Empresa de ônibus pagará danos morais por atitude de motorista que constrangeu criança com deficiência

Empresa de ônibus pagará danos morais por atitude de motorista que constrangeu criança com deficiência

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso de uma empresa de ônibus de Fortaleza e manteve decisão que a condenou a pagar danos morais em razão de constrangimentos causados por um de seus motoristas a uma menor com deficiência. O colegiado reafirmou o entendimento de que o defeito na prestação do serviço gera a obrigação de reparar os danos causados ao consumidor, independentemente da existência de culpa.

De acordo com o processo, a menina – com oito anos na época dos fatos – tem deficiência múltipla. Acompanhada de uma tia, ela teve sua entrada pela porta dianteira do ônibus barrada pelo motorista, mesmo apresentando documento emitido pela prefeitura que lhe assegurava a gratuidade no transporte coletivo. Após a insistência de outros passageiros, o motorista permitiu a entrada da menor e da acompanhante no ônibus, mas continuou a criar constrangimentos para as duas.

Condenada pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) a pagar indenização de R$ 5 mil, a empresa interpôs recurso ao STJ negando que seu preposto teria constrangido as autoras da ação.

Novo paradigma

O relator do recurso especial, ministro Villas Bôas Cueva, afirmou que, diante dos fatos reconhecidos pelo TJCE, a prática do ato ilícito é incontroversa, configurando a má prestação do serviço de transporte, restando discutir no STJ apenas o cabimento da indenização por danos morais. 

Segundo o ministro, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com status de emenda constitucional e "estabeleceu um novo paradigma para as pessoas com deficiência, baseado no princípio da inclusão, em substituição ao princípio da integração". 

Ele observou que a Lei 13.146/2015 dedicou todo um capítulo ao direito ao transporte e à mobilidade, confirmando a necessidade de se assegurar a acessibilidade das pessoas com deficiência aos meios de transporte coletivo, como forma de promover o pleno exercício de seus direitos.

Villas Bôas Cueva citou a importância da acessibilidade da pessoa com deficiência na legislação infraconstitucional, e concluiu ser inegável que a atitude do preposto da empresa recorrente configurou defeito no serviço, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, devendo haver reparação dos danos causados, independentemente da existência de culpa.

Estereótipos

Para o ministro, a vulnerabilidade da menor, por ser do sexo feminino, potencializa o dano causado pelo preposto à sua dignidade, uma vez que, mesmo vendo o cartão que atestava a deficiência, ele continuou agindo de forma desrespeitosa, o que contribui "para a reprodução de estereótipos e estigmas relacionados às pessoas com deficiência". 

"É importante consignar que a agressão à dignidade humana da menor e de sua acompanhante está amplamente demonstrada nos autos e que atitudes como a do preposto da empresa no caso em apreço devem ser repreendidas com veemência, porque, além de ilegais, vão em sentido contrário aos esforços despendidos pelos entes públicos e privados para incluir as pessoas com deficiência de forma cada vez mais efetiva na sociedade", disse o relator.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.838.791 - CE (2018/0272682-4)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : EMPRESA DE TRANSPORTE SANTA MARIA LTDA
ADVOGADO : ANTÔNIO CLETO GOMES - CE005864
RECORRIDO : M F C DA S (MENOR)
REPR. POR : M DA C C B
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO CEARÁ
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO.
MENOR. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. TRANSPORTE COLETIVO. ACESSO.
DIFICULDADE. PREPOSTO DA EMPRESA. ATITUDE DESRESPEITOSA E
INADEQUADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. CONSTRANGIMENTO.
DANO MORAL. VALOR IRRISÓRIO. INEXISTÊNCIA
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código
de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a discutir o cabimento de indenização por danos
morais na hipótese em que preposto da empresa de transporte causa
constrangimentos para o acesso de pessoa com deficiência ao coletivo.
3. Na hipótese, alterar a conclusão da Corte de origem, que entendeu ter ficado
demonstrado o fato narrado na petição inicial, demandaria o revolvimento de
fatos e provas existentes nos autos, providência inviável em virtude do óbice da
Súmula nº 7/STJ.
4. Nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, o defeito no
serviço prestado - situação dos autos - gera a reparação dos danos causados ao
consumidor, independentemente da existência de culpa.
5. Não há como afastar a ocorrência de dano de natureza moral na hipótese em
que o preposto da empresa agiu no sentido de limitar o acesso ao coletivo da
menor com deficiência e de sua acompanhante, criando situação constrangedora
para o embarque e o transporte das duas no ônibus.
6. O Superior Tribunal de Justiça admite a modificação do montante arbitrado a
título de indenização por danos morais apenas excepcionalmente, nas hipóteses
em que configurada a insignificância ou eventual exorbitância do valor arbitrado
pelas instâncias de ampla cognição, situação que não se verifica nos autos, pois
o valor arbitrado - R$ 5.000,00 (cinco mil reais) - não é excessivo diante da
situação de extremo desrespeito a que a menor e sua acompanhante foram
submetidas.
7. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a
Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do
Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente), Nancy
Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 08 de outubro de 2019(Data do Julgamento)
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA - Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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