Mantida condenação por dano moral contra advogado acusado de prejudicar clientes
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que condenou o advogado Maurício Dal Agnol a pagar indenização por danos morais de R$ 10 mil a um dos clientes que teriam sido prejudicados pela realização de acordo extrajudicial com a Brasil Telecom. As supostas atividades ilícitas foram investigadas pela Polícia Federal na Operação Carmelina.
Deflagrada em 2014, a operação investigou suposta lesão aos interesses de milhares de clientes do escritório de advocacia em processos contra a extinta Companhia Rio-Grandense de Telecomunicações (CRT), sucedida pela Brasil Telecom/Oi. O caso deu origem a diversos pedidos judiciais de indenização, alguns deles ainda em trâmite no STJ.
O relator do recurso especial do advogado, ministro Villas Bôas Cueva, disse que o fato de dispor de procuração com poderes para celebrar acordos não o autorizava a “proceder de forma temerária e a seu livre arbítrio, nem a celebrar pactos contrários aos interesses de seu cliente, nem a se locupletar indiretamente às suas custas”.
No caso analisado pelo colegiado, um aposentado alegou que contratou os serviços do advogado para mover ação contra a Brasil Telecom. Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, em 2007, foi promovido o cumprimento de sentença e houve o depósito de cerca de R$ 14 mil. No entanto, para surpresa do cliente, em 2010, o advogado firmou acordo com a companhia, no qual abdicou de mais de 50% do valor, destinando-lhe apenas R$ 5 mil.
Honorários
Em primeiro grau, o juiz condenou o advogado e a Oi a ressarcir, de forma solidária, os prejuízos materiais causados ao aposentado, além de fixar indenização por danos morais de R$ 10 mil. O TJRS reformou parcialmente a sentença para excluir a empresa de telefonia do polo passivo e fixar a data da citação como marco inicial para incidência de juros de mora.
No recurso especial, o advogado alegou que a procuração outorgada pelo aposentado autorizava a formalização de acordo com a empresa de telefonia, de forma que não teria havido ilicitude. Além disso, o patrono sustentou que, como os serviços advocatícios contratados foram efetivamente prestados, a remuneração prevista em contrato deveria ser abatida da condenação.
Ajuste espúrio
De acordo com o ministro Villas Bôas Cueva, as informações colhidas na Operação Carmelina apontaram que o advogado teria se beneficiado pessoalmente do acordo extrajudicial celebrado com a telefônica. O relator lembrou que, conforme o artigo 667 do Código Civil, compete ao advogado agir de forma diligente na execução de seu mandato, sob pena de indenizar qualquer prejuízo causado por sua culpa.
“A partir do contexto fático-probatório delineado nos autos, o tribunal estadual consignou que o mandatário não apenas faltou com a necessária diligência em favor de seu cliente, como atuou de modo a lhe causar prejuízos, renunciando a crédito já reconhecido judicialmente em sentença com remota possibilidade de reversão, em virtude de ajuste espúrio realizado com a parte contrária”, apontou o ministro.
Em relação ao abatimento da condenação em virtude da prestação de serviços, ele disse que não há como o profissional ser remunerado por serviços que não foram prestados de forma integral e efetiva, e que na verdade causaram danos ao cliente.
“Se os honorários advocatícios se encontravam atrelados ao proveito econômico obtido pelo cliente no processo movido contra a Brasil Telecom/Oi, que foi inferior devido à conduta abusiva do advogado e, portanto, imputável exclusivamente a este, não há como exigir do autor que efetue qualquer pagamento adicional ao réu a esse título”, concluiu o relator ao manter o acórdão do TJRS.
Conduta protelatória
Durante a sessão de julgamento, os ministros destacaram o grande número de recursos que vêm sendo submetidos à apreciação do STJ envolvendo o mesmo caso, com teses semelhantes. No voto do relator, consta uma relação de diversos precedentes proferidos monocraticamente por todos os ministros que integram a Segunda Seção.
Segundo observou Villas Bôas Cueva, “as decisões aqui proferidas têm, majoritariamente, mantido as conclusões das instâncias ordinárias, seja não conhecendo dos recursos em virtude da incidência de óbices processuais, seja negando-lhes provimento”. E acrescentou: “Merece nota o fato de que, a despeito de versarem acerca de questões jurídicas pacificadas, as teses veiculadas nos recursos especiais se reiteram, variando pouco conforme cada caso, em conduta que se revela manifestamente protelatória”.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.750.570 - RS (2018/0047957-1)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : MAURÍCIO DAL AGNOL
ADVOGADOS : PABLO PACHECO DOS SANTOS - RS062925
RODRIGO TONIAL - RS063379
PABLO FRIEDRICH DORNELES E OUTRO(S) - RS059377
RECORRIDO : DARCI JOSÉ DALL AGNESE
ADVOGADO : CATIUSA BENEDETTI MACHADO - RS067295
INTERES. : OI S.A. - EM RECUPERACAO JUDICIAL
ADVOGADOS : ANA TEREZA BASILIO - RJ074802
TOMÁS ESCOSTEGUY PETTER - RS063931
DIEGO SOUZA GALVAO - RS065378
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MATERIAIS E MORAIS.
ADVOGADO. DESCUMPRIMENTO DO MANDATO. PRESCRIÇÃO. NÃO
CONFIGURAÇÃO. CELEBRAÇÃO DE ACORDO PREJUDICIAL. RENÚNCIA DE
CRÉDITO. RESPONSABILIDADE CIVIL. RELAÇÃO CONTRATUAL. ABUSO DE
PODER. CONFIGURAÇÃO. HONORÁRIOS. ABATIMENTO. IMPOSSIBILIDADE.
JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL. CITAÇÃO. TERMO FINAL. QUITAÇÃO.
BLOQUEIO DOS BENS. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO
CONFIGURAÇÃO. DANO MORAL. REDUÇÃO. INVIABILIDADE. REEXAME DE
PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código
de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Controvérsia relacionada com uma série de demandas indenizatórias cíveis
ajuizadas por antigos clientes do escritório de advocacia do recorrente, Maurício
Dal Agnol.
3. No caso concreto, ficou consignado que o advogado celebrou acordo
prejudicial ao cliente, por meio do qual renunciou a crédito consolidado em
sentença com remota possibilidade de reversão, em virtude de ajuste espúrio
realizado com a parte contrária.
4. As condutas atribuídas ao réu são incontroversas e indicam o efetivo
descumprimento do mandato outorgado, sendo o seu reexame vedado por se
tratar de questão decidida à luz do contexto fático-probatório dos autos, a atrair o
óbice da Súmula nº 7/STJ.
5. Diante da impossibilidade de precisar o momento da ciência da lesão, deve ser
mantida a data de deflagração da Operação Carmelina como o termo inicial do
prazo prescricional para as ações indenizatórias propostas pelos clientes lesados,
quando foi dada ampla publicidade aos ilícitos imputados ao réu. Aplicação da
teoria da actio nata. Precedentes.
6. Nas ações de indenização do mandante contra o mandatário incide o prazo
prescricional de 10 (dez) anos, previsto no art. 205 do Código Civil, por se tratar
de responsabilidade proveniente de relação contratual. Precedentes.
7. O fato de o advogado-mandatário ostentar procuração com poderes para
transigir não afasta a responsabilidade pelos prejuízos causados por culpa sua
ou de pessoa para quem substabeleceu, nos termos dos arts. 667 do Código Civil
e 32, caput, do Estatuto da Advocacia.
8. A responsabilidade pelos danos decorrentes do abuso de poder pelo
mandatário independe da prévia anulação judicial do ato praticado, pois o
prejuízo não decorre de eventual nulidade, mas, sim, da violação dos deveres
subjacentes à relação jurídica entre o advogado e o assistido.
9. É indevido o abatimento proporcional, no cálculo do prejuízo suportado pela
parte autora, de parcela relativa a honorários advocatícios contratuais se não
houve o cumprimento integral do contrato e a remuneração devida estava
atrelada ao proveito econômico obtido pelo cliente no processo originário.
10. Esta Corte firmou o entendimento de que, em se tratando de indenização por
danos decorrentes de responsabilidade contratual, os juros moratórios fluem a
partir da citação tanto para os danos morais quanto para os materiais.
11. A mera notícia de decisão judicial determinando a indisponibilidade forçada
dos bens do réu, no cerne de outro processo, com objeto e partes distintas, não
possui o condão de interromper a incidência dos juros moratórios. O bloqueio
judicial dos bens é medida constritiva de natureza preventiva que não se
confunde com a sistemática do depósito judicial em garantia. Precedente em caso
análogo.
12. O montante fixado a título de indenização por danos morais (R$ 10.000,00 - dez mil reais) não se mostra irrisório ou abusivo ante o quadro fático delineado na
origem.
13. Não se vislumbra a divergência jurisprudencial suscitada na hipótese em que
o entendimento do acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência
desta Corte, incidindo a Súmula nº 83/STJ.
14. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,
prosseguindo no julgamento, após a vista regimental do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,
decide a Terceira Turma, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta
extensão, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros
Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso
Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 11 de setembro de 2018(Data do Julgamento)
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Relator