Município tem legitimidade para mover ação civil pública em defesa de servidores contra banco

Município tem legitimidade para mover ação civil pública em defesa de servidores contra banco

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a recurso do município de Brusque (SC) para determinar o prosseguimento de uma ação civil pública movida contra um banco em razão da cobrança automática de tarifa de renovação cadastral dos servidores públicos municipais.

O entendimento do colegiado é que o município possui legitimidade ativa para tutelar os direitos individuais homogêneos em questão, já que os entes políticos têm o dever-poder de proteção de valores fundamentais (entre os quais a defesa coletiva de consumidores) e que a pertinência temática e a representatividade adequada desses legitimados são presumidas.

Segundo a relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, o traço que caracteriza o interesse individual homogêneo como coletivo é a eventual presença de interesse social qualificado em sua tutela, correspondente à transcendência da esfera de interesses puramente particulares pelo comprometimento de bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação importa à comunidade como um todo. Tal entendimento, na visão da magistrada, justifica a atuação do município.

“Ainda que tenha sido mencionada como causa de pedir e pedido a cobrança da tarifa de renovação de cadastro de servidores municipais, é certo que o direito vindicado possui dimensão que extrapola a esfera de interesses puramente particulares dos citados servidores, o que é suficiente para o reconhecimento da legitimidade do ente político para essa primeira fase da tutela coletiva de interesses individuais homogêneos”, afirmou a ministra.

Tarifa surpresa

Segundo a petição inicial do município, o Banco HSBC debitou, em setembro de 2009, R$ 38 das contas individuais e R$ 76 das contas conjuntas referentes à tarifa de renovação de cadastro, sem autorização prévia dos servidores municipais e sem a efetiva renovação de cadastros.

O tribunal de origem não reconheceu a legitimidade ativa do município por considerar que o ente político estava defendendo unicamente os direitos do grupo de servidores, e que a proteção de direitos individuais homogêneos não está incluída em sua função constitucional. Para o tribunal estadual, o município não teria representatividade adequada ou pertinência temática para a demanda.

Segundo a relatora, para aferir a legitimidade, o tribunal de origem deveria ter-se limitado a “averiguar a presença de interesse social qualificado na tutela dos interesses individuais homogêneos mencionados na inicial, com o que estariam satisfeitos os requisitos para o reconhecimento da legitimidade ativa do recorrente para o ajuizamento da ação civil pública em exame”.

Nancy Andrighi lembrou que a discussão a respeito dos limites subjetivos da eventual sentença de procedência não é matéria da primeira fase da tutela coletiva e não poderia impedir o exame de mérito da controvérsia.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.509.586 - SC (2015/0019490-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : MUNICÍPIO DE BRUSQUE
PROCURADOR : ELTON RODRIGO RIFFEL E OUTRO(S) - SC029302
RECORRIDO : HSBC BANK BRASIL S.A. - BANCO MÚLTIPLO
ADVOGADOS : LEONARDO LINS MORATO E OUTRO(S) - SP163840
ADRIANA MARIA CRUZ DIAS E OUTRO(S) - SP236521
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
DIREITO DO CONSUMIDOR. BANCÁRIO. COBRANÇA DE TARIFA DE
RENOVAÇÃO DE CADASTRO. INTERESSES INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE ATIVA. MUNICÍPIO. PERTINÊNCIA
TEMÁTICA. REPRESENTAÇÃO ADEQUADA.
1. O propósito do presente recurso especial é determinar se o Município de
Brusque tem legitimidade ad causam para ajuizar ação civil pública em defesa de
direitos consumeristas, questionando a cobrança de tarifas bancárias de
“renovação de cadastro”.
2. Recurso especial interposto em: 23/07/2014. Conclusos ao gabinete em:
26/08/2016. Aplicação do CPC/73.
3. O traço que caracteriza o direito individual homogêneo como coletivo – alterando sua disponibilidade – é a eventual presença de interesse social
qualificado em sua tutela, correspondente à transcendência da esfera de interesses
puramente particulares pelo comprometimento de bens, institutos ou valores
jurídicos superiores, cuja preservação importa à comunidade como um todo.
4. A ação civil coletiva em que se defendem interesses individuais homogêneos se
desdobra em duas fases: a) a primeira, caracterizada pela legitimidade
extraordinária, na qual são definidos, em sentença genérica, os contornos
homogêneos do direito questionado; e b) a segunda, onde impera a legitimidade
ordinária, na qual são estabelecidos a titularidade do direito e o quantum
debeatur, essenciais à exequibilidade da primeira sentença.
5. A qualidade moral e técnica necessária para a configuração da pertinência
temática e da representatividade adequada tem íntima relação com o respeito das
garantias processuais das pessoas substituídas, a legitimidade do provimento
jurisdicional com eficácia ampla e a própria instrumentalização da demanda
coletiva, evitando o ajuizamento de ações temerárias, sem fundamento razoável,
ou propostas por motivos simplesmente políticos ou emulatórios.
6. Em relação ao Ministério Público e aos entes políticos, que tem como
finalidades institucionais a proteção de valores fundamentais, como a defesa
coletiva dos consumidores, não se exige pertinência temática e representatividade
adequada.
7. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem recusou legitimidade ao ente
político em virtude de ter considerado que o Município estaria defendendo
unicamente os direitos do grupo de servidores públicos, por entender que a
proteção de direitos individuais homogêneos não estaria incluída em sua função
constitucional e por não vislumbrar sua representatividade adequada ou

pertinência temática.
8. Ainda que tenha sido mencionada como causa de pedir e pedido a cobrança da
tarifa de “renovação de cadastro” de servidores municipais, é certo que o direito
vindicado possui dimensão que extrapola a esfera de interesses puramente
particulares dos citados servidores, o que é suficiente para o reconhecimento da
legitimidade do ente político para essa primeira fase da tutela coletiva de
interesses individuais homogêneos.
9. Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e
dar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs.
Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio
Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 15 de maio de 2018(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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