STJ afasta multa por descumprimento de prazo de entrega em vendas pela internet

STJ afasta multa por descumprimento de prazo de entrega em vendas pela internet

Por maioria de votos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para afastar a imposição de multa à empresa Kalunga Comércio e Indústria Gráfica Ltda. nos casos de atraso na entrega de produtos vendidos por meio de sua loja virtual.

O tribunal paulista havia admitido a possibilidade de inversão de cláusula penal e aplicação de multa contra a empresa com base no princípio do equilíbrio contratual. No entanto, a Quarta Turma entendeu que as multas contra o consumidor por eventual atraso no pagamento são, na verdade, cobradas pelas administradoras de cartão de crédito, e não pela empresa de varejo, o que afasta a ideia de desequilíbrio contratual nas vendas pela internet.

“A multa, acaso existente, diz respeito ao contrato entre o consumidor e a financeira, em nada aproveitando ou prejudicando a vendedora, de modo que não há multa contratual a ser contra ela invertida, seja nas compras à vista, seja nas parceladas com o uso do cartão de crédito”, apontou no voto vencedor a ministra Isabel Gallotti.

O recurso teve origem em ação civil pública proposta pelo Ministério Público de São Paulo sob o fundamento de que, nos contratos de adesão, a Kalunga estabelecia penalidades aos consumidores por eventual atraso no pagamento, mas não fixava multa para as hipóteses de atraso na entrega das mercadorias ou de demora na devolução do dinheiro quando o consumidor exercesse o direito de arrependimento.

A ação civil pública foi julgada improcedente em primeiro grau, mas o TJSP reformou a sentença por entender que, como a empresa estaria impondo ao consumidor o pagamento de multa moratória, seria necessária a imposição da mesma penalidade à empresa, em face do princípio do equilíbrio contratual.

Contratos distintos

Ao examinar o recurso da Kalunga, a ministra Isabel Gallotti observou que o acórdão paulista analisou especificamente as hipóteses de pagamento por meio de cartão de crédito das diversas bandeiras admitidas pela fornecedora. Mesmo considerando que a multa moratória não é cobrada pela empresa, explicou a ministra, o TJSP entendeu que o simples fato de permitir a compra por meio de cartão autorizaria a imposição de cláusula penal à Kalunga.

Todavia, a ministra esclareceu que o contrato de cartão de crédito não está diretamente ligado ao pacto de compra e venda. Segundo ela, o consumidor pode escolher entre vários cartões, de bandeiras diferentes, e dispõe de diversos outros meios de liquidação (boleto bancário, por exemplo), e, portanto, não depende de determinado tipo de pagamento para efetuar compras no site da empresa.

“No pacto entre o consumidor e a operadora de cartão, não se pode cogitar de desequilíbrio contratual, uma vez que a cobrança de encargos moratórios é contrapartida contratual e legalmente prevista diante da mora do consumidor, que obteve o crédito de forma fácil e desembaraçada, sem prestar garantia adicional alguma além da promessa de pagar no prazo acertado”, afirmou a ministra.     

Pressupostos

No voto acompanhado pela maioria do colegiado, Gallotti também lembrou que a legislação não prevê penalidade para o consumidor que demora a devolver mercadoria nos casos de arrependimento, tampouco estipula ao fornecedor multas por atraso na entrega de produtos ou demora na restituição de valor pago pelo consumidor que posteriormente desiste da compra.

Assim, como não é permitido ao Judiciário substituir o legislador, a ministra destacou que a inversão da cláusula penal deve partir de dois pressupostos: que a cláusula penal tenha sido, efetivamente, celebrada no pacto; e que haja quebra do equilíbrio contratual. Para a magistrada, nenhum dos dois requisitos foi demonstrado no caso analisado.

“Necessário ressaltar que o consumidor não está desamparado, e sempre pode recorrer ao Poder Judiciário quando, no caso concreto, o atraso na entrega da mercadoria, ou na restituição do preço da compra cancelada, for injustificado e ultrapassar os limites da razoabilidade”, concluiu a ministra ao acolher o recurso da empresa.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.412.993 - SP (2013/0104421-7)
RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
RECORRENTE : KALUNGA COMÉRCIO E INDÚSTRIA GRÁFICA LTDA
ADVOGADO : RODRIGO ARANTES BARCELLOS CORREA E OUTRO(S) - SP154361
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
EMENTA
DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPRA E VENDA
REALIZADA PELA INTERNET. IMPOSIÇÃO DE MULTA PARA OS CASOS DE
ATRASO NA ENTREGA DA MERCADORIA E DEMORA NA RESTITUIÇÃO DO
VALOR PAGO PELO CONSUMIDOR ARREPENDIDO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO
LEGAL OU CONTRATUAL. INEXISTÊNCIA NO CONTRATO DE MULTA EM PROL
DO FORNECEDOR PASSÍVEL DE INVERSÃO. PEDIDO IMPROCEDENTE.
1. Ação civil pública proposta com o objetivo de, sob o imperativo da reciprocidade,
impor cláusula penal ao fornecedor de bens móveis, nos casos de atraso na entrega
da mercadoria e na demora de restituição do valor pago quando do exercício do
direito do arrependimento, ante a premissa de que o consumidor é penalizado com
a obrigação de arcar com multa moratória quando atrasa o pagamento de suas
faturas de cartão de crédito.
2. Dado que ao Poder Judiciário não é atribuída a tarefa de substituir o legislador, a
"inversão" da cláusula penal deve partir do atendimento a dois pressupostos lógicos:
a) que a cláusula penal tenha sido, efetivamente, celebrada no pacto; b) haja
quebra do equilíbrio contratual, em afronta ao princípio consagrado no art. 4º, III, do
CDC.
3. No caso dos autos, a empresa fornecedora de bens móveis não cobra, no
contrato de compra e venda, multa moratória, motivo por que o princípio do
equilíbrio contratual não pode ser invocado para impor a multa.
4. No pacto de compra e venda, a empresa fornecedora envia a mercadoria após a
confirmação de pagamento pela operadora de cartão de crédito, inexistindo risco de
mora, daí a desnecessidade de previsão de cláusula penal, não havendo multa
contratual a ser contra ela "invertida".
5. O simples fato de o fornecedor disponibilizar, dentre outros meios de pagamento,
em seu sítio da internet, compra por meio de cartão de crédito, de diferentes
bandeiras, à escolha do consumidor, não autoriza a imposição de cláusula penal
como corolário do equilíbrio contratual.
6. O contrato de compra e venda celebrado entre fornecedor de bens móveis e o
consumidor não se confunde com o pacto realizado entre este e a operadora de
cartão de crédito de sua preferência, possuindo cláusulas próprias e
incomunicáveis.
7. A multa cobrada pela administradora do cartão, em face do atraso no pagamento
da fatura do cartão de crédito, é contrapartida justificada pela obtenção do crédito
de forma fácil e desembaraçada, sem que o consumidor tenha de prestar garantia
adicional alguma, além da promessa de pagar no prazo acertado.
8. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 49, impõe somente a
atualização monetária do valor pago pelo comprador nos casos de exercício do
direito de arrependimento, de sorte que a imposição de multa moratória, em

abstrato, por sentença em ação coletiva, nessa hipótese, carece de previsão
legislativa.
9. O estímulo ao cumprimento dos prazos para a entrega de mercadorias e
devolução do pagamento em caso de desistência de compra é efetuado pela
dinâmica do próprio mercado, que pune aqueles que prestam serviço deficiente,
dispondo os consumidores de variados canais para tornarem públicas suas
reclamações e elogios, além de contar com o Poder Judiciário naqueles casos
concretos em que a mora do fornecedor ultrapasse os limites da razoabilidade.
10. Recurso especial provido para julgar improcedente o pedido.
ACÓRDÃO
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Ministro
Lázaro Guimarães dando provimento ao recurso especial, acompanhando a
divergência, a Quarta Turma, por maioria, deu provimento ao recurso especial, nos
termos do voto divergente da Ministra Maria Isabel Gallotti, que lavrará o acórdão.
Vencidos o relator e o Ministro Marco Buzzi. Votaram com a Sra.
Ministra Maria Isabel Gallotti os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira (Presidente) e
Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região).
Brasília/DF, 08 de maio de 2018(Data do Julgamento)
MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI
Relatora p/ acórdão

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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