Empresa estrangeira pode ser citada por meio de entreposto no Brasil mesmo que aspecto de filial não esteja claro

Empresa estrangeira pode ser citada por meio de entreposto no Brasil mesmo que aspecto de filial não esteja claro

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) homologou decisão do tribunal de Roterdã, na Holanda, a favor da Cocamar Cooperativa Agroindustrial por entender que é regular a citação da pessoa jurídica estrangeira por meio de seu entreposto no Brasil, ainda que não seja formalmente a mesma pessoa jurídica, agência ou filial.

A Cocamar obteve na justiça holandesa uma sentença favorável contra a Crossports Mercantile Incorporated para que esta fornecesse documentos, prestasse contas e, ao final, pagasse valores devidos de um contrato de compra e venda de suco de laranja congelado.

Ao contestar a homologação da sentença no STJ, a Crossports alegou que não tem sede nem ativos no Brasil, tampouco participação societária em empresa brasileira. Segundo a empresa, a citação feita no processo à empresa estrangeira Amicorp Management Limited – diretora da Crossports – não era válida.

A exigência de uma citação específica, segundo o ministro Benedito Gonçalves, relator do processo, é impossível de ser cumprida em diversos casos, justificando uma interpretação finalística da regra disposta no inciso X do artigo 75 do Código de Processo Civil (CPC).

"Exigir que a qualificação daquele por meio do qual a empresa estrangeira será citada seja apenas aquela formalmente atribuída pela citanda inviabilizaria a citação no Brasil daquelas empresas estrangeiras que pretendessem evitar sua citação, o que importaria concordância com prática processualmente desleal do réu e imposição ao autor de óbice injustificado para o exercício  do  direito fundamental de acesso à ordem jurídica justa", explicou.

Citação facilitada

Ele destacou que a regra especial prevista no CPC para as pessoas jurídicas estrangeiras tem por finalidade facilitar a citação no Brasil sempre que ela tiver gerente, representante ou administrador de filial, agência ou sucursal no Brasil.

"Isso porque é normalmente mais fácil citar a pessoa jurídica estrangeira por meio de sua 'filial, agência ou sucursal' brasileira do que por meio de seus diretores encontráveis, em regra, apenas no exterior", explicou o relator.

No caso analisado, Benedito Gonçalves destacou que a Amicorp do Brasil se apresenta como uma empresa de representação do grupo Amicorp, sendo lógica a conclusão de que ela é um entreposto da diretora (Amicorp) da Crossports, sendo plenamente capaz de receber a citação validamente, nos termos do artigo 75, incisos VIII e X do CPC.

O ministro disse que a forma como de fato a pessoa jurídica estrangeira se apresenta no Brasil é circunstância que deve ser levada em conta para se considerar regular a citação da pessoa jurídica estrangeira por meio de seu entreposto no Brasil, "notadamente se a empresa estrangeira atua de fato no Brasil por meio de parceira identificada como representante dela, ainda que não seja formalmente a mesma pessoa jurídica, ou pessoa jurídica formalmente criada como filial".

Segundo o relator, preenchidos os requisitos legais, impõe-se a homologação da sentença estrangeira, "não cabendo ao STJ o exame de matéria pertinente ao mérito, salvo para, dentro de estreitos limites, verificar eventual ofensa à ordem pública e à soberania nacional – o que não é o caso".

HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA Nº 410 - EX (2017/0061034-6)
RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
REQUERENTE : COCAMAR COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL
ADVOGADO : GABRIEL PIVATTO DOS SANTOS E OUTRO(S) - PR061820
REQUERIDO : CROSSPORTS MERCANTILE INC
ADVOGADOS : FLÁVIO LUIZ YARSHELL - SP088098
GUSTAVO PACÍFICO - SP184101
REPR. POR : AMICORP DO BRASIL LTDA
ADVOGADO : CAROLINA PASCHOLINI E OUTRO(S) - SP329321
EMENTA
SENTENÇA ESTRANGEIRA. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO. INTERESSE
PROCESSUAL E LEGITIMIDADE ATIVA. PENDÊNCIA DE DEMANDA NO
JUDICIÁRIO BRASILEIRO. PARTE NO PROCESSO ESTRANGEIRO.
JURISDIÇÃO BRASILEIRA PARA A INTERNALIZAÇÃO. PRESENTAÇÃO,
REPRESENTAÇÃO E REGULARIDADE DA CITAÇÃO DA PESSOA
JURÍDICA ESTRANGEIRA PARA RESPONDER À DEMANDA NO BRASIL.
PRESSUPOSTOS POSITIVOS E NEGATIVOS. ARTIGOS 15 E 17 DA LEI DE
INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. ARTIGOS 963 A
965 DO CPC/2015. ARTS. 216-C, 216-D E 216-F DO RISTJ.
1. Hipótese em que o Tribunal de Roterdã apreciou demanda formulada por PARANÁ
CITRUS INTERNATIONAL IMPORT AND EXPORT CORPORATION e
COCAMAR COOPERATIVA AGROINDUSTRUAL ("razão social anterior: PARANÁ
CITRUS S/A") em face de CROSSPORTS MERCANTILE INC. e reconvenção desta
em face daquelas. Examinada a relação contratual entre as partes, o tribunal holandês
concluiu que CROSSPORTS foi a primeira a descumprir o contrato e, por isso, foi
condenada a apresentar documentos, prestar contas e pagar quantias.
2. Ainda que CROSSPORTS tenha sido condenada a pagar quantias em favor de
PARANÁ INTERNATIONAL e não de COCAMAR, esta tem legitimidade ativa e
interesse processual na homologação pretendida, uma vez que a internalização das
sentenças estrangeiras é necessária para que tenha eficácia no Brasil (art. 961 do
CPC/2015) e, assim, possa ser oposta como defesa no processo aforado por
CROSSPORTS e OSCAR em Maringá-PR em face de COCAMAR. Ademais, a
pretensão formulada no processo estrangeiro por CROSSPORTS em sede de reconvenção
foi rejeitada pela sentença homologanda; tal improcedência, para ter eficácia no Brasil,
depende de homologação pelo STJ.
3. O único Poder Judiciário com jurisdição para internalizar comandos jurisdicionais
estrangeiros com o fim de que eles possam produzir efeitos no Brasil é o Poder
Judiciário brasileiro, por meio do Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 105, I, "i",
da Constituição da República e do art. 961 do CPC/2015.
4. CROSSPORTS é pessoa jurídica estrangeira, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas. À
época dos fatos examinados pela sentença homologanda (1999/2001), CROSSPORTS
tinha como Diretor a pessoa física OSCAR HUNOLD LARA e como procuradores, além
de OSCAR, sua esposa RENATE MADER e a pessoa jurídica CITROEX COMÉRCIO,
IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA., que tinha como sócios OSCAR e RENATE.
5. Em documento juntado por CROSSPORTS em execução por ela ajuizada em Bragança
Paulista-SP, verifica-se que seu Diretor foi OSCAR de 1995 a 2003 e, a partir de 2003, sua
Diretora passou a ser "Amicorp Management Limited", pessoa jurídica estrangeira cujo
endereço - nas Ilhas Virgens Britânicas - era o mesmo de CROSSPORTS.
6. No início de 2007, OSCAR e CROSSPORTS (representada por Oscar e por
CITROEX) ajuizaram em Maringá-PR demanda em face de CITROEX, referindo já na
inicial a existência do processo que viria a culminar com as sentenças homologandas.
7. No fim de 2007 venceram as procurações por prazo certo (de dois anos) que
CROSSPORTS havia outorgado a RENATE e a CITROEX. Em 06/11/2007
CROSSPORTS outorgou nova procuração para OSCAR representá-la, com previsão de
que expiraria em 06/11/2009. Ainda que tal contrato de mandato tenha se prorrogado de
forma tácita (art. 656 do CC), extinguiu-se com a morte de OSCAR em 2015 (art. 682, II,
do CC).
8. Correspondência remetida a credores de CROSSPORTS foi juntada por COCAMAR
aos autos e dá conta de que CROSSPORTS teria entrado em liquidação e, até aquela data
(2015), sua Diretora é a pessoa jurídica "Amicorp Management Limited".
9. As pessoas jurídicas em geral são representadas em juízo "por quem seus atos
constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores" (art. 75,
VIII, do CPC.
10. Com o fim de facilitar a comunicação dos atos processuais às pessoas jurídicas
estrangeiras no Brasil, o art. 75, X, do CPC prevê que a pessoa jurídica estrangeira é
representada em juízo "pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência
ou sucursal aberta ou instalada no Brasil" e o parágrafo 3º do mesmo artigo estabelece que
o "gerente de filial ou agência presume-se autorizado pela pessoa jurídica estrangeira a
receber citação para qualquer processo".
11. Considerando-se que a finalidade destes dispositivos legais é facilitar a citação da
pessoa jurídica estrangeira no Brasil, tem-se que as expressões "filial, agência ou sucursal"
não devem ser interpretadas de forma restritiva, de modo que o fato de a pessoa jurídica
estrangeira atuar no Brasil por meio de empresa que não tenha sido formalmente
constituída como sua filial ou agência não impede que por meio dela seja regularmente
efetuada sua citação.
12. Exigir que a qualificação daquele por meio do qual a empresa estrangeira será citada
seja apenas aquela formalmente atribuída pela citanda inviabilizaria a citação no Brasil
daquelas empresas estrangeiras que pretendessem evitar sua citação, o que importaria
concordância com prática processualmente desleal do réu e imposição ao autor de óbice
injustificado para o exercício do direito fundamental de acesso à ordem jurídica justa.
13. A forma como de fato a pessoa jurídica estrangeira se apresenta no Brasil é
circunstância que deve ser levada em conta para se considerar regular a citação da pessoa
jurídica estrangeira por meio de seu entreposto no Brasil, notadamente se a empresa
estrangeira atua de fato no Brasil por meio de parceira identificada como representante
dela, ainda que não seja formalmente a mesma pessoa jurídica ou pessoa jurídica
formalmente criada como filial.
14. No caso dos autos, a ré CROSSPORTS tem como única Diretora a empresa
estrangeira "Amicorp Management Limited". O grupo Amicorp, por sua vez, apresenta-se
como grupo presente em dezenas de países, onde fornece diversos serviços capazes de
atender aos interesses daquelas empresas que o contratam. A contestante "Amicorp do
Brasil Ltda.", por sua vez, se apresenta como uma "empresa de representação do Grupo
Amicorp" (https://www.amicorp.es/offices/sao-paulo). De conseguinte, "Amicorp do Brasil
Ltda." deve ser compreendida como um entreposto no Brasil da Diretora (Amicorp) da ré
CROSSPORTS, capaz de receber a citação em nome da ré CROSSPORTS, validamente,
nos termos do art. 75, VIII e X do CPC/2015.
15. Nos termos dos artigos 15 e 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,
963 a 965 do Código de Processo Civil e artigos 216-C, 216-D e 216-F do Regimento
Interno do Superior Tribunal de Justiça, que, atualmente, disciplinam o procedimento de
homologação de sentença estrangeira, constituem requisitos indispensáveis ao deferimento
da homologação, os seguintes: (i) instrução da petição inicial com o original ou cópia
autenticada da decisão homologanda e de outros documentos indispensáveis; (ii) haver sido
a sentença proferida por autoridade competente; (iii) terem as partes sido regularmente
citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; (iv) ter a sentença eficácia no país em
que proferida; (v) não ofender "a soberania, a dignidade da pessoa humana e/ou ordem
pública".
16. Preenchidos os requisitos legais, impõe-se a homologação da sentença estrangeira, não
cabendo ao Superior Tribunal de Justiça o exame de matéria pertinente ao mérito, salvo
para, dentro de estreitos limites, verificar eventual ofensa à ordem pública e à soberania
nacional, o que não é o caso.
17. Hipótese em que aqueles que foram partes no processo estrangeiro puderam participar
em contraditório e as sentenças homologandas examinaram fundamentadamente as
alegações das partes.
18. Sentenças estrangeiras homologadas.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os
Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, deferir o pedido de
homologação das sentenças estrangeiras, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Humberto
Martins, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe
Salomão e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Licenciado o Sr. Ministro Felix Fischer.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Brasília (DF), 20 de novembro de 2019(Data do Julgamento).
MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
Presidente
MINISTRO BENEDITO GONÇALVES
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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