Condenação genérica em ação coletiva deve prever reparação sem especificar danos sofridos pelas vítimas

Condenação genérica em ação coletiva deve prever reparação sem especificar danos sofridos pelas vítimas

Uma sentença genérica prolatada em ação civil pública que reconhece conduta ilícita deve conter em seus termos a reparação por todos os prejuízos suportados pelas vítimas, sem a obrigação de ter que especificar, entretanto, o tipo de dano sofrido.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu parcial provimento a um recurso do Ministério Público Federal para reconhecer a procedência do pedido de reparação de todos os prejuízos suportados pelos segurados de plano de saúde advindos de conduta considerada ilegal por parte da operadora.

O provimento foi parcial, já que o MPF pedia condenação específica quanto ao tipo de dano, material e/ou moral. Os danos serão alegados e comprovados pelos interessados na fase de liquidação de sentença.

A sentença reconheceu a ilegalidade da conduta da operadora, que condicionava a realização de exames e outros procedimentos a requisições emitidas exclusivamente por médicos cooperados ou prescritas em formulário padrão elaborado por ela. Entretanto, a condenação não incluiu a reparação dos prejuízos, afirmando que tal pedido deveria ser feito em ações autônomas propostas pelos segurados.

Generalidade

Segundo o ministro relator no STJ, Marco Aurélio Bellizze, tal entendimento das instâncias ordinárias refoge por completo da abrangência da sentença genérica proferida em ação civil coletiva, que se restringe, por imposição legal e prática, ao núcleo de homogeneidade dos direitos afirmados na petição inicial.

O ministro explicou que, nessa etapa, o exame judicial se concentra na verificação da prática de ato ilícito que tenha violado interesses individuais homogêneos, “fixando-se, a partir de então, a responsabilidade civil por todos os danos daí advindos”. Na sentença genérica, acrescentou, deve constar “deliberação sobre a existência de obrigação do devedor (ou seja, fixação da responsabilidade pelos danos causados), determinação de quem é o sujeito passivo dessa obrigação e menção à natureza desse dever (de pagar/ressarcir; de fazer ou de não fazer, essencialmente)”.

“A generalidade da sentença a ser proferida em ação civil coletiva, em que se defendem direitos individuais homogêneos, decorre da própria impossibilidade prática de se determinarem todos os elementos normalmente constantes da norma jurídica em concreto, passível de imediata execução”, disse o ministro.

Cumprimento de sentença

Esse tipo de sentença, segundo o relator, examina a prática do ato ilícito imputado à parte demandada e, a partir dessa análise, fixa a responsabilidade civil pelos danos causados. O complemento da norma jurídica efetiva-se com a fase do cumprimento da sentença.

“Será, portanto, por ocasião da liquidação da sentença genérica que os interessados haverão de comprovar, individualmente, os efetivos danos que sofreram, assim como o liame causal destes com o proceder reputado ilícito na ação civil coletiva. Deverão demonstrar, ainda, a qualidade de vítima, integrante da coletividade lesada pelo proceder considerado ilícito na sentença genérica”, resumiu Bellizze.

De acordo com o ministro, renovar o pedido de reparação – que já havia sido feito na petição inicial da ação coletiva – em ações individuais, tal como apontado pelas instâncias ordinárias, tornaria “ineficaz” a tutela jurisdicional prestada na solução do conflito metaindividual, além de dar margem ao “temerário risco de rediscussão de matéria já decidida”, especialmente quanto à ilicitude da conduta da operadora.

Substituto processual

O relator lembrou que não é exigida do demandante nesse tipo de ação, na fase inicial, a especificação dos prejuízos sofridos, tampouco a sua comprovação.

“Lembre-se que o autor da ação coletiva atua como substituto processual dos titulares dos direitos e interesses individuais lesados, afigurando-se-lhe absolutamente inviável delimitar e, mesmo, comprovar os danos individualmente sofridos por estes”, concluiu.

O recurso também foi provido para ampliar a divulgação da condenação. Além da comunicação aos segurados, a operadora deverá divulgar a sentença coletiva na internet, de modo a atingir pessoas que possam ter sido lesadas, mas já não sejam mais seguradas do plano de saúde, e também os prestadores de serviços de saúde.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.718.535 - RS (2018/0006840-7)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RECORRENTE : AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR
RECORRIDO : UNIMED PELOTAS/RS COOPERATIVA DE ASSISTENCIA A
SAUDE LTDA
ADVOGADOS : MARCO TÚLIO DE ROSE E OUTRO(S) - RS009551
RAFAEL LIMA MARQUES - RS046963
EDUARDO DOS SANTOS LOPES - RS055361
KÁSSIO SANTARIANO GRECO - RS080726
MICHAEL LEMES DE ANDRADE - RS102136
EMENTA
RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO CIVIL COLETIVA. RECONHECIMENTO DA ILICITUDE DO
PROCEDER ADOTADO PELA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE DEMANDADA.
PRETENSÃO REPARATÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE NA ORIGEM SOB O
FUNDAMENTO DE QUE OS DANOS MATERIAIS NÃO TERIAM SIDO ESPECIFICADOS NA
INICIAL E DE QUE OS DANOS MORAIS NÃO DECORRERIAM, AUTOMATICAMENTE, DO
INADIMPLEMENTO CONTRATUAL, RELEGANDO A NOVAS AÇÕES INDIVIDUAIS O MANEJO
DE TAL PEDIDO. REFORMA. NECESSIDADE. INOBSERVÂNCIA DA ABRANGÊNCIA DA
SENTENÇA GENÉRICA PROFERIDA EM AÇÃO CIVIL COLETIVA. RECONHECIMENTO.
PUBLICIDADE DO COMANDO SENTENCIAL, A FIM DE CONFERIR INFORMAÇÃO IDÔNEA E
SUFICIENTE A TODOS OS POSSÍVEIS LESADOS. INOBSERVÂNCIA. VERIFICAÇÃO.
FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DA AGÊNCIA NACIONAL DE
SAÚDE QUE FIGUROU NO FEITO COMO LITISCONSORTE ATIVO. IMPOSSIBILIDADE.
RECURSO ESPECIAL DO MPF PARCIALMENTE PROVIDO E RECURSO ESPECIAL DA ANS
IMPROVIDO.
1. A generalidade da sentença a ser proferida em ação civil coletiva, em que se defendem
direitos individuais homogêneos, decorre da própria impossibilidade prática de se determinar
todos os elementos normalmente constantes da norma jurídica em concreto, passível de
imediata execução. É que, diante da múltipla titularidade dos direitos individuais defendidos
coletivamente e das diversas maneiras e dimensões de como a lesão ao direito pode se
apresentar para cada um de seus titulares, afigura-se absolutamente inviável que a sentença
coletiva estipule todos os elementos necessários a tornar esse título judicial exequível desde
logo.
1.1 Por tal razão, o espectro de conhecimento da sentença genérica restringe-se ao núcleo
de homogeneidade dos direitos afirmados na inicial, atinente, basicamente, ao exame da
prática de ato ilícito imputado à parte demandada, a ensejar a violação dos direitos e
interesses individuais homogêneos postos em juízo, fixando-se, a partir de então, a
responsabilidade civil por todos os danos daí advindos. Há, desse modo, no âmbito da
sentença genérica, deliberação sobre a existência de obrigação do devedor (ou seja, fixação
da responsabilidade pelos danos causados), determinação de quem é o sujeito passivo
dessa obrigação e menção à natureza desse dever (de pagar/ressarcir; de fazer ou de não
fazer, essencialmente).
1.2 O complemento da norma jurídica em concreto dar-se-á por ocasião do cumprimento de
sentença, a qual se subdivide em duas fases bem distintas: a primeira, consistente na
peculiar liquidação da sentença genérica, com ampla atividade cognitiva, voltada a integrar
os elementos faltantes do título judicial (a definição de quem é o titular do direito, qual a
prestação e em que extensão faz jus); a segunda, subsequente, destina-se à execução
propriamente dita do título judicial. Será, portanto, por ocasião da liquidação da sentença

genérica que os interessados haverão de comprovar, individualmente, os efetivos danos que
sofreram, assim como o liame causal destes com o proceder reputado ilícito na ação civil
coletiva. Deverão demonstrar, ainda, a qualidade de vítima, integrante da coletividade lesada
pelo proceder considerado ilícito na sentença genérica.
2. A procedência da pretensão reparatória não exime o interessado em liquidação da
sentença genérica — e não em uma nova ação individual —, de comprovar o dano (se
material, moral ou estético), a sua extensão, o nexo causal deste com a conduta considerada
ilícita, além de sua qualidade de parte integrante da coletividade lesada.
2.2 Renovar a pretensão reparatória — no caso, devidamente expendida na peça inicial da
ação civil coletiva —, em novas ações individuais, tal como propugnado pelas instâncias
ordinárias, torna de toda ineficaz a tutela jurisdicional prestada na solução do conflito
metaindividual em exame; inutiliza, em boa extensão, os esforços expendidos nessa ação
coletiva; e enseja o temário risco de rediscussão de matéria já decidida, em especial quanto
à ilicitude do proceder adotado pela demandada.
2.3 Diante do reconhecimento da conduta ilícita da recorrida, afigura-se procedente o pedido
de reparação por todos os prejuízos suportados pelos segurados, mostrando-se, todavia,
descabido, especificar na sentença genérica, tal como pretendido pelo Ministério Público
Federal, o tipo de dano, material e/ou moral.
3. A publicidade da sentença genérica, proferida em ação civil coletiva, apresenta-se de
extrema relevância ao propósito de se conferir efetividade à tutela jurisdicional na solução
dos conflitos metaindividuais, a permitir que os lesados, cientes de seu direito reconhecido
em título judicial, lhe dê concretude. Especialmente nos casos em que há lesão a direitos e
interesses individuais homogêneos, não raras vezes a atingir expressivo número de pessoas,
sobretudo em razão do estabelecimento de relações jurídicas cada vez mais massificadas de
adesão, a ação coletiva revela-se como o meio judicial mais eficaz para promover o
estancamento da litigiosidade em estado de latência, inerente a tal situação. Porém, o
julgamento, em si, da ação coletiva, para esse propósito (de estancar a litigiosidade latente),
revela-se, in totum, inócuo, se a sentença genérica não for seguida de informação idônea e
suficiente de seus termos aos interessados, o que evidencia a necessidade de sua
divulgação na internet e no sítio eletrônico da entidade demandada pelo prazo de 20 (vinte)
dias (ut REsp 1586515/RS, Terceira Turma, DJe 29/05/2018).
3.1 Na espécie, a singela determinação de envio de correspondência aos segurados da
Unimed acerca do conteúdo do provimento jurisdicional de procedência é insuficiente para
promover a informação de todos os possíveis lesados, pois o provimento não abarca, por
exemplo, aqueles segurados que não mais ostentam a condição de contratante. Não alcança,
sequer os prestadores de serviços de saúde, conveniados ou não, que, indiretamente,
também são atingidos pela norma contida na sentença coletiva
4. Na esteira da pacífica jurisprudência do STJ, não cabe condenação da parte vencida, em
ação civil pública ou em ação coletiva disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor, ao
pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público, ou, no caso, à
Agência Nacional de Saúde Suplementar que integrou a lide na condição de litisconsorte
ativa, em observância ao princípio da simetria que norteia a atuação das partes no bojo do
processo.
5. Recurso especial do Ministério Público Federal parcialmente provido e recurso especial da
Agência Nacional de Saúde Suplementar improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar parcial
provimento ao recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal e negar provimento
ao recurso especial interposto pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, nos termos do

voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Paulo de Tarso Sanseverino e
Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 27 de novembro de 2018 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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