Equívoco na denominação do recurso não impede análise do mérito

Equívoco na denominação do recurso não impede análise do mérito

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou o princípio da instrumentalidade das formas para possibilitar a análise de um recurso que, embora fosse adequado para a impugnação pretendida e tivesse preenchido os pressupostos de admissibilidade, foi interposto com a denominação equivocada.

Na origem – em processo que não tramitou em juizado especial cível –, uma empresa de materiais de construção entrou com ação de obrigação de fazer cumulada com compensação de danos morais contra uma empresa de telefonia móvel, após a operadora ter realizado a portabilidade de quatro linhas telefônicas sem a autorização da autora.

A sentença considerou o pedido procedente e determinou a desconstituição da portabilidade, condenando a telefônica ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais. O acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) deu provimento ao recurso inominado da empresa de telefonia e afastou o pagamento da indenização.

No recurso especial, a empresa requerente alegou que o recurso cabível seria a apelação, e que o TJSC não poderia ter aplicado o princípio da fungibilidade para conhecer e analisar o recurso inominado, ante o erro grosseiro da empresa de telefonia. A empresa de materiais de construção também buscou restabelecer a condenação por danos morais, alegando que as linhas ficaram indisponíveis por mais de 15 dias.

Erro material

Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, o equívoco da parte em denominar a peça de interposição recursal – recurso inominado, em vez de apelação – não é suficiente para o juízo negativo de admissibilidade.

Ela explicou que é preciso aplicar a proporcionalidade e a razoabilidade na interpretação das normas procedimentais – "o que, no direito processual, consubstancia o princípio da instrumentalidade das formas, consagrado no artigo 283 e seu parágrafo único do Código de Processo Civil de 2015, que ditam que o erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados por resultarem em prejuízo à defesa de qualquer das partes".

Nesse sentido, a ministra distinguiu a instrumentalidade das formas da fungibilidade recursal, destacando que, "na situação em que se avalia a incidência da fungibilidade recursal, o recorrente, por erro plenamente justificável, interpõe o recurso utilizando os pressupostos recursais específicos de um recurso inadequado".

"A aplicabilidade da fungibilidade refere-se, pois, à hipótese em que, por equívoco, o recorrente utiliza-se de um recurso destinado à impugnação de outra espécie de decisão ou visando fim diverso daquele que lhe é próprio, utilizando-se das formalidades específicas de um recurso inadequado para recorrer da decisão que lhe fora desfavorável", explicou.

Nancy Andrighi ponderou que a interposição do recurso correto para a impugnação da decisão recorrida, com a observância de todos os pressupostos recursais inerentes à referida espécie recursal – no entanto, com nomen iuris equivocado –, não caracteriza situação submetida à fungibilidade recursal, mas à disciplina da instrumentalidade das formas, por configurar mero erro material.

De acordo com a ministra, em situações como a analisada – de flagrante erro material –, deve prevalecer a regra segundo a qual, atendidos todos os pressupostos de admissibilidade, o nome atribuído ao recurso é "irrelevante para o conhecimento da irresignação".

Dano moral

Sobre a ocorrência do dano moral, Nancy Andrighi destacou trechos do julgamento do TJSC que analisou o caso e concluiu que não houve provas de que a empresa de construção teve algum prejuízo à sua honra objetiva por não ter os telefones disponíveis no período.

A relatora apontou que o tribunal estadual julgou de acordo com a orientação do STJ, no sentido de que o dano moral da pessoa jurídica precisa de provas, pois "é impossível ao julgador avaliar a existência e a extensão de danos morais supostamente sofridos pela pessoa jurídica sem qualquer tipo de comprovação, apenas alegando sua existência a partir do cometimento do ato ilícito pelo ofensor (in re ipsa)".

"Desse modo, não havendo adequada demonstração da existência de danos à honra objetiva sofridos pela recorrente, deve ser mantido o afastamento da condenação à compensação de dano moral, que, para as pessoas jurídicas, não pode ser considerado uma intrínseca decorrência do ato ilícito", finalizou a ministra.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.822.640 - SC (2019/0181962-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : EMILL COMERCIO DE MATERIAL DE CONSTRUCAO E TRANSPORTES
EIRELI
ADVOGADO : ANDREIA CORSO DISSEGNA - SC028657
RECORRIDO : TIM CELULAR S.A
ADVOGADOS : THAIS DE MELO YACCOUB - RJ121599
PRISCILA CALVO GONÇALVES - SP287659
FELIPE GAZOLA VIEIRA MARQUES - PR078823
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO
INOMINADO. APELAÇÃO. DENOMINAÇÃO. EQUÍVOCO. ERRO MATERIAL.
INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. INCIDÊNCIA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE
SERVIÇO. PORTABILIDADE DE LINHA TELEFÔNICA MÓVEL.
RESPONSABILIDADE CIVIL. ÔNUS DA PROVA. PREQUESTIONAMENTO.
AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 52 DO
CC/02. HONRA OBJETIVA. LESÃO A VALORAÇÃO SOCIAL, BOM NOME,
CREDIBILIDADE E REPUTAÇÃO. PROVA. INDISPENSABILIDADE.
1. Ação de obrigação de fazer cumulada com compensação de danos
morais, devido à transferência, por portabilidade, das linhas telefônicas
móveis da recorrente, pessoa jurídica, independentemente de seu prévio
pedido ou autorização.
2. Recurso especial interposto em: 04/04/2019; conclusos ao gabinete em:
02/07/2019; aplicação do CPC/15.
3. O propósito recursal consiste em determinar se: a) em processo que não
tramita nos juizados especiais cíveis, o recurso inominado pode ser recebido
como apelação; e b) configurada falha na prestação de serviço de telefonia,
o dano moral da pessoa jurídica depende de prova do abalo
extrapatrimonial.
4. Como o processo é instrumento para a realização de certos fins, se, de um
lado, é preciso que seu rigorismo seja observado com vistas a se oferecer
segurança jurídica e previsibilidade à atuação do juiz e das partes; de outro,
a estrita observância das regras processuais deve ser abrandada pela
razoabilidade e proporcionalidade.
5. No Direito Processual, a razoabilidade e a proporcionalidade
consubstanciam o princípio da instrumentalidade das formas, consagrado no
art. 283, caput e seu parágrafo único, do CPC/15.
6. A aplicação do princípio da fungibilidade pressupõe que, por erro
justificado, a parte tenha se utilizado de recurso inadequado para impugnar
a decisão recorrida e que, apesar disso, seja possível extrair de seu recurso
a satisfação dos pressupostos recursais do recurso apropriado.

7. O equívoco da parte em denominar a peça de interposição recursal – recurso inominado, em vez de apelação – não é suficiente para o não
conhecimento da irresignação se atendidos todos os pressupostos recursais
do recurso adequado, como ocorreu na espécie.
8. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como
violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o
conhecimento do recurso especial.
9. Os danos morais dizem respeito à atentados à parte afetiva (honra
subjetiva) e à parte social da personalidade (honra objetiva).
10. Embora as pessoas jurídicas possam sofrer dano moral, nos termos da
Súmula 227/STJ, a tutela da sua personalidade restringe-se à proteção de
sua honra objetiva, a qual é vulnerada sempre que os ilícitos afetarem seu
bom nome, sua fama e reputação.
11. É impossível ao julgador avaliar a existência e a extensão de danos
morais supostamente sofridos pela pessoa jurídica sem qualquer tipo de
comprovação, apenas alegando sua existência a partir do cometimento do
ato ilícito pelo ofensor (in re ipsa). Precedentes.
12. Na hipótese dos autos, a Corte de origem consignou não ter havido prova
de que o erro na prestação do serviço de telefonia afetou o funcionamento
da atividade exercida pela recorrente ou sua credibilidade no meio em que
atua, não tendo ficado, assim, configurada a ofensa à honra objetiva da
recorrente.
13. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.
14. Recurso especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso
especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram
com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 12 de novembro de 2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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