Reconhecida usucapião extraordinária de veículo furtado após 20 anos de uso por terceiro

Reconhecida usucapião extraordinária de veículo furtado após 20 anos de uso por terceiro

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial do proprietário de um caminhão furtado ao reconhecer a aquisição por usucapião extraordinária em favor de um terceiro, que comprou o veículo de boa-fé e exerceu a posse sobre ele por mais de 20 anos.

O recurso teve origem em ação de reintegração de posse do terceiro adquirente contra o proprietário original, cujo caminhão foi furtado em 1988 e recuperado em 2008. Até ser apreendido, o veículo estava em posse do terceiro, que o comprou de uma pessoa que aparentava ser o dono, por meio de financiamento bancário, e obteve registro no departamento de trânsito, além do licenciamento regular.

O pedido de reintegração foi julgado improcedente em primeiro grau, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais deu provimento à apelação, ao entendimento de que houve usucapião extraordinária pelo terceiro. No recurso especial, o proprietário original do caminhão sustentou que a proteção possessória deveria ser deferida àquele que provasse a propriedade do veículo e que não seria possível a usucapião em razão da detenção de bem furtado.

Usucapião extraordinária

O relator no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, lembrou que a Terceira Turma, em acórdão anterior à vigência do Código Civil de 2002, concluiu não ser admissível a usucapião ordinária de veículo furtado, pois a posse a título precário jamais poderia ser transformada em justa, mesmo que o possuidor usucapiente fosse terceiro que desconhecesse a origem dessa posse.

No entanto, para o ministro, o caso em análise amplia o debate, pois trata da possibilidade de aquisição da propriedade de bem móvel por usucapião extraordinária e sua incidência sobre bem objeto de furto.

O relator afirmou que a posse é protegida pelo direito por traduzir a manifestação exterior do direito de propriedade. "Esta proteção prevalecerá, sobrepondo-se ao direito de propriedade, caso se estenda por tempo suficiente previsto em lei, consolidando-se a situação fática que é reconhecida pela comunidade, sem se perquirir sobre as causas do comportamento real do proprietário", disse.

Além do transcurso do prazo de prescrição aquisitiva, observou Bellizze, a legislação estabelece tão somente que a posse deve ser exercida de forma contínua e sem oposição, conforme os artigos 1.260 e 1.261 do Código Civil de 2002.

"Nos termos do artigo 1.261, aquele que exercer a posse de bem móvel, ininterrupta e incontestadamente, por cinco anos, adquire a propriedade originária, fazendo sanar todo e qualquer vício anterior", lembrou o relator.

"Nota-se que não se exige que a posse exercida seja justa, devendo-se atender o critério de boa-fé apenas nas hipóteses da usucapião ordinária, cujo prazo para usucapir é reduzido", afirmou.

Início da posse

O relator destacou que o artigo 1.208 do Código Civil estabelece que a posse não é induzida por atos violentos ou clandestinos, passando a contar após a cessação de tais vícios. De acordo com ele, o furto é equiparado ao vício da clandestinidade, enquanto o roubo, ao da violência.

"Nesse sentido, é indiscutível que o agente do furto, enquanto não cessada a clandestinidade ou escondido o bem subtraído, não estará no exercício da posse, caracterizando-se assim a mera apreensão física do objeto furtado. Daí porque, inexistindo a posse, também não se dará início ao transcurso do prazo de usucapião", disse ao destacar que, uma vez cessada a violência ou a clandestinidade, a apreensão física do bem induzirá a posse.

O ministro concluiu que não é suficiente que o bem sub judice seja objeto de crime contra o patrimônio para se generalizar o afastamento da usucapião. Para ele, é imprescindível que se verifique, nos casos concretos, se a situação de clandestinidade cessou, especialmente quando o bem furtado é transferido a terceiros de boa-fé.

"As peculiaridades do caso concreto, em que houve exercício da posse ostensiva de bem adquirido por meio de financiamento bancário com emissão de registro perante o órgão público competente, ao longo de mais de 20 anos, são suficientes para assegurar a aquisição do direito originário de propriedade, sendo irrelevante se perquirir se houve a inércia do anterior proprietário ou se o usucapiente conhecia a ação criminosa anterior a sua posse", afirmou Bellizze.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.637.370 - RJ (2015/0265063-0)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : HER DISON PUTINI
ADVOGADO : LEANDRO JOSE TEIXEIRA SIMAO E OUTRO(S) - RJ068151
RECORRIDO : JOSE MANOEL PACHECO
ADVOGADO : ANDREW WILSON FARIA VIEIRA - RJ152469
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA DE BEM MÓVEL.
PRESSUPOSTOS DE DIREITO MATERIAL. BOA-FÉ IRRELEVANTE. VEÍCULO FURTADO.
OBJETO HÁBIL. AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. Recurso no qual se discute a possibilidade de aquisição da propriedade de bem móvel
furtado por terceiro que o adquiriu de boa-fé e exerceu a posse ininterrupta e
incontestadamente por mais de 20 (vinte) anos.
2. A usucapião é instituto destinado a dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como
consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio, de modo que, entre os requisitos
materiais, não há nenhuma menção à conduta ou inércia do proprietário. Doutrina.
3. Nos termos do art. 1.261 do CC/2002, aquele que exercer a posse de bem móvel,
interrupta e incontestadamente, por 5 (cinco) anos, adquire a propriedade originária do bem,
fazendo sanar todo e qualquer vício anterior.
4. A apreensão física da coisa por meio de clandestinidade (furto) ou violência (roubo)
somente induz a posse após cessado o vício (art. 1.208 do CC/2002), de maneira que o
exercício ostensivo do bem é suficiente para caracterizar a posse mesmo que o objeto tenha
sido proveniente de crime.
5. As peculiaridades do caso concreto, em que houve exercício da posse ostensiva de bem
adquirido por meio de financiamento bancário com emissão de registro perante o órgão
público competente, ao longo de mais de 20 (vinte) anos, são suficientes para assegurar a
aquisição do direito originário de propriedade, sendo irrelevante se perquirir se houve a
inércia do anterior proprietário ou se o usucapiente conhecia a ação criminosa anterior à sua posse.
6. Recurso especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, negar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Vencida a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Votaram com o Sr. Ministro Relator os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de
Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva.
Brasília, 10 de setembro de 2019 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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