Analista de suporte consegue na Justiça reconhecimento do direito à desconexão

Analista de suporte consegue na Justiça reconhecimento do direito à desconexão

Um analista de suporte da Hewlett-Packard Brasil Ltda. obteve, na Justiça do Trabalho, o direito de ser indenizado por ofensa ao “direito à desconexão”. Segundo a decisão, ele ficava conectado mentalmente ao trabalho durante plantões que ocorriam por 14 dias seguidos, e, além de cumprir sua jornada, permanecia à disposição da empresa, chegando a trabalhar de madrugada em algumas ocasiões.

O assunto é novo para a Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que julgou na última semana um agravo da empresa contra a condenação. Os ministros entenderam que o direito ao lazer do trabalhador foi suprimido em virtude dos plantões e mantiveram a indenização de R$ 25 mil.

O empregado sustentou na reclamação trabalhista que o sistema de sobreaviso imposto pela empresa o privou do direito ao descanso e ao lazer e à desconexão ao trabalho. “Toda noite eu era acionado em média três vezes e não podia dormir corretamente, pois o celular ficava ligado 24 horas”, afirmou.

Para a Hewlett-Packard, houve equívoco na caracterização do sobreaviso, já que apenas o plantão e o uso de aparelhos telemáticos não são suficientes para a sua caracterização. “É preciso que o empregado fique à disposição da empresa e exista manifesta restrição de sua liberdade de locomoção”, argumentou.

Desconexão

O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido de indenização, entendendo que o trabalhador não estava impossibilitado de se locomover durante os plantões. Mas o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região proveu recurso do analista e condenou a empresa. “Não há como se ignorar que havia uma expectativa de o trabalhador ser chamado a qualquer momento durante esses dias”, afirma o Regional. “Esta expectativa retira dele a energia e a concentração que deveriam estar voltados para a sua vida privada”.

Para o TRT, o direito de se desconectar do trabalho visa à preservação da intimidade da vida privada e da saúde social do empregado. “Cabe à empresa organizar seus horários, contratar outros empregados para os horários de plantão, enfim, tomar iniciativas de modo que sejam observadas as normas que limitam a jornada de trabalho, e asseguram a seus empregados o efetivo descanso”.

Precarização

No agravo pelo qual tentou trazer o caso ao TST, alegando violação a dispositivos da Constituição Federal e do Código Civil, a HP argumentou que não era possível identificar propriamente um dano, mas “dissabores”, que não caracterizariam danos morais. “A prestação de horas extras, mesmo habitual, por si só, não significa obstáculo ao lazer do trabalhador a ponto de ensejar-lhe reparação”, sustentou.

O relator do agravo, ministro Cláudio Brandão, reconheceu que a evolução da tecnologia refletiu diretamente nas relações de trabalho, mas que é essencial que o trabalhador se desconecte a fim de preservar sua integridade física e mental. “O avanço tecnológico e o aprimoramento das ferramentas de comunicação devem servir para a melhoria das relações de trabalho e otimização das atividades, jamais para escravizar o trabalhador”, ressaltou.

Segundo Brandão, trabalhos à distância, pela exclusão do tempo à disposição, em situações relacionadas à permanente conexão por meio do uso da comunicação telemática ou de regimes de plantão pode representar uma precarização de direitos trabalhistas. Lembrou ainda que o excesso de jornada já aparece em estudos como uma das razões para doenças ocupacionais relacionadas à depressão e ao transtorno de ansiedade, “o que leva a crer que essa conexão demasiada contribui, em muito, para que o empregado, cada vez mais, fique privado de ter uma vida saudável e prazerosa”, concluiu.

Por unanimidade, a Turma desproveu o agravo de instrumento.

Processo: AIRR-2058-43.2012.5.02.0464

A C Ó R D Ã O 7ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE
REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA
ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014.
JORNADA DE TRABALHO. HORAS DE
SOBREAVISO. O regime de sobreaviso
caracteriza-se como o tempo,
previamente ajustado, em que o
empregado permanece, fora do horário
normal de serviço, à disposição do
empregador, no aguardo de eventual
chamada para o trabalho. Tal situação
importa diminuição ou cerceamento da
liberdade de dispor do seu próprio
tempo, pois a constante expectativa de
ser chamado ao serviço no momento de
fruição do seu descanso, seja em casa ou
em qualquer outro lugar que possa vir a
ser acionado por meios de comunicação,
impede que desempenhe as suas
atividades regulares. A regra do artigo
244, § 2º, da CLT deve ser compreendida
à luz da realidade da época de sua
edição, nos idos de 1943, quando os
meios de comunicação eram rudimentares
e, por isso, era exigida a permanência
do empregado em sua casa, a fim de ser
localizado de maneira mais rápida.
Hoje, porém, é possível que o
trabalhador tenha certa mobilidade e,
ainda assim, seja prontamente contatado
pela empresa, por meio de pager, celular
ou outros recursos tecnológicos. Nesse
sentido é a Súmula nº 428 do TST. Na
hipótese, o quadro fático delineado no
acórdão regional comprova,
efetivamente, a ocorrência de restrição
à liberdade do autor, já que, quando
escalado em regime de plantão, deveria
ficar com o telefone celular e notebook
disponíveis a fim de prestar suporte
técnico ao cliente que necessitava.

Incidência do artigo 896, §§ 4º e 5º, da
CLT. Agravo de instrumento a que se nega
provimento.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR.
DANOS MORAIS CAUSADOS AO EMPREGADO.
CARACTERIZAÇÃO. DIREITO À DESCONEXÃO.
HORAS DE SOBREAVISO. PLANTÕES HABITUAIS
LONGOS E DESGASTANTES. DIREITO AO LAZER
ASSEGURADO NA CONSTITUIÇÃO E EM NORMAS
INTERNACIONAIS. COMPROMETIMENTO DIANTE
DA AUSÊNCIA DE DESCONEXÃO DO TRABALHO.
A responsabilidade civil do empregador
pela reparação decorrente de danos
morais causados ao empregado pressupõe
a existência de três requisitos, quais
sejam: a conduta (culposa, em regra), o
dano propriamente dito (violação aos
atributos da personalidade) e o nexo
causal entre esses dois elementos. O
primeiro é a ação ou omissão de alguém
que produz consequências às quais o
sistema jurídico reconhece relevância.
É certo que esse agir de modo consciente
é ainda caracterizado por ser contrário
ao Direito, daí falar-se que, em
princípio, a responsabilidade exige a
presença da conduta culposa do agente,
o que significa ação inicialmente de
forma ilícita e que se distancia dos
padrões socialmente adequados, muito
embora possa haver o dever de
ressarcimento dos danos, mesmo nos
casos de conduta lícita. O segundo
elemento é o dano que, nas palavras de
Sérgio Cavalieri Filho, consiste na “[...]
subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer
que seja a sua natureza, quer se trate de um bem
patrimonial, quer se trate de um bem integrante da
própria personalidade da vítima, como a sua honra, a
imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um
bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a
conhecida divisão do dano em patrimonial e moral”.
Finalmente, o último elemento é o nexo
causal, a consequência que se afirma
existir e a causa que a provocou; é o
encadeamento dos acontecimentos

derivados da ação humana e os efeitos
por ela gerados. No caso, o quadro
fático registrado pelo Tribunal
Regional revela que “o autor permaneceu
conectado, mentalmente, ao trabalho durante os
plantões, que ocorriam 14 dias seguidos. Além de
cumprir sua jornada, o autor permanecia à disposição da
empresa, chegando a trabalhar de madrugada em
algumas ocasiões, como no dia 06/01/2008, por
exemplo, em que trabalhou das 2h às 5h, no dia 27 do
mesmo mês, das 4h40min às 11h30min (fl. 416), e no
dia 13/09/13, das 0h às 3h30min (fl. 418).” A
precarização de direitos trabalhistas
em relação aos trabalhos à distância,
pela exclusão do tempo à disposição, em
situações corriqueiras relacionadas à
permanente conexão por meio do uso da
comunicação telemática após o
expediente, ou mesmo regimes de
plantão, como é o caso do regime de
sobreaviso, é uma triste realidade que
se avilta na prática judiciária. A
exigência para que o empregado esteja
conectado por meio de smartphone,
notebook ou BIP, após a jornada de
trabalho ordinária, é o que caracteriza
ofensa ao direito à desconexão. Isso
porque não pode ir a locais distantes,
sem sinal telefônico ou internet,
ficando privado de sua liberdade para
usufruir efetivamente do tempo
destinado ao descanso. Com efeito, o
excesso de jornada aparece em vários
estudos como uma das razões para doenças
ocupacionais relacionadas à depressão e
ao transtorno de ansiedade, o que leva
a crer que essa conexão demasiada
contribui, em muito, para que o
empregado cada vez mais, fique privado
de ter uma vida saudável e prazerosa.
Para Jorge Luiz Souto Maior, “quando se fala
em direito a se desconectar do trabalho, que pode ser
traduzido como direito de não trabalhar, não se está
tratando de uma questão meramente filosófica ou ligada
à futurologia(...), mas sim numa perspectiva
técnico-jurídica, para fins de identificar a existência de

um bem da vida, o não-trabalho, cuja preservação possa
se dar, em concreto, por uma pretensão que se deduza
em juízo.” Não fossem suficientes as
argumentações expostas e a sustentação
doutrinária do reconhecimento do
direito aludido, há que se acrescentar
o arcabouço constitucional que ampara o
direito ao lazer, com referência
expressa em vários dispositivos, a
exemplo dos artigos 6º; 7º, IV; 217, §
3º; e 227. O direito à desconexão
certamente ficará comprometido, com a
permanente vinculação ao trabalho, se
não houver critérios definidos quanto
aos limites diários, os quais ficam
atrelados à permanente necessidade do
serviço. Resultaria, enfim, em
descumprimento de direito fundamental e
no comprometimento do princípio da
máxima efetividade da Carta Maior.
Finalmente, a proteção não se limita ao
direito interno. Mencione-se, na mesma
linha, diversos diplomas normativos
internacionais, que, ou o reconhecem de
modo expresso, ou asseguram o direito à
limitação do número de horas de
trabalho, ora destacados: artigos 4º do
Complemento da Declaração dos Direitos
do Homem (elaborado pela Liga dos
Direitos do Homem e do Cidadão em 1936);
XXIV da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, de 1948; 7º do Pacto
Internacional Relativo aos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, de
1966; e 7º, “g” e “h” do Protocolo de
San Salvador (Protocolo Adicional à
Convenção Interamericana Sobre
Direitos Humanos em Matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais), os
dois últimos ratificados pelo Brasil.
Nesse contexto, mostra-se
incontroversa a conduta antijurídica da
empresa que violou direito fundamental
decorrente de normas de ordem pública.
Os danos causados, pela sua natureza in
re ipsa, derivam na própria natureza do

ato e independem de prova. Presente o
nexo de causalidade entre este último e
a conduta patronal, está configurado o
dever de indenizar. Agravo de
instrumento a que se nega provimento.
DANOS MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO.
DECISÃO GENÉRICA. INÉRCIA DA PARTE,
QUANTO À OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE
REVISÃO. O Tribunal Regional não
especificou os parâmetros concretos que
o levaram a manter a sentença que fixou
a indenização por danos morais em
R$25.000,00. Diante da omissão da Corte
a quo, caberia a oposição de embargos de
declaração, a fim de que explicitasse os
fundamentos que conduziram ao valor
arbitrado e demonstrasse a
proporcionalidade com relação à
extensão do dano. Como a parte não tomou
tal providência afigura-se inviável o
exame da tese recursal, no sentido de
que não há razoabilidade no montante da
indenização. Incidência da Súmula nº
297 do TST. Agravo de instrumento a que
se nega provimento.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (TST - Tribunal Superior do Trabalho) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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