STF rejeita recurso contra decisão sobre rito de impeachment
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou embargos de declaração apresentados pela Mesa da Câmara dos Deputados contra o acórdão do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 378, na qual a Corte analisou a legitimidade constitucional do rito do processo de impeachment de presidente da República previsto na Lei 1.079/1950. Os ministros, por maioria, consideraram que o acórdão da Corte não apresenta contradição, obscuridade ou omissão, condições para o acolhimento do recurso.
A Corte contudo não conheceu dos embargos quanto a 11 questões formuladas pela recorrente, afastando esse ponto por unanimidade. Esses questionamentos, segundo concluiu o Plenário, não tinham relação direta com o objeto da ADPF, além de apresentar natureza consultiva, o que não cabe ao Tribunal. No mérito, a maioria acompanhou o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, pela rejeição dos embargos, vencidos os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Relator
O ministro Luís Roberto Barroso (relator) examinou os três pontos questionados no recurso: o papel do Senado Federal no processo de impeachment, formação de comissão especial a partir de candidaturas avulsas e voto aberto na eleição da comissão especial. A maioria dos ministros acompanhou o relator entendendo que a Constituição Federal de 1988 estabeleceu um papel determinado para o Senado no rito de impeachment, que foi adotado no caso do ex-presidente da República Fernando Collor, em 1992. “A prática de 1992 foi exatamente como nós assentamos na decisão contestada”, disse.
Quanto à impossibilidade de apresentação da candidatura ou chapa avulsa para a formação da comissão especial deimpeachment, o relator ressaltou que a hipótese não é de eleição para a escolha dos integrantes da referida comissão, cabendo aos partidos fazerem a escolha de seus representantes. Ele lembrou que em dezembro de 2015, quando ocorreu o julgamento questionado, “o Supremo entendeu que a interpretação mais adequada à Constituição Federal era a de que quem escolhe o representante do partido, é o partido”.
Em seguida, o ministro Barroso salientou que o argumento sobre a votação ser secreta não deve ser acolhido. “A votação [do caso Collor] foi efetiva e concretamente aberta e o argumento de que se mudou de secreta para aberta porque não havia disputa não é defensável, porque essa é uma norma de ordem pública”, afirmou.
Por fim, o relator destacou que “criou-se uma lenda inverossímil” de que os ministros do Supremo teriam deliberado sobre a questão do voto aberto sem saber do inteiro teor do artigo 188, inciso III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Esse dispositivo faz referência, em sua parte final, à possibilidade de escrutínio secreto nas demais eleições.
O ministro destacou que o dispositivo foi enfrentado inúmeras vezes durante o julgamento e que o voto condutor tratou expressamente da previsão de votação secreta “nas demais eleições”, conforme contido na parte final. “O artigo 188, inciso III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, foi invocado não somente no voto condutor do acórdão questionado no presente recurso, mas ao longo de toda a tramitação da ADPF”, portanto, segundo ele, “foi explícito o enfrentamento do dispositivo”.
Votação
O ministro Edson Fachin acompanhou integralmente o voto do relator. Ele avaliou que o recurso interposto não apresentou obscuridade, contradição, omissão no resultado a que chegou o voto vencedor. “Não há ofensa a prover os embargos de declaração, ausentes as questões de embargabilidade”, disse. No mesmo sentido, votou o ministro Teori Zavascki ao ressaltar que a causa foi “julgada com clareza em todos os seus pontos”.
Também a ministra Rosa Weber votou nesse sentido. Para ela, “não há como emprestar efeitos infringentes quando o acórdão não apresenta os vícios indicados”. Ao acompanhar o relator, o ministro Luiz Fux afirmou que o STF, ao julgar a causa, chegou a uma conclusão majoritária quanto ao rito de impeachment, com votos divergentes amplamente debatidos. “O que a Corte fez foi manter a integridade da sua jurisprudência já sedimentada após a Constituição de 1988”, recordou.
A ministra Cármen Lúcia uniu-se à maioria. Segundo ela, os três itens questionados no recurso foram debatidos profundamente com divergências e diferenças de compreensões e de interpretações da Constituição. “No objeto dos embargos, não consigo verificar contradição, obscuridade ou omissão, que são as condições de embargabilidade”, avaliou.
O ministro Marco Aurélio acompanhou o relator pelo desprovimento dos embargos. Para o ministro, o regimento interno da Câmara dos Deputados, no artigo 188, parágrafo 2º, inciso IV, prevê que não será objeto de deliberação por meio de escrutínio secreto a autorização para instauração de processo, nas infrações penais comuns ou nos crimes de responsabilidade, contra o presidente e o vice-presidente da República e os ministros de Estado. “Qual a razão socialmente aceitável que levaria à votação secreta no tocante à escolha dos componentes da comissão que dará simplesmente um parecer quanto à possibilidade ou não de ter-se a apreciação da acusação e, posteriormente, um outro parecer quanto à possibilidade ou não de autorizar-se o processo a ser procedido no âmbito do Supremo?”, questionou.
Quanto à competência da Câmara dos Deputados e do Senado no processo de impeachment, o ministro Marco Aurélio, afirmou ainda que o ato do Senado de instaurar o processo não é estritamente formal. “Se admitirmos que o é, teríamos que o fenômeno da suspensão [do exercício da função do presidente da República] decorrerá do crivo da Câmara dos Deputados e a Constituição Federal prevê que se dará a suspensão com a instauração do processo pelo Senado”.
O ministro Celso de Mello também entendeu que os embargos não se justificam no caso da ADPF 378. Lembrou que seu voto, proferido em dezembro, afirmou a possibilidade de o Senado rejeitar a continuidade do processo deimpeachment, mesmo que aprovado pela Câmara. “A deliberação emanada da Câmara dos Deputados não se reveste de eficácia vinculante, qualificando-se, ao contrário, como mero requisito de procedibilidade que simplesmente possibilita ao Senado Federal instaurar, ou não, o concernente processo de impeachment contra o presidente da República”.
O presidente da Corte, ministro Ricardo Lewandowski, também seguiu o entendimento majoritário. Ele explicou que, segundo o Código de Processo Civil, artigo 535, cabem embargos de declaração quando na sentença ou no acórdão houver omissão, obscuridade ou contradição. “A ADPF 378 foi amplamente discutida por este Plenário ao longo de duas sessões, 17 e 18 de dezembro do ano passado. Todos os aspectos foram minuciosamente e exaustivamente analisados por estes juízes”, afirmou.
Divergência
Primeiro a divergir, o ministro Dias Toffoli afirmou que “os limites da contradição, obscuridade ou omissão merecem ter uma análise bastante amplificada”. Ele observou não haver dúvida de que o tema foi debatido pela Corte, mas considerou que o resultado do julgamento gerou contradição quando o voto vencedor – e aqueles que o seguiram – disse que o presente caso é de eleição e, ao mesmo tempo, conclui que é vedado chapa avulsa.
“Essa é uma contradição que transforma aquilo, que a lei do rito e que o Regimento Interno estabelecem como eleição, numa escolha do líder partidário”. Ele também ressaltou que as candidaturas avulsas são tradição no Legislativo. “A contradição é mais aberrante na medida em que a cultura histórica das Casas Legislativas é de permitir as candidaturas avulsas”, afirmou.
O ministro Dias Toffoli também considerou que a votação secreta para a eleição da comissão especial permite o livre exercício da representação que o parlamentar tem do povo, para deixá-lo livre dos apelos ou das opressões que podem vir. “O voto secreto é necessário em determinadas situações para proteger a própria representação popular, é por isso que ele é excepcional”, entendeu.
Assim, ele votou no sentido de acolher os embargos de declaração a fim de dar efeitos infringentes para reformar o acórdão e permitir as candidaturas avulsas, dentro dos limites da proporcionalidade partidária, bem como para que a eleição ocorra por meio de voto secreto.
O ministro Gilmar Mendes seguiu integralmente o voto do ministro Toffoli e acolheu parcialmente os embargos de declaração pois entendeu haver ambiguidade, obscuridade e incongruência no acórdão do julgamento da ADPF 378. Em seu entendimento, a decisão deveria ser reformada para permitir voto secreto na eleição da comissão especial que irá examinar o pedido de impeachment. Entende, ainda, ser possível a formação de chapa avulsa para concorrer com a chapa indicada pelos líderes dos partidos.
Ele também considerou que acórdão deveria ser reformada no ponto em que permite ao Senado desconsiderar eventual decisão da Câmara dos Deputados pelo recebimento da denúncia contra o presidente da República e negar autorização para a abertura do processo. Segundo ele, neste caso, estaria havendo ampliação indevida do papel daquela Casa Legislativa.