Não cabe indenização de lucros cessantes se a atividade empresarial não teve início

Não cabe indenização de lucros cessantes se a atividade empresarial não teve início

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial de uma empresa que pedia indenização por lucros cessantes, pois o empreendimento imobiliário no qual alugaria uma loja não foi entregue. Para os ministros, se a atividade empresarial nem sequer teve início, não é possível aferir a probabilidade de que os lucros reclamados de fato ocorreriam.

Na origem, a empresa pediu a rescisão contratual e lucros cessantes pelo descumprimento do contrato de locação com a sociedade responsável pela construção de um shopping em São Paulo, alegando que fez os pagamentos combinados, mas o prédio não foi inaugurado.

Em razão da falta de elementos para apuração dos lucros cessantes, o juízo de primeiro grau homologou laudo pericial baseado em balanços contábeis de outra loja da mesma marca comercial, estabelecida em shopping de outra região da cidade, para chegar ao valor da indenização.

Contudo, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), adotando a teoria da perda da chance, deu parcial provimento ao recurso da construtora do shopping para fixar a indenização em 50% do valor estabelecido em primeiro grau.

No STJ, a autora da ação alegou que o TJSP não poderia substituir os lucros cessantes calculados pelo perito – cuja condenação consta de título executivo judicial – pela aplicação da teoria da perda de uma chance. A sociedade responsável pelo shopping também interpôs recurso especial e argumentou que nada seria devido, pois não foram comprovados os lucros cessantes, uma vez que a atividade empresarial nem sequer havia começado.

Conceitos distintos

Segundo a relatora dos recursos no STJ, ministra Nancy Andrighi, para resolver a questão é necessário distinguir os conceitos de lucros cessantes e da perda de uma chance. O primeiro, de acordo com o Código Civil, representa aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar, por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação pelo devedor.

Já a perda de uma chance, explicou a ministra, não tem previsão expressa no ordenamento jurídico brasileiro, “tratando-se de um instituto originário do direito francês, recepcionado pela doutrina e jurisprudência brasileiras, e que traz em si a ideia de que o ato ilícito que tolhe de alguém a oportunidade de obter uma situação futura melhor gera o dever de indenizar”.

Em seu voto, a relatora citou precedente da Quarta Turma, que, no julgamento do REsp 1.190.180, considerou a perda de uma chance “algo intermediário entre o dano emergente e os lucros cessantes”.

“Infere-se, pois, que nos lucros cessantes há certeza da vantagem perdida, enquanto na perda de uma chance há certeza da probabilidade perdida de se auferir a vantagem”, esclareceu.

Coisa julgada

Para Nancy Andrighi, o confronto entre o título executivo judicial e o acórdão recorrido revela ofensa à coisa julgada, pois o comando contido no primeiro impõe a reparação da vantagem efetivamente perdida, porque não construído o shopping (lucros cessantes), e não a reparação da perda da oportunidade de auferir aquela vantagem (perda de uma chance).

Dessa forma, a relatora analisou os recursos especiais sob a ótica da comprovação dos lucros cessantes. Segundo ela, a jurisprudência do STJ orienta que a configuração dos lucros cessantes “exige mais do que a simples possibilidade de realização do lucro; requer probabilidade objetiva e circunstâncias concretas de que estes teriam se verificado sem a interferência do evento danoso, não podendo subsistir a condenação ao pagamento de lucros cessantes baseada em meras conjecturas e sem fundamentação concreta”.

“Especificamente quanto à hipótese dos autos, o entendimento desta corte é no sentido de não admitir a indenização por lucros cessantes sem comprovação e, por conseguinte, rejeitar os lucros hipotéticos, remotos ou presumidos, incluídos nessa categoria aqueles que supostamente seriam gerados pela rentabilidade de atividade empresarial que sequer foi iniciada”, disse.

Para ela, no caso, a perda dos lucros não se revelou como um prejuízo futuro e provável por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação pelo devedor. Dessa forma, a ministra negou provimento ao recurso da empresa autora da ação e deu provimento ao da construtora do shopping a fim de reconhecer a ausência de comprovação dos lucros cessantes.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.750.233 - SP (2018/0155563-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : OPTICAL SUNGLASSES LTDA
ADVOGADOS : WALDIR DE ARRUDA MIRANDA CARNEIRO - SP092158
FLÁVIO JOÃO NESRALLAH - SP124543
RECORRENTE : VERPARINVEST S/A
ADVOGADOS : EDUARDO DE OLIVEIRA LIMA - SP146157
LUIZ FELIPE PEREIRA GOMES LOPES - SP184149
RECORRIDO : OS MESMOS
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO
POR PERDAS E DANOS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
AUSÊNCIA. CONDENAÇÃO EM LUCROS CESSANTES. LIQUIDAÇÃO POR
ARBITRAMENTO. FIXAÇÃO DO VALOR DEVIDO PELA PERDA DA CHANCE.
VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. PESSOA JURÍDICA QUE NUNCA EXERCEU
ATIVIDADE EMPRESARIAL. LAUDO PERICIAL BASEADO EM DANO
HIPOTÉTICO. LUCROS CESSANTES NÃO COMPROVADOS. JULGAMENTO:
CPC/15.
1. Ação de rescisão contratual c/c indenização por danos materiais, em fase
de liquidação de sentença por arbitramento, de que foram extraídos estes
recursos especiais, interpostos em 12/03/2018 e 13/03/2018 e distribuídos
ao gabinete em 04/07/2018.
2. O propósito dos recursos especiais consiste em decidir sobre: (i) a
negativa de prestação jurisdicional; (ii) a violação da coisa julgada, na
liquidação de sentença por arbitramento, em virtude da aplicação da teoria
da perda de uma chance para calcular os lucros cessantes; (iii) a
comprovação dos lucros cessantes.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, estando
suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a
prestação jurisdicional, não se vislumbra a alegada violação do art. 1.022, I
e II, do CPC/15.
4. De acordo com o CC/02, os lucros cessantes representam aquilo que o
credor razoavelmente deixou de lucrar, por efeito direto e imediato da
inexecução da obrigação pelo devedor.
5. A perda de uma chance não tem previsão expressa no nosso ordenamento
jurídico, tratando-se de instituto originário do direito francês, recepcionado
pela doutrina e jurisprudência brasileiras, e que traz em si a ideia de que o
ato ilícito que tolhe de alguém a oportunidade de obter uma situação futura
melhor gera o dever de indenizar.
6. Nos lucros cessantes há certeza da vantagem perdida, enquanto na perda
de uma chance há certeza da probabilidade perdida de se auferir uma

vantagem. Trata-se, portanto, de dois institutos jurídicos distintos.
7. Assim feita a distinção entre os lucros cessantes e a perda de uma chance,
a conclusão que se extrai, do confronto entre o título executivo judicial – que
condenou a ré à indenização por lucros cessantes – e o acórdão recorrido – que calculou o valor da indenização com base na teoria perda de uma
chance – é a da configuração de ofensa à coisa julgada.
8. Especificamente quanto à hipótese dos autos, o entendimento desta Corte
é no sentido de não admitir a indenização por lucros cessantes sem
comprovação e, por conseguinte, rejeitar os lucros hipotéticos, remotos ou
presumidos, incluídos nessa categoria aqueles que supostamente seriam
gerados pela rentabilidade de atividade empresarial que sequer foi iniciada.
9. Recurso especial de OPTICAL SUNGLASSES LTDA conhecido e desprovido.
Recurso especial de VERPARINVEST S/A conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial
interposto por VERPARINVEST S/A e negar provimento ao recurso especial interposto por
OPTICAL SUNGLASSES LTDA, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs.
Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e
Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 05 de fevereiro de 2019(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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