Afastada prescrição em ação de vigilante atingido em assalto
A Terceira Turma do Tribunal Superior afastou a prescrição em ação ajuizada em 2016 por um vigilante da Brink’s Segurança e Transporte de Valores Ltda. atingido por dois tiros num assalto ocorrido em 2006. Na decisão, o colegiado levou em conta que o quadro clínico do empregado não havia se estabilizado no período anterior aos cinco anos da data do ajuizamento da ação, e a prescrição em caso de acidente de trabalho é de dois anos após a constatação dos danos causados.
Auxílio-doença
Em razão dos tiros, que atingiram a perna e a coluna, o vigilante ficou afastado de suas atividades e recebeu auxílio-doença até novembro de 2015 por meio de liminar deferida em ação previdenciária na qual pretendia o reconhecimento do direito à aposentadoria por invalidez. Embora a pretensão tenha sido indeferida, ao retornar ao serviço, ele foi considerado inapto para o trabalho pela Brink’s. No mesmo ano, ajuizou a reclamação trabalhista na 30ª Vara do Trabalho de Porto Alegre pedindo indenização por dano moral e estético.
Prescrição
O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região indeferiram os pedidos. Na interpretação do TRT, o empregado, ao ajuizar a ação previdenciária, tinha ciência inequívoca das lesões, pois, além de postular o restabelecimento do auxílio-doença, requereu a sua conversão em aposentadoria por invalidez. Como a reclamação trabalhista fora ajuizada somente em 2016, o Tribunal Regional declarou prescrito o direito de ação.
Efetivo conhecimento
No exame do recurso de revista do vigilante, o relator, ministro Mauricio Godinho Delgado, explicou que, de acordo com a jurisprudência consolidada do TST, o termo inicial para a contagem do prazo prescricional para pedidos de reparação por danos materiais, morais ou estéticos decorrentes de acidente de trabalho é a data em que a vítima toma efetivo conhecimento da lesão e de sua extensão. No caso, o fato de o empregado ter sido considerado inapto pela empresa ao retornar ao serviço demonstra que as sequelas do acidente de trabalho tiveram desdobramentos no tempo. “Não é o instante da identificação da doença pelo empregado que determina o início do prazo para o ajuizamento da ação, mas sim o momento real da ciência acerca da extensão e da consolidação ou da estabilização de seu quadro de saúde”, afirmou.
Por unanimidade, a Turma deu provimento ao recurso para afastar a prescrição e para determinar o retorno do processo à Vara do Trabalho para o exame dos pedidos formulados pelo vigilante.
Processo: RR-20417-86.2016.5.04.0030
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE
REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI
13.015/2014 E ANTERIOR À LEI
13.467/2017. ACIDENTE DE TRABALHO.
PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. ACTIO NATA.
CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA EXTENSÃO DO DANO
SOFRIDO. Demonstrado no agravo de
instrumento que o recurso de revista
preenchia os requisitos do art. 896 da
CLT, dá-se provimento ao agravo de
instrumento, para melhor análise da
arguição de violação do art. 7º, XXIX,
da CF, suscitada no recurso de revista.
Agravo de instrumento provido.
B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A
ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À
LEI 13.467/2017. ACIDENTE DE TRABALHO.
PRESCRIÇÃO APLICÁVEL. ACTIO NATA.
CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA EXTENSÃO DO DANO
SOFRIDO. O fato de as indenizações por
dano patrimonial, moral, inclusive
estético, serem efeitos conexos do
contrato de trabalho (ao lado dos
efeitos próprios deste contrato), atrai
a submissão à regra do art. 7º, XXIX, da
Constituição Federal.
Independentemente do Direito que rege
as parcelas (no caso, Direito Civil),
todas só existem porque derivadas do
contrato empregatício, submetendo-se à
mesma prescrição. Entretanto, em face
da pletora de processos oriundos da
Justiça Comum Estadual tratando deste
mesmo tipo de lide, remetidos à Justiça
do Trabalho, tornou-se patente a
necessidade de estabelecimento de
posição interpretativa para tais
processos de transição, que respeitasse
as situações anteriormente
constituídas e, ao mesmo tempo,
atenuasse o dramático impacto da
transição. Assim, reputa-se necessária
uma interpretação especial em relação
às ações ajuizadas nesta fase de
transição, sob pena de se produzirem
injustiças inaceitáveis: a) nas lesões
ocorridas até a data da publicação da EC
nº 45/2004, em 31/12/2004, aplica-se a
prescrição civilista, observado,
inclusive, o critério de adequação de
prazos fixado no art. 2.028 do CCB/2002.
Ressalva do Relator que entende
aplicável o prazo do art. 7º, XXIX, CF,
caso mais favorável (caput do art. 7º,
CF); b) nas lesões ocorridas após a EC
nº 45/2004 (31/12/2004), aplica-se a
regra geral trabalhista do art. 7º,
XXIX, CF/88. Ademais, em se tratando de
acidente de trabalho e doença
ocupacional, pacificou a
jurisprudência que o termo inicial da
prescrição (actio nata) se dá da ciência
inequívoca do trabalhador no tocante à
extensão do dano (Súmula 278/STJ).
Dessa maneira, se o obreiro se aposenta
por invalidez, é daí que se inicia a
contagem do prazo prescricional, pois
somente esse fato possibilita a ele
aferir a real dimensão do malefício
sofrido. Por coerência com essa ideia,
se acontecer o inverso e o empregado for
considerado apto a retornar ao
trabalho, será da ciência do
restabelecimento total ou parcial da
saúde que começará a correr o prazo
prescricional. A propósito, nos termos
da OJ 375 da SDI-1/TST, o auxílio-doença
e a aposentadoria por invalidez não
impedem a fluência do prazo
prescricional quinquenal. Na hipótese,
consta na decisão recorrida que o
Reclamante ajuizou ação contra o INSS na
Justiça Comum, passando a perceber,
liminarmente, benefício previdenciário
até novembro de 2015, ocasião em que a
liminar foi revogada e os pedidos
formulados (concessão de auxílio doença
acidentário e aposentadoria por
invalidez) foram julgados
improcedentes. Contudo, como se extrai
da decisão recorrida, após a revogação
da liminar, e da consequente cessação do
benefício previdenciário, o Reclamante
foi considerado inapto pela empregadora
ao retornar ao serviço, o que torna
incontroverso o fato de que os problemas
de saúde (sequelas de acidente de
trabalho típico) tiveram
desdobramentos no tempo,
prolongando-se inclusive no quinquênio
que antecedeu a propositura da ação. Ou
seja, não é o instante da identificação
da doença pelo empregado que determina
o início do prazo para o ajuizamento da
ação, mas sim o momento real da ciência
obreira acerca da extensão e da
consolidação/estabilização de seu
quadro de saúde. E, no caso vertente,
restou incontroverso que o Reclamante
não teve a estabilização do seu aspecto
clínico no período anterior aos cinco
anos da data do ajuizamento da ação, não
havendo falar em transcurso do prazo
prescricional, na hipótese. Recurso de
revista conhecido e provido.