MP tem legitimidade subsidiária para executar sentença coletiva contra cobrança bancária por emissão de boletos

MP tem legitimidade subsidiária para executar sentença coletiva contra cobrança bancária por emissão de boletos

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Ministério Público tem legitimidade subsidiária para liquidar e executar sentença coletiva de consumo que verse sobre interesses individuais homogêneos, quando, decorrido o prazo de um ano, não houver habilitação por parte dos beneficiários da decisão em número compatível com a gravidade do dano.

No caso analisado pelo colegiado, o Ministério Público de São Paulo ajuizou ação coletiva de consumo questionando a cobrança de tarifa de emissão de boletos por um banco.

A sentença condenou a instituição financeira a se abster de inserir a cobrança em seus contratos e a restituir aos clientes os valores pagos nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.

O Tribunal de Justiça de São Paulo deu parcial provimento à apelação para restringir a obrigação de não mais cobrar a tarifa ao período posterior a 30 de abril de 2008 e expandiu os efeitos da sentença a todo o território nacional.

No recurso ao STJ, o banco alegou que os interesses envolvidos na ação seriam heterogêneos, e não individuais homogêneos, o que afastaria a legitimidade do MP e impediria a tutela por meio de ação coletiva e que, mesmo que superada essa tese, o MP não teria legitimidade para propor liquidação e execução de sentença que envolva interesses individuais homogêneos.

Conexão processual

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que o interesse individual homogêneo se caracteriza pela referência a um fato específico ou direito peculiar que é universal às relações jurídicas individuais, a partir dos quais é criada a conexão processual entre os interesses, marcada pela identidade de causa de pedir próxima ou remota.

“Se o interesse individual homogêneo possuir relevância social e transcender a esfera de interesses dos efetivos titulares da relação jurídica de consumo, tendo reflexos práticos em uma universalidade de potenciais consumidores que, de forma sistemática e reiterada, sejam afetados pela prática apontada como abusiva, a legitimidade ativa do Ministério Público estará caracterizada”, afirmou.

No caso analisado, segundo a relatora, os interesses tutelados dizem respeito à universalidade dos atuais e potenciais consumidores dos serviços prestados pelo banco. Por isso, a sentença permitiu o enfrentamento de aspectos padronizados da origem comum dos interesses individuais homogêneos, cuja discussão é passível de ser feita pelo Ministério Público.

“Não há como negar, na presente hipótese, a legitimidade extraordinária ativa do Ministério Público e a regularidade da ação para a defesa dos interesses nela pleiteados”, afirmou.

Legitimidade subsidiária

De acordo com a ministra, a recuperação fluida (fluid recovery), prevista no artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), constitui hipótese específica e excepcional de execução coletiva propriamente dita de danos causados a interesses individuais homogêneos.

Nancy Andrighi destacou ainda que o objetivo dessa legitimação extraordinária e subsidiária para a liquidação e execução do julgado coletivo é transferir à coletividade o produto da reparação civil individual não reclamada, visando preservar a vontade da lei e impedir o enriquecimento sem causa do fornecedor que atentou contra as normas jurídicas de caráter público, lesando os consumidores.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.599.142 - SP (2016/0119731-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : BANCO PAN S.A.
ADVOGADOS : ANTONIO CELSO FONSECA PUGLIESE E OUTRO(S) - SP155105
ANDREA FABRINO HOFFMANN FORMIGA - DF018575
ANA PAULA GENARO - SP258421
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. CONTRADIÇÃO. AUSÊNCIA. INTUITO PROTELATÓRIO. NÃO
COMPROVAÇÃO. SÚMULA 98/STJ. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AFASTAMENTO.
INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. ORIGEM COMUM. ART. 81, III, DO
CDC. CONFIGURAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA.
SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. LIQUIDAÇÃO E EXECUÇÃO. FLUID RECOVERY. ART. 100 DO CDC. POSSIBILIDADE.
1. Cuida-se de ação coletiva de consumo, por meio da qual é questionada a
cobrança da tarifa de emissão de boletos/carnê (TEC) e na qual o recorrido
foi autorizado a liquidar e executar a sentença de procedência, atendidas as
condições do art. 100 do CDC.
2. O propósito recursal consiste em determinar se: a) o acórdão recorrido
padecia de contradição; b) os embargos de declaração foram opostos pelo
recorrente com propósito protelatório; c) os direitos veiculados na inicial
possuem a natureza de interesses individuais homogêneos; d) o Ministério
Público tem legitimidade para promover a liquidação e a execução da
sentença de procedência da ação coletiva de consumo que verse sobre
interesses individuais homogêneos.
3. Recurso especial interposto em: 09/06/2015; conclusos ao gabinete em:
25/08/2016; aplicação do CPC/73.
4. É admissível que esta Corte afaste a multa aplicada por embargos de
declaração reputados protelatórios, em caráter excepcional, quando a
ausência do manifesto propósito de protelar for evidente e aferível da mera
leitura da peça recursal.
5. A simples interposição de recurso previsto em lei não caracteriza
litigância de má-fé.
6. A origem comum, que caracteriza o interesse individual homogêneo,
refere-se a um específico fato ou peculiar direito que é universal às
inúmeras relações jurídicas individuais, a partir dos quais haverá conexão
processual entre os interesses, caracterizada pela identidade de causa de
pedir próxima ou remota.
7. A divisibilidade e a presença de notas singulares são também
características fundamentais dos interesses individuais homogêneos, as

quais não os desqualificam como interesses coletivos em sentido amplo ou
impedem sua tutela em ação civil coletiva de consumo, pois são matérias
examinadas nas ações individuais de cumprimento.
8. Se o interesse individual homogêneo possuir relevância social e
transcender a esfera de interesses dos efetivos titulares da relação jurídica
de consumo, tendo reflexos práticos em uma universalidade de potenciais
consumidores que, de forma sistemática e reiterada, sejam afetados pela
prática apontada como abusiva, a legitimidade ativa do Ministério Público
estará caracterizada.
9. A recuperação fluida (fluid recovery), prevista no citado art. 100 do CDC,
constitui específica e acidental hipótese de execução coletiva de danos
causados a interesses individuais homogêneos, instrumentalizada pela
atribuição de legitimidade subsidiária aos substitutos processuais do art. 82
do CDC para perseguirem a indenização de prejuízos causados
individualmente aos substituídos, com o objetivo de preservar a vontade da
Lei e impedir o enriquecimento sem causa do fornecedor que atentou contra
as normas jurídicas de caráter público, lesando os consumidores.
10. O Ministério Público tem legitimidade subsidiária para a liquidação e
execução da sentença coletiva, caso não haja habilitação por parte dos
beneficiários, nos termos do art. 100 do CDC. Precedentes.
11. Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso
especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram
com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). ANDREA FABRINO HOFFMANN FORMIGA, pela parte
RECORRENTE: BANCO PAN S.A.
Brasília (DF), 25 de setembro de 2018(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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