Rescisória não permite analisar violação de lei não apontada pelo autor, mesmo em caso de ordem pública

Rescisória não permite analisar violação de lei não apontada pelo autor, mesmo em caso de ordem pública

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso por entender que a ação rescisória fundada na violação a literal dispositivo de lei não permite ao seu julgador analisar matéria estranha àquela apontada na petição inicial, mesmo que a questão seja de ordem pública.

O colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) para julgar improcedente a ação rescisória ajuizada contra sentença favorável a um pedido de adjudicação de imóvel, objeto de contrato de compra e venda.

A empresa autora da rescisória alegou violação dos artigos 332, 382 e 397 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, sustentando que a negativa do pedido de produção de provas quanto a uma suposta simulação de compra e venda do imóvel justificaria a rescisão da sentença.

O TJRN julgou o pedido procedente, desconstituiu a sentença e determinou o prosseguimento da ação de adjudicação para discutir a eventual simulação de compra e venda – questão de ordem pública –, garantida a produção de provas.

Ônus do requerente

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso no STJ, explicou que a indicação de violação a literal dispositivo de lei é ônus do requerente, já que constitui a causa de pedir da rescisória e vincula o exercício da jurisdição pelo órgão competente para apreciá-la – no caso, o TJRN.

Segundo a ministra, não é possível ao julgador da rescisória examinar a decisão rescindenda para saber se teriam sido violados na sua literalidade outros dispositivos de lei, além daqueles apontados pelo autor do pedido.

Assim, o julgador da ação rescisória fundada no artigo 485, V, do CPC/1973 fica vinculado aos dispositivos de lei apontados na petição inicial como violados, e não pode examinar outras matérias – ainda que de ordem pública –, "sob pena de transformar a ação rescisória em mero sucedâneo recursal".

Limite ultrapassado

Ela lembrou que a rescisória proposta pela empresa está fundada na previsão do inciso V do artigo 485 do CPC/1973, tendo como causa de pedir as alegadas violações aos artigos 332, 382 e 397 do código.

Apesar disso, destacou, o juízo rescindente foi baseado no reconhecimento de que a sentença proferida na ação de adjudicação transgrediu literal disposição do artigo 303 do antigo CPC.

"Na hipótese dos autos, o juízo rescindente promovido pelo tribunal de origem ultrapassou os limites das causas de pedir deduzidas pelo autor na presente ação rescisória, além de não ter observado que o indeferimento da produção probatória e o julgamento antecipado da lide foram devidamente fundamentados", afirmou Nancy Andrighi.

A relatora considerou que o indeferimento da produção de provas na ação de adjudicação do imóvel foi fundamentado pelo juiz e que não houve cerceamento de defesa ou violação dos dispositivos indicados.

Exaurimento de instância

Apesar do provimento do recurso especial, a ministra rejeitou o argumento da recorrente em relação à necessidade de exaurimento de instância como pré-requisito da ação rescisória.

"Ainda que, na hipótese concreta, a requerente não tenha interposto apelação da sentença rescindenda, essa circunstância, por si mesma, não representa óbice ao cabimento da ação rescisória", disse Nancy Andrighi.

O fato de não ter sido interposto algum recurso cabível – acrescentou, citando precedentes –, ou de tal recurso não ter invocado determinado dispositivo legal, não impede o exame de mérito da rescisória, "pois o essencial para tanto é que a decisão rescindenda tenha incidido em alguma das hipóteses de rescindibilidade previstas no artigo 485 do CPC/1973 – vigente à época do trânsito em julgado".

RECURSO ESPECIAL Nº 1.663.326 - RN (2017/0067009-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : TDC DISTRIBUIDORA DE COMBUSTIVEIS S.A
ADVOGADOS : EDGLAY DOMINGUES BEZERRA - PB009999
ANNE KARINE GUIMARÃES DE SOUTO MAIOR MELO - PE017503
JOSÉ EVANDRO LACERDA ZARANZA FILHO E OUTRO(S) - RN003850
MARCELO VIEIRA FERNANDES - PE022289
CLEHILTON DA SILVA FRANÇA NETO - PE031093
JOSÉ DE CASTRO MEIRA - DF042503
FELIPE ARNT AMENO - RN014536
RECORRIDO : S.R MEDEIROS E CIA LTDA
ADVOGADOS : FELIPE AUGUSTO CORTEZ MEIRA DE MEDEIROS - RN003640
RENATA DANTAS COSTA BORGES DE MELLO E OUTRO(S) - RN004107
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA.
EXCEPCIONALIDADE. HIPÓTESES. TAXATIVIDADE. EXAURIMENTO DE
INSTÂNCIA. PRESCINDIBILIDADE. ART. 485, V, DO CPC/73. LITERAL
VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL. INDICAÇÃO DA NORMA VIOLADA. ÔNUS
DO AUTOR. CAUSA DE PEDIR. TRIBUNAL. VINCULAÇÃO. JULGAMENTO
ANTECIPADO. PRODUÇÃO DE PROVA. INDEFERIMENTO MOTIVADO.
REAPRECIAÇÃO. INVIABILIDADE. JUÍZO RESCINDENTE. LIMITES.
EXTRAPOLAÇÃO. SUCEDÂNEO RECURSAL. CARACTERIZAÇÃO.
1. Ação rescisória, pautada no art. 485, V, do CPC/ 73, por meio da qual, por
alegada violação literal dos arts. 332, 382 e 397 do CPC/73, se pretende
desconstituir sentença que julgou parcialmente procedente ação
adjudicatória de imóvel, objeto de contrato de compra e venda.
2. Recurso especial interposto em: 10/11/2016; conclusos ao gabinete em:
20/12/2017; aplicação do CPC/15.
3. A correção de vícios por meio da ação rescisória é medida excepcional,
cabível nos limites das hipóteses taxativas de rescindibilidade previstas no
art. 485 do CPC/73, em homenagem à proteção constitucional à coisa
julgada e ao princípio da segurança jurídica. Precedente.
4. Como se trata de via processual própria para a desconstituição da coisa
julgada, que corresponde à preclusão máxima do sistema processual, o
exaurimento de instância no processo rescindendo não é um dos
pressupostos para a ação rescisória, tampouco a preclusão consumativa é
obstáculo ao seu processamento. Precedente.
5. Ainda que, na hipótese concreta, a requerente não tenha interposto
apelação da sentença rescindenda – que, julgou antecipadamente a lide e
indeferiu a produção de prova por ela requerida –, essa circunstância, por si
mesma, não representa óbice ao cabimento da ação rescisória.

6. A rescisória fundada no art. 485, V, do CPC/73, pressupõe a demonstração
clara e inequívoca de que a decisão de mérito impugnada contrariou a
literalidade do dispositivo legal suscitado, atribuindo-lhe interpretação
jurídica absurda, teratológica ou insustentável, não alcançando a
reapreciação de provas ou a análise da correção da interpretação de
matéria probatória.
7. A indicação do dispositivo de lei violado é ônus do requerente, haja vista
constituir a causa de pedir da ação rescisória, vinculando, assim, o exercício
da jurisdição pelo órgão competente para sua apreciação.
8. Não é possível ao Tribunal, a pretexto da iniciativa do autor, reexaminar
toda a decisão rescindenda, para verificar se nela haveria outras violações à
lei não alegadas pelo demandante, mesmo que se trate de questão de ordem pública.
9. O juiz é o destinatário final das provas, a quem cabe avaliar sua efetiva
conveniência e necessidade, advindo daí a possibilidade de indeferimento
fundamentado das diligências inúteis ou meramente protelatórias, em juízo
cuja revisão demanda a reapreciação do conjunto fático dos autos. Precedentes.
10. Na hipótese dos autos, o juízo rescindente promovido pelo Tribunal de
origem ultrapassou os limites das causas de pedir deduzidas pelo autor na
presente ação rescisória, além de não ter observado que o indeferimento da
produção probatória e o julgamento antecipado da lide foi devidamente
fundamentado.
11. O acolhimento da pretensão de desconstituição da sentença transitada
em julgado acarretou, portanto, a utilização da ação rescisória como
sucedâneo recursal.
12. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial
nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram
com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 11 de fevereiro de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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