É ilícita a prova obtida em revista íntima fundada em critérios subjetivos

É ilícita a prova obtida em revista íntima fundada em critérios subjetivos

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que são ilegais as provas obtidas por meio de revista íntima realizada em presídio com base em elementos subjetivos ou meras suposições acerca da prática de crime. Para o colegiado, tal conduta contraria o direito à dignidade, à intimidade e à inviolabilidade corporal.

A decisão foi tomada em recurso interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra decisão do Tribunal de Justiça que absolveu uma ré do crime de tráfico de drogas por entender que a prova contra ela foi colhida em revista íntima realizada sem fundadas razões.

A corte gaúcha aplicou por analogia a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 603.616, no qual se concluiu que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial só é legítimo – a qualquer hora do dia ou da noite – quando houver fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem a ocorrência de flagrante delito no interior da residência.

A acusada foi flagrada com 45,2 gramas de maconha ao tentar ingressar no presídio para visitar seu companheiro. Segundo os autos, ela foi submetida a revista íntima porque um telefonema anônimo levantou a hipótese de que poderia estar traficando drogas.

Dignidade

Em seu voto, o relator do recurso na Sexta Turma, ministro Rogerio Schietti Cruz, lembrou que o procedimento de revista íntima – que por vezes é realizado de forma infundada, vexatória e humilhante – viola tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil, além de contrariar recomendações de organismos internacionais.

"É inarredável a afirmação de que a revista íntima, eventualmente, constitui conduta atentatória à dignidade da pessoa humana (um dos pilares do nosso Estado Democrático de Direito), em razão de, em certas ocasiões, violar brutalmente o direito à intimidade, à inviolabilidade corporal e à convivência familiar entre visitante e preso", disse o ministro.

Schietti citou resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça, que exige que a revista pessoal seja feita com o uso de equipamentos eletrônicos (como detectores de metais, aparelhos de raios X e escâner corporal) e proíbe qualquer forma de revista que atente contra a integridade física ou psicológica dos visitantes.

Citou ainda a Lei Federal 13.271/2016, que proíbe revista íntima de funcionárias nos locais de trabalho e trata da revista íntima em ambiente prisional.

Direito à segurança

O relator também lembrou que, por outro lado, o Estado tem o dever de preservar a segurança dos detentos e dos que precisam entrar nos estabelecimentos penais e, "em sentido mais amplo, o próprio direito social à segurança pública".

"Registro que a segurança nos presídios é um dever em relação ao qual o Estado não pode renunciar, devendo ele ser desempenhado com a eficiência indispensável e adequada à magnitude dos direitos envolvidos, tais como o da segurança pública", afirmou.

A falta de disciplina expressa na legislação federal acerca do tema, de acordo com o ministro, deixou aos estados a regulamentação das visitas íntimas em seus presídios, sendo que, em alguns, o procedimento foi proibido pelo próprio Poder Executivo, enquanto em outros foi vedado por decisões judiciais.

Schietti destacou também que a questão da ilicitude da prova obtida em revista íntima em presídio se encontra pendente de julgamento pelo STF (ARE 959.620, com repercussão geral).

Quanto à regulamentação no Rio Grande do Sul, o ministro ressaltou que há portaria determinando que "todos os visitantes, independentemente da idade, somente poderão ingressar nos estabelecimentos prisionais após serem submetidos a uma revista pessoal e minuciosa, e também a uma revista íntima, se necessário ou mediante fundada suspeita".

Colisão e ponderação

Diante da colisão entre dois direitos fundamentais – de um lado, a intimidade, a privacidade e a dignidade; de outro, a segurança –, o relator afirmou que a solução do caso requer o uso da técnica da ponderação, aliada ao princípio da proporcionalidade.

"O próprio Supremo Tribunal Federal reconhece a técnica da ponderação como instrumento de solução de conflitos de interesses embasados em proteção de nível constitucional. Já decidiu a Corte Suprema que a proporcionalidade é um método geral de solução de conflito entre princípios protegidos pela Constituição", declarou.

Ao analisar as circunstâncias da prisão, o relator concordou com o entendimento do tribunal de segunda instância, ressaltando que, após o telefonema anônimo às agentes penitenciárias, não foi realizada nenhuma diligência, e "não houve nenhum outro elemento suficiente o bastante para demonstrar a imprescindibilidade da revista".

Schietti assinalou que a denúncia anônima, por si só, não configura fundada razão para justificar a revista íntima. Diferentemente seria se a ré tivesse sido submetida a equipamento eletrônico capaz de identificar o porte de arma ou drogas.

"Ademais, esclareço que nem sequer houve registro documental dessa 'denúncia anônima' feita ao estabelecimento prisional (quando, por qual meio etc.), o que torna absolutamente impossível de controle a própria existência da notícia", concluiu.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.695.349 - RS (2017/0230844-7)
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
RECORRIDO : RAFAELA VIEIRA DA LUZ
RECORRIDO : ISRAEL FERREIRA MACHADO
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. REVISTA
ÍNTIMA. ILICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. RECURSO NÃO
PROVIDO.
1. A acusada foi submetida à realização de revista íntima com base,
tão somente, em uma denúncia anônima feita ao presídio no dia dos
fatos informando que ela tentaria entrar no presídio com drogas, sem
a realização, ao que tudo indica, de outras diligências prévias para
apurar a veracidade e a plausibilidade dessa informação.
2. No caso, houve apenas "denúncia anônima" acerca de eventual
traficância praticada pela ré, incapaz, portanto, de configurar, por si
só, fundadas suspeitas a autorizar a realização de revista íntima.
3. Se não havia fundadas suspeitas para a realização de revista na
acusada, não há como se admitir que a mera constatação de situação
de flagrância – localização, no interior da vagina, de substância
entorpecente (45,2 gramas de maconha) –, posterior à revista,
justifique a medida, sob pena de esvaziar-se o direito constitucional à
intimidade, à honra e à imagem do indivíduo.
4. Em que pese eventual boa-fé dos agentes penitenciários, não havia
elementos objetivos e racionais que justificassem a realização de
revista íntima. Eis a razão pela qual são ilícitas as provas obtidas por
meio da medida invasiva, bem como todas as que delas decorreram
(por força da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada), o que
impõe a absolvição dos acusados, por ausência de provas acerca da
materialidade do delito.
5. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Sexta Turma, por unanimidade, negar provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro, Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior
votaram com o Sr. Ministro Relator.
Dr(a). DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL, pela parte RECORRIDA: ISRAEL FERREIRA MACHADO
Brasília, 08 de outubro de 2019
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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