Intervalo entre dano moral e ajuizamento da ação não caracteriza perdão tácito
A Terceira Turma do Tribunal
Superior do Trabalho, acompanhando voto do ministro Alberto Bresciani,
rejeitou a alegação de ocorrência do chamado “perdão tácito” feita pela
defesa de uma loja de calçados de Goiânia (GO), tendo em vista o
transcurso de tempo entre o dano moral sofrido por um ex-empregado e o
ajuizamento de sua ação trabalhista. A ação foi proposta um ano e sete
meses após o fim das revistas pessoais a que eram submetidos os
vendedores da loja Flavios Calçados e Esportes Ltda..
O ministro Bresciani destacou em seu voto que a ação foi ajuizada
dentro do prazo prescricional de dois anos previsto na Constituição
(artigo 7º, XXIX), não havendo que se cogitar de prescrição da
pretensão de reparar o dano à intimidade sofrido. “Tendo em vista a
impossibilidade de a lesão ao direito à intimidade convalescer com o
passar do tempo, não há que se cogitar de perdão tácito pelo transcurso
de um período entre o dano e o ajuizamento da ação em que se busca a
respectiva reparação”, afirmou.
Na ação, o vendedor requereu indenização por danos morais, pois,
além de ser desviado da função por várias vezes, para conferir
estoques, classificar e limpar mercadorias, faxinar a loja após o
expediente, distribuir panfletos de propagandas nas calçadas e
semáforos da cidade, ainda participava do sorteio em que cerca de 40%
dos empregados eram submetidos à revista íntima todos os dias, na sala
de treinamento ou banheiro, onde abaixavam as calças na presença do
gerente da loja e do segurança.
O juiz da 6ª Vara do Trabalho de Goiânia, após depoimentos de
testemunhas, entendeu que o desvio de função não gerava danos morais,
mas quanto à revista íntima, concluiu ter sido abusiva por ferir
direitos inerentes à personalidade, deferindo, assim, ao vendedor a
indenização de R$ 10 mil por danos morais. A Flávios recorreu ao
Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) alegando que abolira a
revista íntima em abril de 2004 e o fato de o vendedor pleitear a
indenização somente em março de 2006 indicava o seu perdão tácito.
“Não há que se falar em perdão tácito, considerando a subordinação
à qual está submetido o empregado no curso de seu contrato, diferente
do perdão tácito do empregador. Não se pode exigir que o empregado se
rebele, rescinda o contrato por via indireta, para sofrer depois as
consequências financeiras, dentre outras, do desemprego ”, concluiu o
TRT/GO. Para o Regional, a empresa pode vigiar seu patrimônio, tomando
cuidados necessários para evitar furtos, mas é importante que as
medidas tomadas respeitem os trabalhadores e não ofendam sua dignidade
e intimidade. O Tribunal, entretanto, reduziu o valor da indenização
para R$ 5 mil.
O ministro Bresciani destacou ainda em seu voto que o direito à
intimidade insere-se nos direitos da personalidade, marcados pelas
características de absolutos, indisponíveis relativamente,
imprescritíveis e extrapatrimoniais. “No caso dos autos, o TRT
delimitou que a ré realizava revistas em seus empregados de forma
abusiva. Não obstante a Constituição Federal garantir o direito de
propriedade, é indene de dúvidas que deve atender à sua função social.
A proteção do patrimônio do empregador não pode desconsiderar as
vocações do ordenamento jurídico, especialmente a dignidade da pessoa
humana”, concluiu Bresciani.