreensão do entorpecente no estabelecimento
prisional, o delito já havia se consumado em relação a Wagner, Paulo
e Roger com o "adquirir" (no caso, 1,98 g de crack, 3,07 g de
cocaína e 20,58 g de maconha), sem autorização ou em desacordo
com determinação legal ou regulamentar. De igual forma, o delito
também se consumou em relação a Emerson, pois, ainda que os
entorpecentes não houvessem sido encontrados com ele, este
acusado ficou responsável por intermediar a compra das drogas,
"oferecendo-as" aos outros acusados, bem como por "prepará-las"
nas embalagens de material de higiene a serem entregues no presídio.
4. Recurso provido, nos termos do voto do relator.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, dar provimento ao
recurso ordinário, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis Júnior
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.
Brasília, 10 de março de 2020
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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