Sob o antigo Código Civil, direito de habitação do cônjuge sobrevivente também cessa com união estável

Sob o antigo Código Civil, direito de habitação do cônjuge sobrevivente também cessa com união estável

A constituição de união estável após a abertura da sucessão ocorrida na vigência do Código Civil de 1916 (CC/1916), tanto quanto um novo casamento, faz cessar o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu decisão interlocutória do juízo de primeira instância que arbitrou aluguel a ser pago aos filhos por um homem que continuou a morar no imóvel adquirido em conjunto com a esposa, morta em 1990, mesmo após ter formalizado união estável em 2000.

Pelo ineditismo da questão jurídica, o colegiado decidiu que os aluguéis serão devidos apenas a partir da data da decisão do STJ, e não da data do pedido feito em primeira instância.

Em 2013, os filhos peticionaram para que fosse arbitrado o valor de aluguel a ser pago pela ocupação do imóvel, alegando que o direito real de habitação do pai cessou com o registro da união estável. 

A decisão de primeira instância determinou o pagamento de aluguéis devido à ocupação exclusiva do imóvel integrante do espólio, em detrimento dos demais herdeiros. O pai recorreu, sustentando seu direito de habitação sobre o bem.

Sentido da lei

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) deu provimento ao agravo de instrumento com o argumento de que, sob as regras do CC/1916, o direito real de habitação somente cessaria com um novo casamento.

No recurso especial, os filhos alegaram que o TJDFT, ao entender que o estado de viuvez não cessa pela união estável – mas tão somente por novo casamento –, contrariou o sentido da norma disposta no parágrafo segundo do artigo 1.611 do CC/1916 (redação introduzida pela Lei 4.121/1962):

"Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habilitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar."

Condição resolutiva

Segundo o relator do recurso especial, ministro Marco Aurélio Bellizze, tanto o texto original do CC/1916 quanto as alterações promovidas pela Lei 4.121/1962 tinham por destinatário o viúvo do autor da herança, sujeitando os benefícios do direito real de habitação a uma condição resolutiva, já que o benefício somente seria assegurado enquanto perdurasse a viuvez.

O relator destacou que o benefício assegura o direito limitado de uso do imóvel, não podendo o cônjuge sobrevivente alugá-lo ou emprestá-lo a terceiros. Ele ressaltou que a previsão de que as faculdades inerentes ao direito de propriedade passam a integrar o patrimônio dos herdeiros legítimos no exato momento de abertura da sucessão está presente em ambos os códigos.

"Portanto, não se pode perder de vista que a própria regra do artigo 1.611, parágrafo 2º, do CC/1916, ao estipular direito real de habitação legal, restringe, inequivocamente, o exercício do direito de propriedade, de modo que a aplicação do benefício previsto no dispositivo deve respeitar uma interpretação restritiva", explicou.

Bellizze afirmou que a união estável em questão ocorreu durante vigência plena da Constituição de 1988 e da Lei 9.278/1996, ou seja, em período no qual a legislação equiparava a união estável ao casamento – o que, aliás, já era feito pelo STJ antes mesmo da inovação legislativa, segundo o ministro.

Equiparação plena

O ministro assinalou que no Código Civil de 2002 a constituição de nova família não é mais limite para o direito real de habitação, contudo essa restrição era expressa sob o código anterior e deve ser observada pelo Judiciário.

Segundo Bellizze, o importante para o recurso em julgamento é constatar que a união estável, mesmo antes do atual Código Civil, "foi sendo paulatinamente equiparada ao casamento para fins de reconhecimento de benefícios inicialmente restritos a um ou outro dos casos".

A conclusão "coerente com esse movimento legislativo e jurisprudencial" sugerida pelo relator e acompanhada pelos demais ministros do colegiado é a equiparação plena entre as consequências jurídicas advindas do casamento e da união estável também para os fins de caracterizar a efetiva implementação da condição resolutiva do direito real de habitação, nos termos do CC/1916.

"Não se sustenta a fundamentação do acórdão recorrido, que, apoiando-se em premissas de interpretação literal e restritiva, afasta a união estável, reconhecendo que o direito do cônjuge supérstite somente se extinguiria por meio da contração de novas núpcias, uma vez que a união estável não altera o estado civil do viúvo", concluiu o ministro.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.617.636 - DF (2016/0202048-0)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : MILENE FERREIRA DO SACRAMENTO LIMA
RECORRENTE : MAURICIO FERREIRA DO SACRAMENTO
RECORRENTE : MILSON FERREIRA DO SACRAMENTO
ADVOGADOS : FABRICIO COUTINHO PETRA DE BARROS - DF023012
MARCELO BATISTA DE SOUZA - DF030893
RODRIGO D'ANGELO CAVALLARI - DF031247
MAURO FERREIRA DO SACRAMENTO E OUTRO(S) - DF040520
RECORRIDO : MILTON PORTELA DO SACRAMENTO
ADVOGADO : JULIANA NUNES ESCORCIO LIMA MOURA - DF034507
INTERES. : MAURO FERREIRA DO SACRAMENTO
INTERES. : MARIANA FERREIRA DO SACRAMENTO
EMENTA
DIREITO DAS SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. SUCESSÃO ABERTA NA VIGÊNCIA DO
CÓDIGO CIVIL DE 1916. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. ART.
1.611, § 2º, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. EXTINÇÃO. CONSTITUIÇÃO DE NOVA ENTIDADE
FAMILIAR. UNIÃO ESTÁVEL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O recurso especial debate a possibilidade de equiparação da união estável ao casamento,
para fins de extinção do direito real de habitação assegurado ao cônjuge supérstite.
2. Em sucessões abertas na vigência do Código Civil de 1916, o cônjuge sobrevivente tem
direito real de habitação enquanto permanecer viúvo.
3. A atribuição do direto real de habitação consiste em garantia do direito de moradia por
meio da limitação do direito de propriedade de terceiros, uma vez que herdeiros e legatários
adquirem o patrimônio do acervo hereditário desde a abertura da sucessão, por força do
princípio da saisine.
4. Conquanto o marco para extinção fizesse referência ao estado civil, o qual somente se
alteraria pela contração de novas núpcias, não se pode perder de vista que apenas o
casamento era instituição admitida para a constituição de novas famílias.
5. Após a introdução da união estável no sistema jurídico nacional, especialmente com o
reconhecimento da família informal pelo constituinte originário, o direito e a jurisprudência
paulatinamente asseguram a equiparação dos institutos quanto aos efeitos jurídicos,
especialmente no âmbito sucessório, o que deve ser observado também para os fins de
extinção do direito real de habitação.
6. Tendo em vista a novidade do debate nesta Corte Superior, bem como a existência de um
provimento jurisdicional que favorecia o recorrido e o induzia a acreditar na legitimidade do
direito real de habitação exercido até o presente julgamento, deve o aluguel ser fixado com
efeitos prospectivos em relação à apreciação deste recurso especial.
7. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 27 de agosto de 2019 (data do julgamento).

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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