ADPF: instrumento processual na Constituição Federal de 1988

ADPF: instrumento processual na Constituição Federal de 1988

Análise das características processuais da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), como mecanismo de Controle de Constitucionalidade elencada na Constituição Federal de 1988.

1. A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e sua posição na Constituição Federal de 1988

A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), reconhecida no sistema de Controle de Constitucionalidade brasileiro, esta elencada no artigo 102 da Constituição Federal de 1988, parágrafo 1°, com a seguinte redação:

Art. 102: Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

Parágrafo 1°. A arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente desta Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.

1.1 A lei infraconstitucional, o objeto e o movimento para sua regulamentação

A Lei infraconstitucional que regulamenta esta Ação, Lei n°. 9.882 de 03/12/1999, disciplina que o objeto é: evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público ou quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores a Constituição.

De acordo com Gilmar Ferreira Mendes[1], o Professor Celso Bastos elaborou o primeiro esboço do anteprojeto que haveria de regular a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Com objetivo de submeter a uma Comissão de especialistas, o Ministro da Justiça, Íres Resende, em 04-07-1997, editou a Portaria n. 572, publicada no DOU de 07-07-1997, instituindo Comissão destinada a elaborar estudos e anteprojeto de lei que disciplinasse a ADPF. Foram designados para compor a Comissão os Professores Celso Ribeiro Bastos, Arnoldo Wald, Ives Gandra Martins, Oscar Dias Corrêa e Gilmar Ferreira Mendes.

A proposta de anteprojeto segundo Mendes (2009, p.1193), estabeleceu o rito perante o STF, o elenco dos entes com legitimidade ativa, os pressupostos para suscitar o incidente e os efeitos da decisão proferida e sua irrecorribilidade.

1.2 O entendimento por preceitos fundamentais na doutrina

Indaga Bernardo Gonçalves Fernandes[2], quais seriam os preceitos fundamentais do que trata esta Ação. Apresenta o autor duas correntes sobre o tema:

1ª  Corrente: defende que não existem preceitos fundamentais diferenciados na Constituição de outras normas constitucionais. Nesse sentido, toda a Constituição é um preceito fundamental por excelência. Essa corrente é eminentemente minoritária.

2ª Corrente: afirma que, apesar de a Constituição ser uma norma fundamental, ou seja, ser fundamento de validade para outras normas do ordenamento, existem preceitos fundamentais na mesma que se diferenciam de outras normas constitucionais (que não devem ser entendidas como preceitos fundamentais). Esta é a corrente majoritária e é inclusive a adotada pelo STF.

Leciona Fernandes (2011, p.993), que a definição de preceitos fundamentais não é legal e sim doutrinária e jurisprudencial. Na esteira o autor contribui que os preceitos fundamentais são entendidos como aquelas normas materialmente constitucionais que fazem parte da Constituição formal. Explica melhor, devem ser compreendidos como núcleo ideológico constitutivo do Estado e da sociedade presente na Constituição formal. Para exemplificar o autor cita como rol de preceitos os artigos 1° a 4°, 5°; 6°; 14; 18; 34, VII; 60 § 4°, 170, 196, 220, 222 e 225 da Constituição Federal de 1988.

1.3 Da hipótese de arguição

Encontramos na lei 9.882/99 que regulamenta a ADPF, duas espécies de Arguição, consoante Fernandes (p.993-994):

Arguição autônoma: visa evitar ou reparar lesão a preceito fundamental da Constituição resultante de ato do Poder Público.

Arguição incidental: visa evitar ou reparar lesão a preceito fundamental da Constituição em virtude de controvérsia constitucional em relação à lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive os anteriores à Constituição.

2. O procedimento e o juízo de admissibilidade

Atento ao procedimento o legitimado ativo irá ajuizar a referida Ação no STF com observância a os seguintes requisitos:

  • Menção do preceito fundamental ameaçado
  • Menção do ato do Poder Público
  • Prova da violação
  • Pedido
  • Demonstração da controvérsia judicial relevante (quando da ADPF incidental)

Ao receber a ADPF o relator fará o juízo de admissibilidade, importante destacar que não admitido caberá agravo de instrumento para o pleno do STF, Fernandes (2011).

Acentua Bernardo Gonçalves Fernandes (2011, p.997), que no juízo de admissibilidade da ADPF há análise do princípio da subsidiariedade. O autor aduz que há uma discussão acerca do princípio da subsidiariedade, na qual estabelece 3 correntes:

1ª Corrente: André Ramos Tavares e José Afonso da Silva. Estes afirmam que o princípio da subsidiariedade, presente na Lei n° 9.882, é inconstitucional. Visto que uma lei ordinária não poderia criar um obstáculo a ADPF.

2ª Corrente: Alexandre Morais e Zeno Veloso. O princípio da subsidiariedade é constitucional e deve ser observado em sua literalidade, ou seja, em sua gramaticalidade constante do art. 4°, § 1°, da Lei n°. 9882/99.

3ª Corrente: corrente intermediária ou mista. Defendida por Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, entre outros. Essa corrente irá advogar que o art. 4°, § 1°, da Lei n. 9.882/99 é constitucional, mas não deve ser interpretado de forma literal. Deve ser interpretado em uma perspectiva teleológica.

3. Os efeitos da decisão

No que se refere a os efeitos da decisão da ADPF, Pedro Lenza[3] nos ensina que a decisão é imediatamente autoaplicável, na medida em que o presidente do STF determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente.

A decisão terá eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público, além de efeitos retroativos (ex tunc). De acordo com o art. 10, § 2°, da Lei n. 9.882/99, dentro do prazo de 10 dias, contado a partir do trânsito em julgado da decisão, sua parte dispositiva será publicada em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, Lenza (p.333).

4. Conclusão

No Brasil em meados de 2012, o Supremo Tribunal Federal, conheceu a ADPF 54 sobre relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, com a temática da antecipação terapêutica do parto de feto anencefálico. A Ação proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS) arguia como violação de preceitos fundamentais a dignidade da pessoa humana, analogia a tortura, legalidade, liberdade e autonomia da vontade e direito a saúde.

Por maioria dos votos, o pleno decidiu que não deve ser considerado como aborto a interrupção terapêutica induzida da gravidez. Em seu voto Marco Aurélio grifou que “aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, não existe vida possível. O feto anencéfalo é biologicamente vivo, por ser formado por células vivas, e juridicamente morto, não gozando de proteção estatal”.

A Ação ganhou grande repercussão na mídia nacional, dividindo opiniões entre movimentos e religiosos que defendem o direito a vida do feto anencéfalo.         

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires, GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011.

[1] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires, GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 1192-1193.

[2] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 992-993.

[3] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 333.

Sobre o(a) autor(a)
Emiliano Cruz da Silva
Aprovado no XXV Exame da OAB/FGV. Bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL.
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