Regra geral de prescrição incide em cobrança de dívida ilíquida que não se enquadra em conceito de contrato de constituição de renda
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um ex-dirigente sindical para afastar a prescrição e permitir o prosseguimento de ação de cobrança de gratificação movida contra o sindicato, ao aplicar a regra geral de prescrição do artigo 205 do Código Civil.
O entendimento do colegiado no caso é que a dívida em questão não é líquida e não decorre de contrato de constituição de renda, justificando-se a regra geral do código, de prazo prescricional de dez anos.
O autor da ação foi eleito representante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Ceará (Fetraece). Dois anos após sua eleição, a federação aprovou o pagamento de uma gratificação mensal aos delegados. O dirigente, recorrente no STJ, alegou que a federação não pagou corretamente os valores e que havia uma diferença superior a R$ 6 mil em gratificações a receber.
Em primeira instância, o juiz reconheceu a prescrição ao aplicar a regra trienal do artigo 206, parágrafo 3º, do CC. O Tribunal de Justiça do Ceará manteve a sentença, por entender que era caso de pretensão para receber prestações vencidas ou de rendas temporárias ou vitalícias.
No recurso especial, o recorrente invocou a regra de prescrição quinquenal do artigo 206, parágrafo 5º, alegando que o débito da federação constitui dívida líquida constante de instrumento particular.
Nem um nem outro
A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que não é caso de aplicação do prazo trienal, tampouco do quinquenal, pois não se trata de dívida líquida nem de pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias.
Ela ratificou a conclusão do tribunal de origem de que os créditos cobrados não constituem dívida líquida, já que o pagamento que os delegados receberiam era de até 80% do salário dos diretores da federação, ou seja, não foram estabelecidos parâmetros para se chegar ao valor.
Entretanto, segundo a relatora, embora a dívida não seja líquida, ela não pode ser enquadrada como prestação vencida de renda temporária. Nancy Andrighi lembrou que as rendas mencionadas são regulamentadas pelos artigos 803 a 813 do CC, que tratam do contrato de constituição de renda.
A relatora esclareceu que o contrato de constituição de renda, segundo a doutrina, é aquele pelo qual uma parte se compromete a entregar a outra prestações periódicas, em dinheiro ou outros bens, por liberalidade ou por ter recebido dela bens móveis ou imóveis.
“Logo, não se sustenta a tese de que a pretensão exercida pelo recorrente possa ser enquadrada no inciso II do parágrafo 3º do artigo 206 do CC/2002, já que a verba por ele reclamada não se inclui na hipótese descrita na norma”, resumiu Nancy Andrighi.
De acordo com a ministra, o contexto analisado enseja a aplicação da regra geral de prescrição do artigo 205, permitindo o prosseguimento da demanda na instância de origem.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.780.755 - CE (2018/0307682-1)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : JOSE OLAVO PINTO
ADVOGADO : AFONSO HENRIQUE DE LIMA CAMPOS TORRES - CE016340
RECORRIDO : FEDERACAO DOS TRABALHADORES RURAIS AGRICULTORES E
AGRICULTORAS FAMILIARES DO ESTADO DO CEARA
ADVOGADO : JOSÉ IRINEU PONTES MARTINS - CE005799
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. RECEBIMENTO DE GRATIFICAÇÃO
MENSAL PREVISTA EM ATA DE ASSEMBLEIA. PRAZO PRESCRICIONAL PARA
EXERCÍCIO DA PRETENSÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 206, § 3º, II, DO
CC/02. DÍVIDA ILÍQUIDA. INCIDÊNCIA DA REGRA GERAL DO ART. 205 DO
CC/02. JULGAMENTO: CPC/15.
1. Ação de cobrança ajuizada em 29/08/2013, da qual foi extraído o
presente recurso especial, interposto em 07/08/2018 e distribuído ao
gabinete em 03/12/2018.
2. O propósito recursal é dizer o prazo prescricional para o exercício da
pretensão deduzida pelo recorrente nesta ação de cobrança, qual seja, de
recebimento de gratificação mensal prevista em ata de assembleia.
3. Inaplicabilidade da regra do inciso II do § 3º do art. 206 do CC/02, em que
se baseou o Tribunal de origem, tendo em vista que as rendas nele
mencionadas são as dispostas pelos arts. 803 a 813 do mesmo diploma legal,
que tratam do contrato de constituição de renda, pelo qual uma parte se
compromete a entregar a outra prestações periódicas, em dinheiro ou
outros bens, por liberalidade ou por ter dela recebido bens móveis ou
imóveis.
4. Conquanto a ata da assembleia constitua instrumento particular, o
Tribunal de origem, ao analisa-la, concluiu que a dívida nela prevista é
ilíquida, entendimento cuja alteração, para reconhecer a apontada liquidez,
demandaria o reexame do acervo fático-probatório, vedado, nesta instância,
pela súmula 07/STJ.
5. Hipótese em que se aplica, no particular, o prazo prescricional decenal,
previsto no art. 205 do CC/02.
6. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao
recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de
Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 19 de fevereiro de 2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora