STJ decide que tabela da OAB não é obrigatória para advogado dativo em processo penal
Sob o rito dos recursos repetitivos, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) modificou a jurisprudência do tribunal e decidiu que não é obrigatório observar os valores da tabela do Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para fixar os honorários devidos ao defensor dativo nomeado para atuar em processos criminais.
O colegiado fixou quatro teses a respeito da controvérsia, cadastrada como Tema 984:
1 – As tabelas de honorários elaboradas unilateralmente pelos Conselhos Seccionais da OAB não vinculam o magistrado no momento de arbitrar o valor da remuneração a que faz jus o defensor dativo que atua no processo penal; servem como referência para o estabelecimento de valor que seja justo e que reflita o labor despendido pelo advogado;
2 – Nas hipóteses em que o juiz da causa considerar desproporcional a quantia indicada na tabela da OAB em relação aos esforços despendidos pelo defensor dativo para os atos processuais praticados poderá, motivadamente, arbitrar outro valor;
3 – São, porém, vinculativas, quanto aos valores estabelecidos para os atos praticados por defensor dativo, as tabelas produzidas mediante acordo entre o poder público, a Defensoria Pública e a seccional da OAB;
4 – Dado o disposto no artigo 105, parágrafo único, II, da Constituição da República, possui caráter vinculante a Tabela de Honorários da Justiça Federal, assim como tabelas similares instituídas, eventualmente, pelos órgãos competentes das Justiças dos Estados e do Distrito Federal, na forma dos artigos 96, I, e 125, parágrafo 1º, parte final, da Constituição da República.
Mudança de entendimento
Um dos recursos representativos da controvérsia foi interposto por um advogado contra acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que arbitrou seus honorários como defensor dativo em R$ 660, ao entendimento de que a tabela da OAB seria apenas referencial. Para o advogado, o pagamento do serviço deveria ser vinculado ao que dispõe o artigo 22, parágrafos 1° e 2°, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB).
O ministro relator dos repetitivos, Rogerio Schietti Cruz, explicou que a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de reconhecer como vinculativa, para os honorários do defensor dativo, a tabela do Conselho Seccional da OAB. No entanto, ressaltou que esse entendimento foi estabelecido em precedentes proferidos em meados de 2003 – há mais de 15 anos, portanto.
Para ele, a superação dessa orientação "é justificada pela relevante necessidade de definição de critérios mais isonômicos de fixação dos honorários, e menos onerosos aos cofres públicos, sem prejuízo da necessidade de assegurar a dignidade da advocacia e o acesso à Justiça pelos hipossuficientes".
Segundo o ministro, essa constatação é reforçada pela existência de diversos dispositivos legais e atos normativos que estabelecem tabelas distintas, cada qual com um valor de honorários. Citou como exemplo a Resolução 305/2014 do Conselho da Justiça Federal, em que os valores estabelecidos para os advogados dativos são inferiores aos previstos nas diferentes tabelas das seccionais da OAB. Schietti observou ainda que as turmas que compõem a Primeira e a Segunda Seções do STJ alinham-se à orientação de que a tabela organizada pela OAB não é vinculativa.
Interesse público
De acordo com o ministro, a indicação de advogado dativo, conforme o artigo 22, parágrafo 1°, do Estatuto da OAB, resulta em arbitramento de honorários àquele profissional, os quais devem ser suportados pelo Estado – ente político ao qual incumbe o dever de assistência judiciária.
O relator observou que não há uniformidade nos critérios para a produção das tabelas fornecidas pelas diversas entidades estaduais representativas dos advogados, o que resulta em valores díspares. Por exemplo, disse que o valor previsto para uma única impetração de habeas corpus é de R$ 11 mil em Santa Catarina e de R$ 5 mil no Amapá.
Para o ministro, nesse tipo de situação não deve prevalecer a lógica do mercado ou dos interesses profissionais e privados, mas, sim, a do direito público, porque, "ao atuar como defensor dativo, o advogado age sob um múnus público, na defesa do hipossuficiente, sujeitando-se, pois, às limitações e princípios que informam qualquer atividade pública".
Condição sui generis
Schietti explicou que artigo 22 do Estatuto da OAB assegura, seja por contrato ou por fixação judicial, a contraprestação econômica indispensável à sobrevivência digna do advogado, tratando o primeiro parágrafo da hipótese de defensores dativos – aos quais devem ser fixados os honorários segundo a tabela organizada pela seccional da OAB – e o segundo parágrafo das situações em que não há estipulação contratual dos honorários convencionais, de modo que a fixação deve se dar por arbitramento judicial.
Segundo o ministro, a condição sui generis da relação estabelecida entre o advogado e o Estado – não só por se tratar de particular em colaboração com o poder público, mas também por decorrer de determinação judicial – implica a existência, ainda que transitória, de vínculo que o condiciona à prestação de uma atividade em benefício do interesse público.
"A utilização da expressão 'segundo tabela organizada', prevista no primeiro parágrafo, deve ser entendida como referencial, na medida em que não se pode impor à administração o pagamento de remuneração com base em tabela produzida unilateralmente por entidade representativa de classe de natureza privada, como contraprestação de serviços oferecidos, fora das hipóteses legais de contratação pública", declarou o ministro.
Para ele, a expressão "não podendo ser inferiores", contida no parágrafo segundo, tem o objetivo de resguardar a pretensão do advogado particular que não ajustou o valor devido pela prestação dos seus serviços.
"Tudo isso a reforçar a percepção – a meu sentir bem clara – de que, sob qualquer formato (convencional, por arbitramento, por sucumbência), os honorários não podem se distanciar de critérios de razoabilidade e, mais ainda quando envolvem dinheiro público, critérios de economicidade", afirmou. Dessa forma, o relator concluiu que a tabela da OAB deve servir como referencial para o magistrado extrair o valor a ser estipulado como honorários do profissional que colabora com a Justiça criminal.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.656.322 - SC (2017/0041330-0)
RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ
RECORRENTE : JOSE LUIZ RODRIGUES CARLOS
ADVOGADO : RENATO BOABAID - DEFENSOR DATIVO - SC026371
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA
CATARINA
INTERES. : ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL CONSELHO
FEDERAL - "AMICUS CURIAE"
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO SOB O RITO DOS
RECURSOS REPETITIVOS. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS DE
DEFENSOR DATIVO INDICADO PARA ATUAR EM
PROCESSO PENAL. SUPERAÇÃO JURISPRUDENCIAL
(OVERRULING). NECESSIDADE. VALORES PREVISTOS NA
TABELA DA OAB. CRITÉRIOS PARA PRODUÇÃO DAS
TABELAS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 22, § 1º E 2º, DO
ESTATUTO CONSENTÂNEA COM AS CARACTERÍSTICAS
DA ATUAÇÃO DO DEFENSOR DATIVO. INEXISTÊNCIA DE
VINCULAÇÃO DA TABELA PRODUZIDA PELAS
SECCIONAIS. TESES FIXADAS. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO.
1. É possível, e mesmo aconselhável, submeter o precedente a
permanente reavaliação e, eventualmente, modificar-lhe os
contornos, por meio de alguma peculiaridade que o distinga
(distinguishing), ou que o leve a sua superação total (overruling) ou
parcial (overturning), de modo a imprimir plasticidade ao Direito,
ante as demandas da sociedade e o dinamismo do sistema jurídico.
2. O entendimento da Terceira Seção do STJ sobre a fixação dos
honorários de defensor dativo demanda uma nova compreensão – a
exemplo do que já ocorre nas duas outras Seções da Corte –,
sobretudo para que se possa imprimir consistência e racionalidade
sistêmica ao ordenamento, fincadas na relevante necessidade de
definição de critérios mais isonômicos e razoáveis de fixação dos
honorários, os quais, fundamentais para dar concretude ao acesso de
todos à justiça e para conferir dignidade ao exercício da Advocacia,
devem buscar a menor onerosidade possível aos cofres públicos.
3. Se a prestação de serviços públicos em geral depende da
transferência de recursos obtidos da sociedade, é impositivo que tal
captação se submeta a uma gestão orçamentária específica de gastos,
que deverá ser orientada, sobretudo, pelos próprios princípios
administrativos limitativos (entre os quais a economicidade e do
equilíbrio das contas).
4. Há que se compatibilizar o postulado constitucional de
universalização do acesso ao Judiciário, previsto no art. 5º, LXXIV
–precipuamente quando o patrocínio do hipossuficiente é feito pela
Defensoria Pública (art. 134 da CF) – com as hipóteses em que a
própria deficiência estrutural dessa instituição obriga o Estado a
socorrer-se de defensores dativos, situação em que ainda há
prevalência do interesse público, isto é, do bem comum que se
sobrepõe ao individual.
5. A inexistência de critérios para a produção das tabelas fornecidas
pelas diversas entidades representativas da OAB das unidades
federativas acaba por resultar na fixação de valores díspares pelos
mesmos serviços prestados pelo advogado. Além disso, do confronto
entre os valores indicados nas tabelas produzidas unilateralmente pela
OAB com os subsídios mensais de um Defensor Público do Estado
de Santa Catarina, constata-se total descompasso entre a
remuneração por um mês de serviços prestados pelo Defensor
Público e o que perceberia um advogado dativo, por atuação
específica a um ou outro ato processual.
6. É indiscutível, ante a ordem constitucional vigente, que a atuação
do defensor dativo é subsidiária à do defensor público. Não obstante,
essa não é a realidade de muitos Estados da Federação, nos quais a
atuação da advocacia dativa é francamente majoritária, sobretudo
pelas inúmeras deficiências estruturais que ainda acometem as
Defensorias Públicas. Nesse cenário, a relevância da participação da
advocacia é reconhecida não só por constituir função indispensável à
administração da justiça, mas também por ser elemento essencial
para dar concretude à garantia fundamental de acesso à justiça. Tal
situação, ao mesmo tempo que assegura a percepção de honorários
pelos profissionais que atuam nessa qualidade, impõe equilíbrio e
razoabilidade em sua quantificação.
7. O art. 22 do Estatuto da OAB assegura, seja por determinação em
contrato, seja por fixação judicial, a contraprestação econômica
indispensável à sobrevivência digna do advogado, hoje considerada
pacificamente como verba de natureza alimentar (Súmula Vinculante
n. 47 do STF). O caput do referido dispositivo trata, de maneira
geral, do direito do advogado à percepção dos honorários. O
parágrafo primeiro, por sua vez, cuida da hipótese de defensores
dativos, aos quais devem ser fixados os honorários segundo a tabela
organizada pela Seccional da OAB. Já o parágrafo segundo abarca as
situações em que não há estipulação contratual dos honorários
convencionais, de modo que a fixação deve se dar por arbitramento
judicial.
8. A condição sui generis da relação estabelecida pelo advogado e o
Estado, não só por se tratar de particular em colaboração com o
Poder Público, mas também por decorrer de determinação judicial, a
fim de possibilitar exercício de uma garantia fundamental da parte,
implica a existência, ainda que transitória, de vínculo que o
condiciona à prestação de uma atividade em benefício do interesse
público. Em outras palavras, a hipótese do parágrafo primeiro
abrange os casos em que não é possível celebrar, sem haver previsão
legal, um contrato de honorários convencionais com o Poder Público.
O parágrafo segundo, por sua vez, compreende justamente os casos
em que, a despeito de possível o contrato de honorários
convencionais, tal não se dá, por qualquer motivo.
9. O arbitramento judicial é a forma de se mensurarem, ante a
ausência de contratação por escrito, os honorários devidos. Apesar
da indispensável provocação judicial, não se confundem com os
honorários de sucumbência, porquanto não possuem natureza
processual e independem do resultado da demanda proposta.
Especificamente para essa hipótese é que o parágrafo segundo prevê,
diversamente do que ocorre com o parágrafo primeiro, que os
valores a serem arbitrados não poderão ser inferiores aos previstos
nas tabelas da Seccionais da OAB. Assim, há um tratamento
explicitamente distinto para ambos os casos.
10. A utilização da expressão "segundo tabela organizada", prevista
no primeiro parágrafo do art. 22 do Estatuto da OAB, deve ser
entendida como referencial, visto que não se pode impor à
Administração o pagamento de remuneração com base em tabela
produzida unilateralmente por entidade representativa de classe de
natureza privada, como contraprestação de serviços prestados, fora
das hipóteses legais de contratação pública. Já a expressão "não
podendo ser inferiores", contida no parágrafo segundo, objetiva
resguardar, no arbitramento de honorários, a pretensão do advogado
particular que não ajustou o valor devido pela prestação dos serviços
advocatícios.
11. A contraprestação por esses serviços deve ser justa e
consentânea com o trabalho desenvolvido pelo advogado, sem perder
de vista que o próprio Código de Ética e Disciplina da OAB prevê,
em seu art. 49, que os honorários profissionais devem ser fixados
com moderação, levando em conta os diversos aspectos que orbitam
o caso concreto. O referido dispositivo estabelece alguns critérios
para conferir maior objetividade à determinação dos honorários,
considerando elementos como a complexidade da causa e sua
repercussão social, o tempo a ser empregado, o valor da causa, a
condição econômica do cliente, a competência e a expertise do
profissional em assuntos análogos. A intenção de se observarem
esses critérios é a de que os honorários sejam assentados com
razoabilidade, sem serem módicos a ponto de aviltarem a nobre
função advocatícia, nem tampouco serem exorbitantes de modo a
onerarem os cofres públicos e, consequentemente, a sociedade.
12. Na mesma linha se encontram as diretrizes preconizadas pelo
Código de Processo Civil (art. 85, §§ 2º e 6º, do CPC), que, ao tratar
de forma mais abrangente os honorários, prestigia o direito do
advogado de receber a devida remuneração pelos serviços prestados
no processo, sempre com apoio nas nuances de cada caso e no
trabalho desempenhado pelo profissional. As balizas para o
estabelecimento dos honorários podem ser extraídas do parágrafo
segundo, o qual estabelece que caberá ao próprio juiz da demanda
fixar a verba honorária, em atenção a todos os aspectos que
envolveram a demanda. O parágrafo oitavo ainda preconiza que, "nas
causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou,
ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor
dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos
incisos do § 2º".
13. Na linha de precedentes das Seções de Direito Público, a tabela
de honorários produzida pela OAB deve servir apenas como
referencial, sem nenhum conteúdo vinculativo, sob pena de, em
alguns casos, remunerar, com idêntico valor, advogados com
diferentes dispêndios de tempo e labor, baseado exclusivamente na
tabela indicada pela entidade representativa.
14. Na hipótese, a despeito de haver levado em conta todo o trabalho
realizado e o zelo demonstrado pelo causídico, valeu-se,
exclusivamente, das normas processuais que tratam dos honorários,
sem, contudo, considerar, como referência, aqueles fixados pela
tabela da OAB. Embora não vinculativos, como realçado pelo
decisum, nos casos em que o o juiz da causa considerar
desproporcional a quantia indicada na tabela da OAB em relação aos
esforços despendidos pelo defensor dativo para os atos processuais
praticados, deverá, motivadamente, arbitrar outro valor, com a
devida indicação dessa desproporcionalidade.
15. Recurso parcialmente provido para que o Tribunal de origem
faça uma nova avaliação do quantum a ser fixado a título de
honorários, em consonância com as diretrizes expostas alhures.
16. Proposta a fixação das seguintes teses: 1ª) As tabelas de
honorários elaboradas unilateralmente pelos Conselhos Seccionais da
OAB não vinculam o magistrado no momento de arbitrar o valor da
remuneração a que faz jus o defensor dativo que atua no processo
penal; servem como referência para o estabelecimento de valor que
seja justo e que reflita o labor despendido pelo advogado; 2ª) Nas
hipóteses em que o juiz da causa considerar desproporcional a
quantia indicada na tabela da OAB em relação aos esforços
despendidos pelo defensor dativo para os atos processuais praticados,
poderá, motivadamente, arbitrar outro valor; 3ª) São, porém,
vinculativas, quanto aos valores estabelecidos para os atos praticados
por defensor dativo, as tabelas produzidas mediante acordo entre o
Poder Público, a Defensoria Pública e a seccional da OAB. 4ª) Dado
o disposto no art. 105, parágrafo único, II, da Constituição da
República, possui caráter vinculante a Tabela de Honorários da
Justiça Federal, assim como tabelas similares instituídas,
eventualmente, pelos órgãos competentes das Justiças dos Estados e
do Distrito Federal, na forma dos arts 96, I, e 125, § 1º, parte final,
da Constituição da República.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Terceira Seção, retomado o julgamento, após o
voto-vista antecipado do Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior, acompanhando a
complementação de voto do Sr. Ministro Relator, fixando diretrizes para o
estabelecimento dos honorários de defensor dativo, por unanimidade, conhecer
em parte do recurso especial e, nessa extensão, dar-lhe parcial provimento para
que o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina reavalie os honorários
arbitrados a favor do recorrente, tendo em conta as diretrizes ora fixadas, nos
termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Reynaldo Soares da
Fonseca, Ribeiro Dantas, Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik,
Laurita Vaz, Jorge Mussi e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Não participou do julgamento o Sr. Ministro Leopoldo de Arruda
Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE).
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nefi Cordeiro.
Brasília, 23 de outubro de 2019
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ