Direção sob embriaguez implica presunção relativa de culpa e pode gerar responsabilidade civil por acidente

Direção sob embriaguez implica presunção relativa de culpa e pode gerar responsabilidade civil por acidente

A condução de veículo em estado de embriaguez, por representar grave infração de trânsito e comprometer a segurança viária, é motivo suficiente para a caracterização de culpa presumida do infrator na hipótese de acidente. Nesses casos, em virtude da presunção relativa de culpa, ocorre a inversão do ônus da prova, cabendo ao transgressor comprovar a existência de alguma excludente do nexo de causalidade, como a culpa exclusiva da vítima ou de terceiros.

O entendimento foi aplicado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao manter acórdão do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) que condenou um motociclista a pagar indenização por danos morais e estéticos de R$ 25 mil a um pedestre que ele atropelou quando estava embriagado.

Segundo o processo, havia dúvida sobre o local em que o pedestre se encontrava no momento do acidente – se à margem da pista ou na calçada –, circunstância superada pelo tribunal em razão do estado de embriaguez do motociclista e da não comprovação, pelo condutor, de que o pedestre teria contribuído para o acidente.

De acordo com os autos, o motociclista trafegava em uma rodovia de Porto Velho quando, após uma curva, atingiu o pedestre, que sofreu traumatismo craniano e fratura na perna direita. No momento do acidente, o motociclista realizou o teste do bafômetro, tendo sido preso em flagrante em razão do resultado de alcoolemia (0,97mg/l).

Em contestação, o motociclista alegou que, no momento do acidente, o pedestre caminhava “na beira da rua”, em local com iluminação precária – o que caracterizaria imprudência da vítima.

Estado de embriaguez

O juiz julgou improcedente o pedido de indenização formulado pelo pedestre por entender que não houve comprovação no processo da dinâmica do acidente, ou seja, não seria possível confirmar quem foi o culpado pelo atropelamento. 

Em segunda instância, apesar da indefinição sobre o local em que o pedestre foi atingido, o TJRO reconheceu a culpa do motociclista devido à embriaguez e condenou-o a pagar R$ 25 mil por danos morais e estéticos, além de pensão mensal vitalícia de um salário mínimo.

Por meio de recurso especial, o motociclista alegou que o mero ato de ter dirigido sob efeito de álcool não caracterizaria sua responsabilidade pelo acidente, já que não seria suficiente para comprovar o nexo de causalidade.

Segurança do trânsito

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, apontou que a inobservância das normas de trânsito pode repercutir na responsabilização civil do infrator, caracterizando sua culpa presumida, se o seu comportamento representar o comprometimento da segurança.

No caso dos autos, o ministro destacou que a condução de veículo em estado de embriaguez, por si, representa gravíssimo descumprimento do dever de cuidado e de segurança no trânsito, na medida em que o consumo de álcool compromete as habilidades psicomotoras, diminui os reflexos, faz com que o condutor subestime ou ignore riscos, entre outros resultados que inviabilizam a condução do veículo.

Bellizze afirmou que a conduta do motociclista ao pilotar a moto embriagado, além de contrária às normas legais, é perfeitamente capaz de ter resultado no atropelamento da vítima, que se encontrava ou na calçada ou à margem da pista, em local de baixa luminosidade e logo após uma curva acentuada.

“Em tais circunstâncias, o condutor tem, contra si, a presunção relativa de culpa, a ensejar a inversão do ônus probatório. Caberia, assim, ao transgressor da norma jurídica comprovar a sua tese de culpa exclusiva da vítima, incumbência em relação à qual não obteve êxito”, apontou o relator.

Distância segura

Segundo o ministro, além do alto teor etílico constatado no organismo do condutor da moto – suficiente para gerar a presunção de culpa –, os autos também apontam o descumprimento do artigo 29 do Código de Trânsito Brasileiro, especialmente em relação ao dever de o condutor manter distância segura em relação à borda da pista.

“Conclui-se, portanto, que o proceder levado a efeito pelo recorrente – dirigir seu veículo sob a influência de álcool —, em manifesta contrariedade às regras de trânsito, por se revelar, no caso dos autos, idônea à produção do evento danoso, repercute na responsabilização civil, a caracterizar a sua culpa presumida pelo acidente, em momento algum desconstituída por ele, tal como lhe incumbia”, concluiu o ministro Bellizze ao manter a condenação do TJRO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.749.954 - RO (2018/0065354-5)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : JEANDERSON LIMA DE SOUZA
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE RONDÔNIA
RECORRIDO : ELINEY MARTINS GOMES
ADVOGADO : GUSTAVO MARCEL SARMENTO DUARTE - RO006165
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO EM RAZÃO DE ACIDENTE DE TRÂNSITO.
CONDUÇÃO DE MOTOCICLETA SOB ESTADO DE EMBRIAGUEZ. ATROPELAMENTO EM
LOCAL COM BAIXA LUMINOSIDADE. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA INCONCLUSIVA SE A
VÍTIMA ENCONTRAVA-SE NA CALÇADA OU À MARGEM DA CALÇADA, AO BORDO DA
PISTA DE ROLAMENTO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. Em relação à responsabilidade civil por acidente de trânsito, consigna-se haver verdadeira
interlocução entre o regramento posto no Código Civil e as normas que regem o
comportamento de todos os agentes que atuam no trânsito, prescritas no Código de Trânsito
Brasileiro. A responsabilidade extracontratual advinda do acidente de trânsito pressupõe, em
regra, nos termos do art. 186 do Código Civil, uma conduta culposa que, a um só tempo,
viola direito alheio e causa ao titular do direito vilipendiado prejuízos, de ordem material ou
moral. E, para o específico propósito de se identificar a conduta imprudente, negligente ou
inábil dos agentes que atuam no trânsito, revela-se indispensável analisar quais são os
comportamentos esperados — e mesmo impostos — àqueles, estabelecidos nas normas de
trânsito, especificadas no CTB.
2. A inobservância das normas de trânsito pode repercutir na responsabilização civil do
infrator, a caracterizar a culpa presumida do infrator, se tal comportamento representar,
objetivamente, o comprometimento da segurança do trânsito na produção do evento danoso
em exame; ou seja, se tal conduta, contrária às regras de trânsito, revela-se idônea a causar
o acidente, no caso concreto, hipótese em que, diante da inversão do ônus probatório
operado, caberá ao transgressor comprovar a ocorrência de alguma excludente do nexo da
causalidade, tal como a culpa ou fato exclusivo da vítima, a culpa ou fato exclusivo de
terceiro, o caso fortuito ou a força maior.
3. Na hipótese, o ora insurgente, na ocasião do acidente em comento, em local de pouca
luminosidade, ao conduzir sua motocicleta em estado de embriaguez (o teste de alcoolemia
acusou o resultado de 0,97 mg/l - noventa e sete miligramas de álcool por litro de ar)
atropelou a demandante. Não se pôde apurar, com precisão, a partir das provas produzidas
nos autos, se a vítima se encontrava na calçada ou à margem, próxima da pista.
3.1 É indiscutível que a condução de veículo em estado de embriaguez, por si, representa o
descumprimento do dever de cuidado e de segurança no trânsito, na medida em que o
consumo de álcool compromete as faculdades psicomotoras, com significativa diminuição dos
reflexos; enseja a perda de autocrítica, o que faz com que o condutor subestime os riscos ou
os ignore completamente; promove alterações na percepção da realidade; enseja déficit de
atenção; afeta os processos sensoriais; prejudica o julgamento e o tempo das tomadas de
decisão; entre outros efeitos que inviabilizam a condução de veículo automotor de forma
segura, trazendo riscos, não apenas a si, mas, também aos demais agentes que atuam no
trânsito, notadamente aos pedestres, que, por determinação legal (§ 2º do art. 29 do CTB),
merece maior proteção e cuidado dos demais.
3.2 No caso dos autos, afigura-se, pois, inarredável a conclusão de que a conduta do
demandado de conduzir sua motocicleta em estado de embriaguez, contrária às normas
jurídicas de trânsito, revela-se absolutamente idônea à produção do evento danoso em
exame, consistente no atropelamento da vítima que se encontrava ou na calçada ou à

margem, ao bordo da pista de rolamento, em local e horário de baixa luminosidade, após a
realização de acentuada curva. Em tal circunstância, o condutor tem, contra si, a presunção
relativa de culpa, a ensejar a inversão do ônus probatório. Caberia, assim, ao transgressor
da norma jurídica comprovar a sua tese de culpa exclusiva da vítima, incumbência em
relação à qual não obteve êxito.
4. Recurso especial improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 26 de fevereiro de 2019 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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