STJ reafirma que suspensão de atividade de pessoa jurídica tem amparo no CPP
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou entendimento de que a suspensão do exercício de atividade econômica ou financeira de pessoa jurídica tem amparo legal no artigo 319, inciso VI, do Código de Processo Penal e é medida intimamente ligada à possibilidade de reiteração delitiva e à existência de indícios de crimes de natureza financeira.
Com essa manifestação, o colegiado negou provimento ao recurso em mandado de segurança de um posto de gasolina que sofreu medida cautelar de suspensão da atividade econômica no âmbito de uma ação que investiga organização criminosa estruturada para roubar e comercializar combustíveis.
Ao analisar o pedido de suspensão da cautelar determinada pelo juízo criminal, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) disse que a medida se justificava, uma vez que o dono do posto foi denunciado como mentor da organização criminosa, responsável por roubar mais de 290 mil litros de etanol de uma usina em outubro de 2018.
O TJSP destacou que o comerciante foi preso preventivamente, e há indícios de que parte do combustível roubado era vendido no posto. Além disso, alguns dos denunciados eram empregados registrados da empresa.
No recurso ao STJ, o posto afirma que, se a pessoa jurídica não é investigada nem denunciada nos autos, pela regra da irresponsabilidade penal da pessoa jurídica ela não pode ter seu direito líquido e certo violado.
No entanto, o relator do caso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, lembrou que a jurisprudência do STJ entende que a medida possui amparo legal e pode ser determinada antes de uma sentença condenatória, pois exige apenas fortes indícios da existência de crime.
Mesmo sem denúncia
O ministro acrescentou que, dependendo do contexto dos fatos, a suspensão não exige que a empresa tenha sido objeto de denúncia criminal.
"Não há necessidade de que a pessoa jurídica tenha sido denunciada por crime para que lhe sejam impostas medidas cautelares tendentes a recuperar o proveito do crime, a ressarcir o dano causado ou mesmo a prevenir a continuação do cometimento de delitos, quando houver fortes evidências, como no caso dos autos, de que a pessoa jurídica é utilizada como instrumento do crime de lavagem de dinheiro", explicou.
Reynaldo Soares da Fonseca rebateu o argumento de que a medida de suspensão das atividades seria desnecessária em razão da prisão preventiva do dono do posto.
Segundo ele, se as atividades fossem retomadas, o proprietário poderia, em tese, mesmo preso, continuar enviando instruções para manter as operações de venda de combustível roubado, por meio de seus prepostos na empresa.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 60.818 - SP (2019/0136072-6)
RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
RECORRENTE : RODRIGUES & SENA LTDA
ADVOGADOS : ARLEI DA COSTA - SP158635
LUCAS DE OLIVEIRA PINTO E OUTRO(S) - SP391102
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
EMENTA
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
MEDIDA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES DE
POSTO DE COMBUSTÍVEIS. PROPRIETÁRIO DENUNCIADO
COMO MENTOR DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
DEDICADA AO ROUBO DE COMBUSTÍVEIS. FORTES
INDÍCIOS DE UTILIZAÇÃO DO POSTO PARA VENDA DE
PARTE DO COMBUSTÍVEL ROUBADO E LAVAGEM DE
DINHEIRO. INEXISTÊNCIA DE TERATOLOGIA NA DECISÃO
JUDICIAL APONTADA COMO COATORA. RECURSO
IMPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte vem entendendo que a suspensão do
exercício de atividade econômica ou financeira de pessoa jurídica tem
amparo legal no art. 319, VI, do CPP e está intimamente ligada à
possibilidade de reiteração delitiva e à existência de indícios de crimes
de natureza financeira.
Precedentes: RMS 55.648/TO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES
DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe
09/03/2018; AgRg no RMS 49.691/RJ, Rel. Ministra MARIA
THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em
17/12/2015, DJe 02/02/2016; HC 313.769/MS, Rel. Ministro
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em
01/10/2015, DJe 26/10/2015; RHC 72.439/DF, Rel. Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em
13/09/2016, DJe 20/09/2016; RHC 42.049/SP, Rel. Ministra
MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado
em 17/12/2013, DJe 03/02/2014.
2. Não há necessidade de que a pessoa jurídica tenha sido denunciada
por crime para que lhe sejam impostas medidas cautelares tendentes a
recuperar o proveito do crime, a ressarcir o dano por ele causado ou
mesmo a prevenir a continuação do cometimento de delitos, quando
houver fortes evidências, como no caso dos autos, de que a pessoa
jurídica é utilizada como instrumento do crime.
3. A imposição de medida cautelar de suspensão de atividade
comercial de empresa somente demanda a existência de fortes indícios
da existência de crime, sendo desnecessária prévia sentença
condenatória transitada em julgado.
4. Situação em que a decisão judicial apontada como ilegal indicou a
existência de fortes indícios de que a empresa recorrente era utilizada
para comercializar combustível roubado pela organização criminosa,
suspeita essa fortalecida pelo fato de que alguns dos integrantes da
organização constavam na folha de pagamento de empresa
transportadora de propriedade do mesmo proprietário da recorrente,
denunciado como o mentor da organização criminosa dedicada ao
roubo de combustíveis.
5. Nos termos do art. 282, § 1º, do CPP, é perfeitamente cabível a
cumulação de prisão preventiva com outras medidas cautelares, tanto
mais quando a restrição da liberdade é dirigida a pessoa física
denunciada e a medida cautelar atinge pessoa jurídica utilizada como
instrumento do crime.
6. Muito embora o art. 282, § 6º, do CPP recomende que a prisão
preventiva somente seja imposta em ultima ratio, quando não for
cabível a sua substituição por outra medida cautelar prevista no art.
319 do CPP, a recomendação não constitui impedimento de
imposição concomitante de outras medidas cautelares.
Isso não é raro, por exemplo, quando se determina a prisão preventiva
de investigados ou denunciados e o sequestro de valores ou bens de
sua propriedade, ou até mesmo de propriedade de terceiros, que se
acredita constituírem produto ou instrumento de crime.
7. Não se revela desmesurada ou desnecessária a suspensão das
atividades comerciais da empresa quando se verifica que, mesmo
preso preventivamente seu proprietário e sequestrados os caminhões
de sua empresa transportadora, nada há que impeça a continuidade da
utilização da recorrente como meio de comercialização do combustível
roubado pela organização criminosa liderada pelo seu proprietário,
eventualmente até valendo-se de outros caminhões alugados para
transportar combustível roubado, tanto mais quando a própria
recorrente admite que não depende de seu proprietário para continuar
com suas atividades, uma vez que a administração se dá (como sempre
se deu) pela gerente da empresa.
8. Recurso ordinário a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
negar provimento ao recurso em mandado de segurança. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas,
Joel Ilan Paciornik e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente,
justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.
Brasília (DF), 20 de agosto de 2019(Data do Julgamento)
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator