Banco não responde por dano a terceiro que recebe cheque sem fundos de seu correntista

Banco não responde por dano a terceiro que recebe cheque sem fundos de seu correntista

A instituição financeira não pode ser responsabilizada pelos prejuízos materiais suportados por terceiros portadores de cheques sem fundos emitidos por seus correntistas. Por maioria, os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmaram entendimento do tribunal de que não é possível equiparar terceiro tomador de cheque, sem vínculo com o banco, a consumidor.

Na petição inicial, os autores alegaram que seriam consumidores por equiparação (bystander) do banco sacado e que este seria responsável por reparar os prejuízos decorrentes da lesão que sofreram, já que teria havido ausência de cautela da instituição na liberação indiscriminada de folhas de cheques a seus clientes.

O juízo de primeiro grau negou os pedidos, mas, em recurso de apelação, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina entendeu que o terceiro tomador de cheque, mesmo sem remuneração direta ou qualquer relação anterior com o banco, caracterizava-se como consumidor, uma vez que utilizava o serviço como destinatário final.

No recurso especial, a instituição financeira alegou que não haveria relação de consumo com os possuidores dos cheques, já que não teria qualquer vinculação com eles. Para o banco, a ausência de fundos em cheques emitidos pelos correntistas jamais poderia ser considerada falha em um serviço seu.

Relações distintas

Para o ministro Villas Bôas Cueva, cujo voto foi seguido pela maioria da Terceira Turma, não houve defeito na prestação dos serviços bancários, “o que, por si só, afasta a possibilidade de emprestar a terceiros – estranhos à relação de consumo havida entre o banco e seus correntistas – o tratamento de consumidores por equiparação”.

Segundo o ministro, haveria no caso duas relações jurídicas completamente distintas: a primeira, de natureza consumerista, estabelecida entre o banco recorrente e seu cliente; e a segunda, de natureza civil/comercial, estabelecida entre o correntista, na condição de emitente de cheques, e os autores da demanda, beneficiários de tais títulos de crédito.

Em seu voto, o ministro disse que, ao receber cheque emitido por um de seus correntistas, cumpre ao banco apenas aferir a existência de eventuais motivos para a devolução. “Verificando o sacado que o valor do título se revela superior ao saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo de seu correntista, deve o banco devolver o cheque por falta de fundos.”

Nexo de causalidade

Dessa forma, segundo o relator, a prestação de serviços bancários, em relação aos terceiros portadores do título de crédito em questão, limitou-se a essa rotina de conferência e posterior pagamento ou eventual devolução.

“Inexistindo equívoco na realização de tal procedimento, não há que falar em defeito na prestação do serviço e, consequentemente, não se revela plausível imputar ao banco prática de conduta ilícita ou a criação de risco social inerente à atividade econômica por ele desenvolvida capaz de justificar sua responsabilização pelos prejuízos materiais suportados por beneficiários dos cheques resultantes única e exclusivamente da ausência de saldo em conta dos emitentes suficiente para sua compensação”, entendeu o ministro.

De acordo com Villas Bôas Cueva, o STJ vem decidindo no sentido de não estender a responsabilidade do banco para a relação entre o correntista e o beneficiário do cheque. Assim, no caso julgado, a Terceira Turma concluiu que os prejuízos sofridos pelos portadores dos cheques decorreram apenas da conduta do emitente, único responsável pelo pagamento da dívida, “não havendo nexo de causalidade direto e imediato a ligar tal dano ao fornecimento de talonário pela instituição financeira”.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.508.977 - SC (2014/0339709-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : BANCO SAFRA S A
ADVOGADOS : OSMAR MENDES PAIXÃO CÔRTES E OUTRO(S) - DF015553
MÁRCIO RUBENS PASSOLD E OUTRO(S) - SC012826
ALEXANDRE NELSON FERRAZ E OUTRO(S) - SC010945
RECORRIDO : JOSÉ LUIZ BARRETO NETO
RECORRIDO : DIEGO FELIPE FREITAS
RECORRIDO : WOLNEY WILMAR ANDRADE
RECORRIDO : MARIA SALETE VIEIRA
RECORRIDO : JONI VIDAL DA FONSECA
RECORRIDO : NEIDE DE QUEIROZ
ADVOGADO : ZULMAR DUARTE DE OLIVEIRA JÚNIOR E OUTRO(S) - SC018545
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MATERIAIS. DEVOLUÇÃO DE CHEQUES. FALTA DE PROVISÃO DE FUNDOS.
BANCO SACADO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. DEFEITO NA
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. INEXISTÊNCIA. ART. 17 DO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE.
1. Ação indenizatória promovida por beneficiários de cheques emitidos por
empresa de factoring com o propósito de ver responsabilizado civilmente apenas
o banco sacado por prejuízos materiais alegadamente suportados em virtude da
devolução dos referidos títulos por ausência de provisão de fundos.
2. Acórdão recorrido que, atribuindo aos beneficiários dos cheques devolvidos a
condição de consumidores por equiparação, reconheceu a procedência do
pedido inicial sob o fundamento de que o banco sacado não teria agido com
suficiente cautela ao fornecer quantidade excessiva de talonários para sua
correntista.
3. O banco sacado não responde por prejuízos de ordem material eventualmente
causados a terceiros beneficiários de cheques emitidos por seus correntistas e
devolvidos por falta de provisão de fundos.
4. O fato de existir em circulação grande número de cheques ou de ser recente a
relação havida entre o banco sacado e seu cliente, emitente dos referidos títulos,
não revela a ocorrência de defeito na prestação dos serviços bancários e,
consequentemente, afasta a possibilidade de que, por tais motivos, seja o
eventual benefíciário das cártulas elevado à condição de consumidor por
equiparação. Inaplicáveis ao caso, portanto, as normas protetivas do Código de
Defesa do Consumidor.
5. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,
prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,
divergindo do voto da Sra. Ministra Relatora, decide a Terceira Turma, por maioria, dar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,
que lavrará o acórdão. Vencidos a Sra. Ministra Nancy Andrighi e o Sr. Ministro Paulo de Tarso
Sanseverino. Votaram com o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva os Srs. Ministros Marco

Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro (Presidente).
Brasília (DF), 23 de outubro de 2018(Data do Julgamento)
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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