Mesmo com emissão de contraordem, prazo prescricional de cheque incompleto começa na data posteriormente registrada

Mesmo com emissão de contraordem, prazo prescricional de cheque incompleto começa na data posteriormente registrada

Por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a prescrição de cheque datado após a contraordem ao banco e reafirmou a jurisprudência do tribunal que prevê como marco inicial para a contagem do prazo prescricional a data expressamente consignada no espaço reservado para a emissão, conforme tese fixada no Tema 945 dos recursos repetitivos.

No recurso especial, o recorrente alegou que recebeu o cheque de terceiro de forma incompleta – isto é, sem o preenchimento da data de emissão – e totalmente de boa-fé. Assim, colocou como data de emissão fevereiro de 2013, não sabendo que quatro anos antes já havia sido feita contraordem ao banco.

O titular do cheque pediu o reconhecimento da prescrição, por entender que a situação violaria a boa-fé e as disposições da Lei do Cheque, já que a revogação ou contraordem de pagamento representa a manifestação da vontade do emitente de impedir o saque do título.

Princípio da cartularidade

O pedido foi julgado procedente em primeiro grau e no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), o qual entendeu que o credor agiu com ausência de boa-fé. O acórdão recorrido também fixou a data da contraordem como termo inicial da prescrição. 

Segundo a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, há muito a jurisprudência admite a existência de cheques incompletos, quando emitidos com a omissão de um dos seus elementos constituintes obrigatórios, permitindo-se o seu preenchimento posterior pelo credor de boa-fé antes de sua cobrança.

“De fato, a jurisprudência do STJ vem privilegiando o princípio cambiário da cartularidade, inadmitindo inclusive a ampliação da prescrição do cheque, mesmo diante da prática largamente difundida de pós-datação”, disse em seu voto.

Lacuna legislativa

Para a relatora, a questão em julgamento se encontra em uma lacuna legislativa, uma vez que o parágrafo único do artigo 35 da Lei 7.357/85 dispõe que a contraordem produz efeitos após a expiração do prazo de apresentação do cheque, que é determinado pela data nele constante.

A ministra ainda citou que a doutrina sobre o assunto leva à conclusão de que “o direito deve privilegiar a mais livre e ampla circulação dos títulos de crédito, garantindo a seu portador a segurança de sua aquisição e que o valor nele constante, dentro das regras vigentes, será solvido, independentemente de situações particulares que possam existir no momento em que aquele título foi emitido ou em que ele é apresentado”.

Em seu voto, a relatora entendeu que seria incabível presumir a má-fé do credor pelo fato de o preenchimento do campo designado para a data ter ocorrido após a emissão da contraordem, a qual tem validade apenas quando expirado o prazo de apresentação, que por sua vez depende do preenchimento correto da data de emissão.

“Não pode o julgador deduzir a existência de má-fé pelo portador do cheque pelo simples fato de o preenchimento da data de emissão ocorrer após a contraordem para revogação do cheque, a não ser que determine expressamente a existência de má-fé pelo exequente, ora recorrido”, declarou.

A relatora também apontou em seu voto que os riscos da emissão de cheque incompleto recai sobre seu emitente. Assim, a Terceira Turma deu provimento ao recurso especial para afastar a prescrição e determinar o retorno dos autos ao primeiro grau para análise das demais questões.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.647.871 - MT (2017/0004924-2)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MARCOS WAGNER SANTANA VAZ
ADVOGADO : MARCOS WAGNER SANTANA VAZ (EM CAUSA PRÓPRIA) - MT014783
RECORRIDO : ROBERTO APARECIDO CAPELETTO
ADVOGADO : ROBERTO APARECIDO CAPELETTO (EM CAUSA PRÓPRIA) - MT017751
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. TÍTULO DE CRÉDITO. CHEQUE. EMISSÃO COM CLAROS.
AUSÊNCIA DA DATA DE EMISSÃO. POSTERIOR CONTRAORDEM PARA REVOGAÇÃO.
PRESCRIÇÃO. DETERMINAÇÃO DO TERMO INICIAL. PORTADOR DE BOA-FÉ.
PRINCÍPIO DA CARTULARIDADE. SUMULA 387/STF.
1. Embargos à execução opostos em 07/11/2013. Recurso Especial interposto em
05/08/2016 e atribuído a este Gabinete em 23/01/2017.
2. O propósito recursal consiste em determinar qual o termo inicial da contagem da
prescrição na hipótese em que um cheque dado em garantia, sem a data
preenchida, entrou em circulação e, quatro anos após a emissão da contraordem,
inseriu-se a data no campo designado.
3. Há muito a jurisprudência permite a existência dos chamados “cheques
incompletos”, quando emitidos com a omissão de um dos elementos constituintes
obrigatórios previstos legalmente, permitindo-se seu preenchimento posterior pelo
credo de boa-fé antes de sua cobrança. Nesses termos, veja-se o que consta na
Súmula 387 do STF (“A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco,
pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto”).
4. O termo inicial da prescrição do cheque deve ser a data expressamente
consignada no espaço reservado para a emissão da cártula, conforme consta em
tese fixada no Tema Repetitivo nº 945.
5. “O interesse social visa, no terreno do crédito, a proporcionar ampla circulação
dos títulos de crédito, dando aos terceiros de boa-fé plena garantia e segurança na
sua aquisição”.
6. Os riscos da emissão de cheque com claros recai particularmente sobre seu
emitente, considerando que inoponibilidade de exceção de abuso no
preenchimento do cheque quando ele é feito por terceiro portador de boa-fé.
7. Não pode o julgador deduzir a existência de má-fé pelo portador do cheque pelo
simples fato do preenchimento da data de emissão ocorrer após a contraordem
para revogação do cheque, a não ser que determine expressamente a existência de
má-fé pelo exequente, ora recorrido.
8. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao
recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de
Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 23 de outubro de 2018(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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