Norma coletiva que dispensa controle formal de horário afasta pagamento de horas extras
A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho julgou improcedente o pedido de condenação da Bull Ltda., de São Paulo, ao pagamento de horas extras a um especialista de suporte, diante da existência de norma coletiva que autorizava o registro de ponto por exceção. Nesse sistema, não há controle formal dos horários de entrada e saída dos empregados e são registradas apenas as exceções à jornada ordinária.
Horário flexível
O empregado foi contratado em 2000, em São Paulo (SP), e prestou serviços ao Bradesco em Belém (PA) e Belo Horizonte (MG). Na reclamação trabalhista, ajuizada após a dispensa, em 2014, ele sustentou que trabalhava dez horas por dia, de segunda a sexta-feira. Uma testemunha confirmou a jornada.
A empresa, em sua defesa, disse que a norma coletiva em vigor estabelecia horário de trabalho flexível e dispensava os empregados da marcação de ponto, ao prever apenas o registro das possíveis alterações, como horas extras e sobreavisos. Segundo a Bull, esse controle informal foi adotado porque não possuía base operacional nas cidades em que o especialista havia trabalhado. “Em geral, o empregado permanecia em sua residência, aguardando um chamado, momento em que deveria prestar o atendimento dentro da jornada contratada”, afirmou.
Comprovação
O juízo da 76ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP) condenou a empresa ao pagamento das horas extras, por entender que cabe ao empregador apresentar os controles de frequência exigidos pelo artigo 74, parágrafo 2º, da CLT. Para o juízo, a falta dos registros gera presunção relativa de veracidade da jornada informada pelo empregado. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) manteve a sentença.
Concessões recíprocas
O relator do recurso de revista da Bull, ministro Alexandre Luiz Ramos, assinalou que a Constituição da República reconhece a validade da negociação coletiva como modelo de normatização autônoma, em respeito ao princípio da autonomia coletiva privada dos sindicatos. Esses dispositivos, a seu ver, são autoaplicáveis e não dependem de regulamentação específica.
Para concluir pela validade da norma, o relator aplicou a chamada teoria do conglobamento, segundo a qual o acordo e a convenção coletiva são resultado de concessões mútuas. Assim, ao afastar algum direito assegurado pela CLT, são concedidas outras vantagens a fim de compensar essa supressão. Por isso, não é possível anular apenas uma cláusula em desfavor de um dos acordantes.
“As cláusulas decorrentes da negociação coletiva não podem ser analisadas de forma atomizada, pois cada uma se vincula ao equilíbrio da negociação coletiva”, observou o ministro, ao concluir que o entendimento adotado pelas instâncias anteriores havia violado o artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição. O relator destacou ainda que o artigo 611-A, inciso X, da CLT, inserido pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), dispõe que as normas coletivas prevalecerão sobre o disposto em lei quando tratarem, entre outros, da modalidade de registro de jornada de trabalho.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-1001704-59.2016.5.02.0076
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE
REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA.
ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA
DA LEI Nº 13.015/2014.
1. PONTO POR EXCEÇÃO. ESTIPULAÇÃO POR
NORMA COLETIVA. TEORIA DO
CONGLOBAMENTO. VALIDADE. APLICAÇÃO DO
ART. 7º, XXVI, DA CF. PROVIMENTO.
I. A Corte Regional entendeu pela
invalidade da norma coletiva em que se
adotou sistema de registro de ponto por
exceção, segundo o qual são consignadas
apenas as exceções à jornada ordinária
de trabalho, com a dispensa do controle
formal de horários de entrada e saída do
empregado. II. O entendimento adotado
pela Corte de origem viola o disposto no
art. 7º, XXVI, da CF, razão pela qual o
processamento do recurso de revista é
medida que se impõe. III. Agravo de
instrumento de que se conhece e a que se
dá provimento, para determinar o
processamento do recurso de revista,
observando-se o disposto na Resolução
Administrativa nº 928/2003 do TST.