Cabe agravo de instrumento contra decisão interlocutória que enquadra relação jurídica e versa sobre prescrição

Cabe agravo de instrumento contra decisão interlocutória que enquadra relação jurídica e versa sobre prescrição

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o cabimento do agravo de instrumento quando a decisão interlocutória em fase de saneamento resolve sobre o enquadramento fático-normativo da relação de direito existente entre as partes e versa também sobre questão de mérito relativa à prescrição ou à decadência.

Uma empresa de transportes recorreu de julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que não conheceu de seu agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória que reconheceu a existência de relação de consumo entre as partes e, como consequência, afastou a prescrição com base na Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor – CDC).

Em sua defesa, a companhia de transporte alegou violação ao artigo 1.015, II, do Código de Processo Civil (CPC) de 2015, segundo o qual cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versem sobre o mérito do processo.

A empresa fundamentou que a definição da legislação aplicável – se o CDC ou o Código Civil – é questão de mérito, especialmente diante de sua repercussão no prazo prescricional para o ajuizamento da ação de reparação de danos, como era o caso do processo em análise.

Rol taxativo

No acórdão recorrido, o TJRJ destacou a taxatividade do artigo 1.015 do CPC/2015 e entendeu que "a decisão que entende pela existência de relação de consumo e, consequentemente, pela incidência da Lei 8.078/1990 ao caso concreto não pode ser enquadrada como interlocutória que verse sobre mérito do processo".

O tribunal afirmou ainda que, para as matérias questionadas pela empresa, o recurso cabível é a apelação, conforme estabelece o artigo 1.009, parágrafo 1º, do novo CPC.

Distinção

No STJ, a ministra relatora do recurso especial, Nancy Andrighi, ressaltou que é preciso diferenciar o mérito da questão, que trata do pedido elaborado pela parte em juízo, do enquadramento fático-normativo da causa de pedir, que é a relação jurídica subjacente ao pedido.

"As decisões interlocutórias que versam sobre o mérito do processo têm natural aptidão para a definitividade, isto é, formarão coisa julgada material se porventura não forem impugnadas imediatamente, ao passo que o enquadramento fático-normativo, em regra, é suscetível de mutação na medida em que se aprofunda a cognição judicial, podendo ser objeto de ampla modificação ou correção pelo tribunal, se necessário, por ocasião do julgamento do recurso de apelação eventualmente interposto contra a sentença que julgará o mérito do processo."

Estabilidade

A relatora reconheceu que, de fato, apesar das implicações jurídicas, o enquadramento fático-normativo de forma isolada não diz respeito ao mérito do processo.

"O enquadramento fático-normativo da relação de direito substancial havida entre as partes como sendo de natureza consumerista, por si só, não diz respeito ao mérito do processo, embora induza a uma série de consequências jurídicas que poderão influenciar o resultado da controvérsia, como, por exemplo, a possibilidade de responsabilização objetiva do fornecedor ou prestador de serviço e, também, de inversão judicial do ônus da prova."

Porém, destacou que a questão pode se tornar estável se a ela estiver associada, ou se dela depender o exame de outra questão com aptidão para a definitividade, como é o caso da prescrição, "que, pronunciada ou afastada, reconhecidamente versa sobre o mérito do processo e, como tal, pode ser acobertada pelo manto da preclusão ou da coisa julgada material se da decisão interlocutória não for interposto o respectivo recurso".

A ministra lembrou ainda que já é consolidado no STJ o entendimento de que as decisões relacionadas aos institutos da prescrição e da decadência versam sobre o mérito do processo, sendo, portanto, agraváveis nos termos do artigo 1.015, II, do CPC/2015.

Exame conjunto

Nancy Andrighi salientou que se, a partir da subsunção entre fato e norma, houver decisão sobre a existência de prescrição ou decadência, o enquadramento fático-normativo se incorpora ao mérito do processo, "pois não é possível examinar a prescrição sem que se examine, igual e conjuntamente, se a causa se submete à legislação consumerista ou à legislação civil".

"Dizer o contrário, aliás, geraria uma paradoxal situação: o exame da prescrição, objeto de decisão interlocutória anterior, deve ser impugnado por agravo de instrumento sob pena de preclusão ou fará coisa julgada material (e se tornará imutável após o esgotamento das vias recursais), mas o enquadramento fático-normativo da relação mantida entre as partes, que confere suporte à prescrição, poderia ser futuramente modificado, em julgamento de recurso de apelação."

RECURSO ESPECIAL Nº 1.702.725 - RJ (2017/0260458-1)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : TRANSPORTES AMÉRICA LTDA
ADVOGADOS : JOSÉ MARCOS GOMES JUNIOR - RJ077857
LUIZ ROBERTO MENDES DE SOUZA - RJ187061
RECORRIDO : CLAUDIO LOMBARDI CAMPOS
ADVOGADOS : FABIO DA COSTA FERREIRA JUNIOR - RJ120063
THIAGO LOMBARDI CAMPOS DA COSTA - RJ174834
EMENTA
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. DECISÃO
INTERLOCUTÓRIA QUE DEFINE COMO CONSUMERISTA A RELAÇÃO JURÍDICA
MANTIDA ENTRE AS PARTES E AFASTA A TESE DE PRESCRIÇÃO SUSCITADA
PELO RÉU. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO.
ART. 1.015, II, DO CPC/2015. MÉRITO DO PROCESSO. CONCEITO JURÍDICO
INDETERMINADO. CABIMENTO QUE ABRANGE AS DECISÕES PARCIAIS DE
MÉRITO, AS DECISÕES ELENCADAS NO ART. 487 DO CPC/2015 E AS DEMAIS
QUE DIGAM RESPEITO A SUBSTÂNCIA DA PRETENSÃO DEDUZIDA EM JUÍZO.
ENQUADRAMENTO FÁTICO-NORMATIVO DA RELAÇÃO DE DIREITO
SUBSTANCIAL. QUESTÃO NÃO RELACIONADA AO MÉRITO, SALVO SE DELA
DECORRER UMA QUESTÃO DE MÉRITO, COMO O PRAZO PRESCRICIONAL À
LUZ DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. NECESSIDADE DE EXAME CONJUNTO.
1- Ação proposta em 17/04/2015. Recurso especial interposto em
16/03/2017 e atribuído à Relatora em 18/10/2017.
2- O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base
no art. 1.015, II, do CPC/2015, contra a decisão interlocutória que, na fase
de saneamento do processo, estabelece a legislação aplicável ao deslinde da
controvérsia e afasta a prescrição com base nessa regra jurídica.
3- Embora se trate de conceito jurídico indeterminado, a decisão
interlocutória que versa sobre mérito do processo que justifica o cabimento
do recurso de agravo de instrumento fundado no art. 1.015, II, do CPC/2015,
é aquela que: (i) resolve algum dos pedidos cumulados ou parcela de único
pedido suscetível de decomposição, que caracterizam a decisão parcial de
mérito; (ii) possui conteúdo que se amolda às demais hipóteses previstas no
art. 487 do CPC/2015; ou (iii) diga respeito a substância da pretensão
processual deduzida pela parte em juízo, ainda que não expressamente
tipificada na lista do art. 487 do CPC.
4- O simples enquadramento fático-normativo da relação de direito
substancial havida entre as partes, por si só, não diz respeito ao mérito do
processo, embora induza a uma série de consequências jurídicas que
poderão influenciar o resultado da controvérsia, mas, se a partir da
subsunção entre fato e norma, houver pronunciamento judicial também

sobre questão de mérito, como é a prescrição da pretensão deduzida pela
parte, a definição da lei aplicável à espécie se incorpora ao mérito do
processo, na medida em que não é possível examinar a prescrição sem que
se examine, igual e conjuntamente, se a causa se submete à legislação
consumerista ou à legislação civil, devendo ambas as questões, na hipótese,
ser examinadas conjuntamente.
5- Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e
dar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs.
Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e
Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 25 de junho de 2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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